sexta-feira, 2 de outubro de 2020

PANDEMIA, EDUCAÇÃO E MUITAS REFLEXÕES A RESPEITO.


Menos idealização. Mais realismo.

 

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

 

Ainda que a sociedade da pressa, da ansiedade e do imediatismo crie expectativas diversas sobre o fim da Pandemia, a verdade é que estamos trilhando um caminho de profunda incerteza e imprevisibilidade. Desejar que a mudança no calendário, de 2020 para 2021, seja efetivamente o marco de um recomeço livre do COVID-19 não parece adequado e real. O próprio prognóstico da Organização Mundial da Saúde (OMS) é de que a Pandemia possa terminar em até dois anos 1.

Enquanto isso, o mundo transita entre idas e vindas sobre os escombros e impactos causados por esse acontecimento surreal; sobretudo, na reorganização possível da dinâmica cotidiana das sociedades. A paralisação das rotinas, inclusive educacionais, trouxe desdobramentos em diversas camadas, os quais vêm sendo revelados a sua extensão e a sua gravidade, exigindo uma reflexão profunda a respeito. Afinal de contas, a Pandemia lançou luz sobre o mundo e descortinou a realidade. De modo que não foi mais possível desconsiderar ou omitir os desafios, os entraves, as limitações que já faziam parte do contexto educacional.   

A Educação brasileira sempre esteve nas pautas de discussão nacional. Fosse à demonstração das diferenças abissais entre os ensinos públicos e privados. Fosse acentuando as desigualdades sociais de maneira mais e mais significativa. Fosse pelas dificuldades orçamentárias recorrentes que sempre impuseram entraves ao desenvolvimento de propostas e políticas que viessem ao encontro do desenvolvimento humano, científico e tecnológico presentes no mundo. Fosse pela precariedade estrutural das instituições de ensino que obstaculiza a prestação de um ensino adequado e atrativo aos alunos, pela carência de requisitos mínimos para que possam ser consideradas escolas. Fosse pela desqualificação do contingente de profissionais da Educação, na medida da desvalorização salarial, do descaso em relação a sua formação e da precarização das condições de seu exercício profissional. ...

Sem contar que, atentando-se ao ensino privado, ainda que colocado em posição favorável de exemplo e destaque, nem tudo eram flores. Além de tudo o que já foi pontuado anteriormente, o desafio orçamentário constante decorrente da inadimplência há tempos é uma realidade para essas instituições. Nesse sentido, a linha tênue entre os ensinos públicos e privados desaparece na estatística da evasão escolar; pois, a dificuldade de custear os gastos com a educação privada promove um êxodo para a educação pública, que passa a operar acima da sua capacidade de recursos e acentuando a ineficiência e a precarização do próprio ensino oferecido.

Eis, então, que a Pandemia chegou. De uma hora para outra, o ensino brasileiro em todos os seus níveis precisou ser adaptado para o mundo digital, independentemente de estarem às instituições de ensino preparadas ou não. Aliás, a questão da acessibilidade tecnológica trouxe à tona não só o impacto financeiro para muitos alunos e professores, com a aquisição de planos de internet, equipamentos celulares e computadores; mas, também, o letramento digital docente e discente. Então, os processos foram se ajustando com o passar dos meses de isolamento, de certa maneira atabalhoada, sem muita precisão quanto à eficácia e resultados; e, deixando muitos alunos à margem desse novo caminho.

No campo do ensino privado, embora melhor adaptados ao ensino à distância, diante da realidade escolar presencial em suspenso muitos pais buscaram meios jurídicos para redução de mensalidades, contribuindo para uma desorganização das planilhas de custos dessas instituições. De modo que foi sugerida pela Justiça e Órgãos de Defesa do Consumidor uma conciliação entre as partes, visando reduzir os impactos.

As situações de inadimplência já pesavam sobre as planilhas das escolas e a margem de sobrevivência financeira dessas poderia tornar-se ainda mais reduzida, levando-as a um eventual encerramento das atividades, tendo em vista a impossibilidade de precisão das autoridades sanitárias sobre uma data de reabertura e retomada das atividades presenciais. Além disso, o desemprego e a redução de salários e jornada para milhões de pessoas tornou-se uma variável importante a ser considerada.

Então, como explicado no início dessa reflexão, a Pandemia não chegou com prazo de validade carimbado no passaporte. Já se computam 7 meses de suspensão das atividades presenciais nas escolas em quase todo o país. A consequência é que muitas, de fato, não resistiram aos impactos econômicos e vêm anunciando seu fechamento 2.

Aliás, muitas chegaram a investir em protocolos de segurança sanitária, em redução de alunos por sala e nas equipes de trabalho; mas, a imprevisibilidade que reveste as medidas de prevenção foi decisiva no sentido de impedir a dispersão de muitos alunos, ao ponto de algumas famílias rescindirem contratos com as escolas e manterem seus filhos em educação domiciliar ou acenarem para sua transferência ao ensino público no próximo ano.

Como se vê, a realidade que se vislumbra no horizonte mais próximo demandará, portanto, escolas com salas bem arejadas, com menos alunos, com materiais individualizados e constantemente sanitizados, com menos atividades coletivas para evitar aglomerações, com a presença de mais lavatórios com sabões líquidos e toalhas de papel para higienização das mãos, com carga horária de trabalhos à distância bem estruturados e acessíveis aos alunos, enfim.

Mas, se pusermos atenção à realidade atual das escolas públicas é possível identificar a diferença entre a teoria e a prática. Seriam necessários tempo e recursos para realinhar essas instituições ao contexto da Pandemia, que será acrescido da demanda de novos alunos que está a caminho. Assim, esse realinhamento, na verdade, implicaria na ampliação de inúmeras delas para que fosse realmente possível cumprir as orientações e medidas sanitárias estabelecidas pelos órgãos de saúde. 

Portanto, é imprescindível compreender a escola como elemento integrado a sociedade e suas inerentes desigualdades. O que adianta, por exemplo, testar alunos e professores hoje, se a dinâmica da vida de muitos deles os lança direta e diariamente a realidade do transporte público lotado, das comunidades precariamente urbanizadas, das habitações superlotadas? Eles estarão lá nas escolas desfrutando desse espaço comum de ensino e convivência, enquanto inadvertidamente podem ser transmissores e receptores desse novo inimigo invisível, que transita livremente por cada espaço geográfico das cidades.

Não se pode esquecer de que o cotidiano na escola envolve cerca de 4 horas e meia por dia, de 5 a 6 vezes por semana, e nesse tempo de coexistência coletiva o vírus está presente e a espreita por uma nova vítima. Nas salas de aula. Na hora do lanche. No recreio. Nas aulas de educação física. ...

Talvez seja o momento de evitar discussões desnecessárias e focar seriamente em um planejamento consciente para as instituições de ensino, em todos os níveis, a partir de 2021. As demandas prioritárias e urgentes já estão sobre a mesa de 2020, só aguardando. Muitas já estavam lá há muito tempo; mas, felizmente agora se fazem ouvir em coro com todas as demais.

É isso que a sociedade espera; que pais, alunos, professores, funcionários também almejam surgir diante deles. Falou-se muito sobre a dependência mutualística entre a Saúde Pública e a Economia durante a Pandemia; mas, nenhum desses pilares sobrevive a uma situação dessas sem que a sociedade perceba a importância da Educação, rechaçando quaisquer tentativas de negligência ou desmantelamento para com ela.