domingo, 16 de agosto de 2020

#DefendaOsLivros

#DefendaOsLivros




Por Alessandra Leles Rocha




Em pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), dados divulgados em 2018 apontam para persistência do analfabetismo para um contingente populacional de 7%, ou seja, 11,5 milhões de brasileiros que não sabem ler e nem escrever. Para muitos essa informação pode parecer distante das suas preocupações diárias ou, quem sabe, uma cifra pouco expressiva no âmbito total da população. Mas, a verdade é que esses dados traduzem a ponta de um gigantesco e complexo iceberg de desigualdades que flutua em mares tupiniquins.
O analfabetismo é a porta de entrada para a consolidação de uma base de trabalhadores informais e distantes, anos luz, dos direitos constitucionais previstos na Lei Magna de 1988. Mas, na esteira deles emerge um contingente pseudo escolarizado, popularmente denominado como analfabetos funcionais, que foram alfabetizados, mas não letrados; o que significa que sabem escrever e ler sem, contudo, depurar a interpretação e a criticidade contidas no texto. O que, então, sinaliza os desafios existentes no processo de ensino-aprendizagem nacional.  
Assim, o ensino no país vai prosseguindo deficitário e constituindo indivíduos pouco preparados tanto do ponto de vista cidadão como, também, do ponto de vista profissional. Afinal, na conjuntura em que se estabelece a educação brasileira em que as carências de todas as ordens se avolumam ao longo das décadas, o reflexo natural é uma produção de alunos abaixo das expectativas, em razão do desperdício de seu próprio potencial de aprendizagem e construção do conhecimento.
Portanto, não é sem razão, que exista tanta dificuldade de absorção de pessoas pelo mercado de trabalho no país.  Apesar de uma taxa de desemprego atual em torno de 13,7%, não se concentra só nas variáveis componentes da atualidade a dificuldade de reabsorção dessa mão de obra. A questão da qualificação que perpassa pela formação educacional é um fator que jamais pode ser excluído da análise.
As relações laborais existentes no mundo do século XXI demandam bem mais do que conhecimentos acadêmicos. Procuram-se candidatos que apresentem uma visão holística do cotidiano. Sejam articulados, cooperativos, proativos, dinâmicos,... mas, especialmente, atualizados; o que implica diretamente na leitura, um componente educacional.
Entretanto, a leitura não é só parte integrante e integradora da grade curricular. Ler é um requisito básico do cidadão e a ferramenta do profissional contemporâneo. O que não significa apenas uma leitura de manchetes, de títulos; mas, de conteúdos diversos que lhe permitam transitar pela conectividade dos assuntos em voga.  Em linhas gerais, trata-se de uma leitura a partir da multimodalidade, ou seja, utilizando todas as formas disponíveis de produção de linguagem – livros, jornais, revistas, sites, filmes, audiobooks, etc.
Mas, além do fato de que a realidade de muitas escolas está aquém de oferecer esse conhecimento aos alunos, os próprios, na sua grande maioria, não dispõem de recursos financeiros suficientes para investir autonomamente no aprimoramento da sua formação. De modo que, suas habilidades, competências e talentos são sumariamente negligenciados e descartados pelo próprio país; tornando-os pretensos candidatos para funções meramente operacionais, cujos salários os manterão dentro da já conhecida realidade das impossibilidades.
Por isso, a ideia de retomada da tributação aos livros 1 pareceu-me de um escárnio perverso em relação à cidadania. Ainda que a Constituição Federal resguarde nas suas linhas essa isenção de imposto, o simples fato da apresentação da proposta sob o argumento de que “os livros são produtos de elite” é uma afrontosa reafirmação de que a desigualdade deva permanecer prosperando secularmente no país. Nesse sentido, todo o exposto acima também estaria fadado a prosseguir seu curso devastador. O que se traduz, inclusive, no fato de já terem levantado a hipótese de um corte de R$4,2 bilhões no orçamento do Ministério da Educação, para 2021.
Sem contar que tais manifestações, em síntese, só têm por finalidade desconstruir os fundamentos instituídos constitucionalmente no país, em relação à livre manifestação do pensamento, da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença (Art. 5º); a liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber (Art. 206); e, a proibição da criação de embaraço, por lei, à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social e inexistência de licença de autoridade para a publicação de veículo impresso de comunicação (Art. 220).
Mas, a Educação, os Livros e tantos outros assuntos que permeiam a nossa formação humanística e cidadã não podem esperar, por conta das sementes da desesperança que alguns teimam em lançar ao vento. Sendo assim, “não confundamos esperança do verbo esperançar com esperança do verbo esperar. Violência? O que posso fazer? Espero que termine... Desemprego? O que posso fazer? Espero que resolvam... Fome? O que posso fazer? Espero que impeçam... Corrupção? O que posso fazer? Espero que liquidem... Isso não é esperança, é espera. Esperançar é se levantar, esperançar é ir atrás, esperançar é construir, esperançar é não desistir! Esperançar é levar adiante, esperançar é juntar-se com outros para fazer de outro modo” (Mario Sergio Cortella).

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