A
idade é só um rótulo
Por
Alessandra Leles Rocha
Antes mesmo que maiores detalhes
tivessem chegado ao conhecimento público, à primeira iniciativa desencadeada
pelas autoridades foi manifestar a importância de se estabelecer maiores
cuidados com a população idosa, a qual aparentemente seria a mais vulnerável ao
COVID-19; tendo em vista uma maior probabilidade de doenças pré-existentes. Assim, idosos em todo mundo passaram a ocupar o
primeiro grupo de risco nessa Pandemia.
Muitos de fato vieram a óbito ao
longo desses meses; mas, outros promoveram uma importante ruptura de paradigmas
científicos em meio aos seus quase centenários anos de vida. O vírus foi bem
mais democrático, no que tangem as faixas etárias, do que costuma ser a própria
sociedade. Ele simplesmente fez vítimas aleatórias. No entanto, todo esse
movimento que se estabeleceu contribuiu para diversas reflexões sociais importantíssimas.
É interessante como a preocupação
em torno da vida consegue existir concomitantemente à incapacidade de respeito,
valoração e reconhecimento ao processo biológico natural de desenvolvimento
humano, ou seja, todo mundo nasce, cresce, envelhece e morre. Estamos sempre a
favor da vida, mas com ressalvas bastante resistentes à penúltima etapa dela
que diz respeito ao envelhecimento.
Sim, daqui e dali, a sociedade vem
tornando a vida um sinônimo da juventude. Bens, produtos e serviços por ela
disponibilizados estão basicamente destinados a atender aos interesses da
chamada População Economicamente Ativa (PEA) e seus dependentes. Como se após
os sessenta ou sessenta e cinco anos, o ser humano deixasse de viver a plenitude
dos seus sonhos, desejos, aspirações e conquistas e se transformasse em mero
receptor de cuidados e assistencialismos, de certo modo, bastante onerosos. Já
percebeu como muitas famílias reclamam de arcar com a contratação de um cuidador,
quando necessário; mas, não o fazem diante de uma babá?
A questão é que cada fase da vida
humana é uma vida a ser vivida com seus sabores e dissabores, encantos e
desencantos; os quais só se descobrem depois de aberto o pacote. E o COVID-19
nos mostrou isso. De onde menos se esperava uma volta por cima da doença, ela
surgiu. Dos semblantes e corpos frágeis emergiu uma força vital que surpreendeu
muita gente. E não foi à toa. Só quem chega tão longe nessa vida para dar-lhe o
devido valor, para lutar com unhas e dentes por cada fiapo de tempo.
Lamento que exista muita gente por
aí, ao contrário de entender o envelhecimento como mais uma etapa, o vendo como
uma sentença de fim. Porque para morrer basta estar vivo. Quantos não morrem ao
nascer ou antes mesmo? Ou na adolescência? Ou na juventude? Ou na maturidade? Por
razões diversas o fim se estabelece e pronto. Finais breves. Finais longos.
Ciclos que se encerram à revelia da nossa vontade, do nosso querer.
O triste é quando a própria humanidade
faz questão de abreviar o tempo da vida. Criando mecanismos tão perversos para
minar as potencialidades, as alegrias, o entusiasmo, os desejos humanos.
Invisibilidade. Exclusão. Intolerância. Preconceito. Violência. Abandono.
...são alguns exemplos desse modus
operandi que ergue fronteiras intransponíveis entre as pessoas; mas,
também, entre faixas etárias.
Fala-se muito da diversidade e da
sua representatividade na sociedade; mas, não vejo a consolidação disso visível,
especialmente, em relação aos idosos. Não uma diversidade e representatividade
idealizada ou estereotipada, contextualizada aos interesses de uns e outros;
mas, reais, palpáveis, traduzíveis as expressões identitárias que cruzam o
nosso cotidiano. Certamente, trazer essa realidade para o mundo que envelhece, minimizaria
muito a dor, o sofrimento e a solidão de milhões de idosos. Aliás, segundo a
Organização das Nações Unidas (ONU) serão aproximadamente 2 bilhões de pessoas
acima de sessenta anos em 2050.
No entanto, a sociedade vem tentando lhes
impingir, cada vez mais, um universo paralelo e limitado. Êpa! Espera aí! Antes
de serem idosos, eles são seres humanos! Seus gostos, suas predileções,
seus hobbies, suas atividades podem ser quaisquer umas, segundo os seus
interesses humanos. Abra os olhos e veja quantos vovôs e vovós por aí, curtindo
a vida bem mais do que seus netos e bisnetos. Simplesmente, porque eles estão
vivos na expressão mais profunda do que isso significa.
Não nos esqueçamos, também, de que tais
limitações é que produzem o acirramento da sua dependência, seja ela familiar
econômica ou estatal. Em sua maioria dedicados anos a fio ao trabalho formal ou
informal, a sociedade lhes impõe restrições financeiras cruéis na aquisição da
aposentadoria. O tempo e a capacidade intelectual dispensada, no final das
contas, não se convertem na paga justa e necessária à sua sobrevivência,
fazendo de muitos, verdadeiros indigentes sociais na velhice.
Quando buscam equilibrar o jogo e
voltar à cena, como protagonistas da sua história, são impedidos ou banidos de
conviver e coexistir em todos os espaços sociais. Ou seja, são mais uma vez
empurrados para as margens da sociedade, apesar de permanecerem produtivos além
do intelecto. Geralmente, as oportunidades que se apresentam configuram-se como
subempregos ou subaproveitamento laboral, perdendo o mercado grandes talentos
nesse sentido.
Como todo o restante da sociedade,
agora eles estão aí enfrentando a Pandemia. Convivendo com as ausências, as carências,
as limitações que há tempos, muitos deles, já conhecem bem. Fazendo-se visíveis,
quando possível, e procurando dar sua contribuição da melhor forma, dada a vasta
experiência que a jornada existencial lhes conferiu.
Um bom exemplo foi de um veterano
de guerra inglês, de 99 anos, que conseguiu arrecadar 13 milhões de libras para
as instituições de caridade em torno do serviço de saúde público britânico, o
NHS. Seu feito incrível foi dar 100 voltas de 25 metros, com um andador, em seu
jardim; o que significou dez voltas de cada vez, a serem cumpridas antes do seu
aniversário de 100 anos, comemorados no último dia 30 de abril.
Talvez, essa seja, então, uma das
mais importantes lições que o envelhecimento distribui de graça a quem quiser, “Para as coisas importantes, nunca é tarde
demais, ou no meu caso, muito cedo, para sermos quem queremos. Não há limite de
tempo, comece quando quiser. Você pode mudar ou não. Não há regras. Podemos
fazer o melhor ou o pior. Espero que você faça o melhor. Espero que veja as
coisas que a assustam. Espero que sinta coisas que nunca sentiu antes. Espero
que conheça pessoas com diferentes opiniões. Espero que viva uma vida da qual
se orgulhe. Se você achar que não tem, espero que tenha a força para começar novamente”
(F. Scott Fitzgerald – O Curioso Caso de Benjamin Button). Afinal, a idade é só um rótulo.