Quando
tudo parece desmoronar...
Por
Alessandra Leles Rocha
“A ruína é uma
dádiva. A ruína é o caminho que leva à transformação”, assim disse a escritora Elizabeth Gilbert, no
filme Comer, Rezar, Amar 1.
Sábias e
reconfortantes palavras, quando ao longo do dia o mundo se apresenta no seu viés
mais caótico, dramático e insuportável, as boas novas cada vez mais raras e
tudo, literalmente tudo, parece ruir entre nós. Então, eis que surge na mente a
lembrança dessa citação e um sopro de esperança devolve o ritmo da respiração.
De fato, a história
é feita de reconstruções, de ressignificações. As rupturas são, portanto, necessárias
ao avanço da humanidade, na reelaboração dos pensamentos; de modo que, os
erros, os equívocos, as distorções possam ser reanalisadas no contexto do
processo evolutivo.
Nada, então,
permanece estático e imutável. A vida se edifica sobre os pequenos e grandes escombros,
sedimentos que irão se reorganizar, se reformular para dar vazão ao impensado,
as novas perspectivas e prognósticos.
Muito mais pelas
conjunturas do que pela própria vontade é que a beleza desse processo acontece.
Belo, por sua grandeza, sua magnitude diante da nossa lamentável pequenez; mas,
ao mesmo tempo, sofrido, cruel, porque nos deixa sem escolhas.
Aliás, nossas
escolhas individuais e coletivas nos remetem aos seus respectivos resultados,
cujos desdobramentos é que nos fogem ao controle. Nossas ruínas são sempre imprevisíveis,
do mesmo modo que a forma com a qual lidamos com elas.
Quanto mais
sabedoria e bom senso utilizarmos na fiação da vida, pressupõem-se menos obstáculos
adiante. Mas, dizer que é possível uma jornada sem ruínas, por certo é
impossível; pois, transformar é preciso.
Não gostamos muito
de pensar a respeito ou de admitir; mas, o ser humano é um ser incompleto. Isso
explica tantos castelos de areia, tantos projetos esfacelados, tantas
idealizações infundadas, tanto desequilíbrio entre guerras e paz.
Somos o “olho do furacão”,
a fúria indomável, a inquietude ofegante; mesmo, quando tudo parece em paz,
porque nada nos aborrece mais do que a ausência de um script, de um roteiro,
capaz de nos devolver à zona de conforto que deveria ficar a anos luz de distância
da ruína.
Temos medo de
visibilizar a nossa fragilidade presente na nossa incompletude. A ruína nos redimensiona
o ego e há o receio de não sermos capazes de resistir às imprevisibilidades. Mas,
esse é o preço a se pagar, o risco a se correr; é inevitável, é a vida, ou para
alguns, a modernidade líquida 2.
Pelo menos ao final
teremos algo de concreto: a transformação. Estaremos metamorfoseados e aptos
para novos ciclos, novos aprendizados,... Novas ruínas. E tal constatação não é
nenhuma novidade, se pensarmos que há 159 anos, Charles Darwin já afirmava que “Não
são as espécies mais fortes que sobrevivem, nem as mais inteligentes, e sim as
mais suscetíveis a mudanças”.
Portanto, por mais
que nos sintamos soterrados pelas ruínas cotidianas que se avolumam nesse
século, as transformações hão de nos reconfortar a alma no final. Alguém disse
que seria fácil viver?
2 A modernidade líquida
seria "um mundo repleto de sinais confusos, propenso a mudar com rapidez e
de forma imprevisível". Fonte: https://vestibular.uol.com.br/resumo-das-disciplinas/atualidades/zygmunt-bauman-o-pensamento-do-sociologo-da-modernidade-liquida.htm