Menos
idealização. Mais realismo.
Por
Alessandra Leles Rocha
Ainda que a
sociedade da pressa, da ansiedade e do imediatismo crie expectativas diversas
sobre o fim da Pandemia, a verdade é que estamos trilhando um caminho de
profunda incerteza e imprevisibilidade. Desejar que a mudança no calendário, de
2020 para 2021, seja efetivamente o marco de um recomeço livre do COVID-19 não
parece adequado e real. O próprio prognóstico da Organização Mundial da Saúde
(OMS) é de que a Pandemia possa terminar em até dois anos 1.
Enquanto isso, o
mundo transita entre idas e vindas sobre os escombros e impactos causados por
esse acontecimento surreal; sobretudo, na reorganização possível da dinâmica cotidiana
das sociedades. A paralisação das rotinas, inclusive educacionais, trouxe
desdobramentos em diversas camadas, os quais vêm sendo revelados a sua extensão
e a sua gravidade, exigindo uma reflexão profunda a respeito. Afinal de contas,
a Pandemia lançou luz sobre o mundo e descortinou a realidade. De modo que não
foi mais possível desconsiderar ou omitir os desafios, os entraves, as
limitações que já faziam parte do contexto educacional.
A Educação
brasileira sempre esteve nas pautas de discussão nacional. Fosse à demonstração
das diferenças abissais entre os ensinos públicos e privados. Fosse acentuando
as desigualdades sociais de maneira mais e mais significativa. Fosse pelas
dificuldades orçamentárias recorrentes que sempre impuseram entraves ao
desenvolvimento de propostas e políticas que viessem ao encontro do
desenvolvimento humano, científico e tecnológico presentes no mundo. Fosse pela
precariedade estrutural das instituições de ensino que obstaculiza a prestação
de um ensino adequado e atrativo aos alunos, pela carência de requisitos mínimos
para que possam ser consideradas escolas. Fosse pela desqualificação do contingente
de profissionais da Educação, na medida da desvalorização salarial, do descaso
em relação a sua formação e da precarização das condições de seu exercício
profissional. ...
Sem contar que,
atentando-se ao ensino privado, ainda que colocado em posição favorável de
exemplo e destaque, nem tudo eram flores. Além de tudo o que já foi pontuado
anteriormente, o desafio orçamentário constante decorrente da inadimplência há
tempos é uma realidade para essas instituições. Nesse sentido, a linha tênue
entre os ensinos públicos e privados desaparece na estatística da evasão
escolar; pois, a dificuldade de custear os gastos com a educação privada
promove um êxodo para a educação pública, que passa a operar acima da sua
capacidade de recursos e acentuando a ineficiência e a precarização do próprio ensino
oferecido.
Eis, então, que a
Pandemia chegou. De uma hora para outra, o ensino brasileiro em todos os seus
níveis precisou ser adaptado para o mundo digital, independentemente de estarem
às instituições de ensino preparadas ou não. Aliás, a questão da acessibilidade
tecnológica trouxe à tona não só o impacto financeiro para muitos alunos e
professores, com a aquisição de planos de internet, equipamentos celulares e
computadores; mas, também, o letramento digital docente e discente. Então, os
processos foram se ajustando com o passar dos meses de isolamento, de certa maneira
atabalhoada, sem muita precisão quanto à eficácia e resultados; e, deixando
muitos alunos à margem desse novo caminho.
No campo do ensino
privado, embora melhor adaptados ao ensino à distância, diante da realidade escolar
presencial em suspenso muitos pais buscaram meios jurídicos para redução de
mensalidades, contribuindo para uma desorganização das planilhas de custos
dessas instituições. De modo que foi sugerida pela Justiça e Órgãos de Defesa
do Consumidor uma conciliação entre as partes, visando reduzir os impactos.
As situações de inadimplência
já pesavam sobre as planilhas das escolas e a margem de sobrevivência financeira
dessas poderia tornar-se ainda mais reduzida, levando-as a um eventual
encerramento das atividades, tendo em vista a impossibilidade de precisão das
autoridades sanitárias sobre uma data de reabertura e retomada das atividades
presenciais. Além disso, o desemprego e a redução de salários e jornada para milhões
de pessoas tornou-se uma variável importante a ser considerada.
Então, como
explicado no início dessa reflexão, a Pandemia não chegou com prazo de validade
carimbado no passaporte. Já se computam 7 meses de suspensão das atividades
presenciais nas escolas em quase todo o país. A consequência é que muitas, de
fato, não resistiram aos impactos econômicos e vêm anunciando seu fechamento 2.
Aliás, muitas
chegaram a investir em protocolos de segurança sanitária, em redução de alunos
por sala e nas equipes de trabalho; mas, a imprevisibilidade que reveste as
medidas de prevenção foi decisiva no sentido de impedir a dispersão de muitos
alunos, ao ponto de algumas famílias rescindirem contratos com as escolas e
manterem seus filhos em educação domiciliar ou acenarem para sua transferência ao
ensino público no próximo ano.
Como se vê, a
realidade que se vislumbra no horizonte mais próximo demandará, portanto, escolas
com salas bem arejadas, com menos alunos, com materiais individualizados e
constantemente sanitizados, com menos atividades coletivas para evitar
aglomerações, com a presença de mais lavatórios com sabões líquidos e toalhas de
papel para higienização das mãos, com carga horária de trabalhos à distância bem
estruturados e acessíveis aos alunos, enfim.
Mas, se pusermos
atenção à realidade atual das escolas públicas é possível identificar a diferença
entre a teoria e a prática. Seriam necessários tempo e recursos para realinhar
essas instituições ao contexto da Pandemia, que será acrescido da demanda de
novos alunos que está a caminho. Assim, esse realinhamento, na verdade,
implicaria na ampliação de inúmeras delas para que fosse realmente possível
cumprir as orientações e medidas sanitárias estabelecidas pelos órgãos de
saúde.
Portanto, é imprescindível
compreender a escola como elemento integrado a sociedade e suas inerentes
desigualdades. O que adianta, por exemplo, testar alunos e professores hoje, se
a dinâmica da vida de muitos deles os lança direta e diariamente a realidade do
transporte público lotado, das comunidades precariamente urbanizadas, das
habitações superlotadas? Eles estarão lá nas escolas desfrutando desse espaço
comum de ensino e convivência, enquanto inadvertidamente podem ser
transmissores e receptores desse novo inimigo invisível, que transita
livremente por cada espaço geográfico das cidades.
Não se pode esquecer
de que o cotidiano na escola envolve cerca de 4 horas e meia por dia, de 5 a 6
vezes por semana, e nesse tempo de coexistência coletiva o vírus está presente
e a espreita por uma nova vítima. Nas salas de aula. Na hora do lanche. No
recreio. Nas aulas de educação física. ...
Talvez seja o
momento de evitar discussões desnecessárias e focar seriamente em um
planejamento consciente para as instituições de ensino, em todos os níveis, a
partir de 2021. As demandas prioritárias e urgentes já estão sobre a mesa de
2020, só aguardando. Muitas já estavam lá há muito tempo; mas, felizmente agora
se fazem ouvir em coro com todas as demais.
É isso que a
sociedade espera; que pais, alunos, professores, funcionários também almejam
surgir diante deles. Falou-se muito sobre a dependência mutualística entre a
Saúde Pública e a Economia durante a Pandemia; mas, nenhum desses pilares sobrevive
a uma situação dessas sem que a sociedade perceba a importância da Educação, rechaçando
quaisquer tentativas de negligência ou desmantelamento para com ela.