(In) dependência
Por Alessandra Leles
Rocha
Independência. Esse é o tema do dia, referindo-se ao fato
histórico nacional ocorrido em 1822. No entanto, falar de independência na atual
conjuntura parece um tanto quanto irônico se pensarmos bem. Afinal, essa palavra que exprime um dos mais importantes sentimentos humanos, que traz à
tona a liberdade, a autonomia para agir e decidir, rejeitando qualquer
mecanismo de sujeição ou interferência, parece totalmente discordante das
práticas sociais vigentes.
Mesmo lá, no século XIX, precisamos ser críticos sobre o
assunto. A independência da metrópole portuguesa nos tirou da condição de colônia;
mas, não necessariamente nos deu a autossuficiência política e econômica para
consolidar um desenvolvimento pleno e satisfatório das potencialidades
nacionais. Independência comprada a preço de ouro pode ser, de fato, assim
considerada? De lá para cá estivemos por um bom tempo com pires nas mãos,
aguardando benesses de outras potências mundiais, pagando os quinhões de parcos
minutos de visibilidade e empréstimos.
Mas, pior do que enxergar a situação pela superficialidade
desse prisma é admitir que a fragilidade da nossa independência foi fruto
daquilo que nos têm impactado drasticamente há séculos, ou seja, a corrupção. Lamentavelmente,
para que as relações sociais se desenvolvessem foram estabelecidos princípios de
obtenção de vantagens por meios ilegais ou ilícitos, ou vulgarmente conhecidos
como “toma lá da cá”.
Com essa práxis, a individualidade social cedeu espaço a um
atrelamento escuso de interesses e a independência, portanto, nunca existiu. Tudo
dependeu de alguém, ou de alguma coisa; na verdade, o que se chama burocracia
tornou-se um disfarce para proteger os processos de dependência que teimam em imobilizar
o fluxo natural do desenvolvimento e do progresso no país. Assim, a falta de independência
faz a população refém da expansão de suas piores mazelas.
Sem que ela vigore, o cidadão sente na pele um cotidiano de
esperas. Espera por uma educação de qualidade. Espera por uma saúde publica que
satisfaça as suas necessidades. Espera por uma segurança que lhe retire dos
ombros o peso da inquietude diária. Isso significa que a falta de independência
não faz mais do que esfacelar a sociedade, na medida em que cada grupo precisa
sair em defesa dos seus direitos. Dependentes da atenção e da ação
dos governantes, eles se tornam cada vez mais fracos, esquecidos e obrigados a esperar...
Espera... Espera... Espera... Brava gente brasileira.
Talvez, muitos, sem se darem conta da contribuição displicente
às teias que seguram esses longos anos de dependência. Da velha política do
voto de cabresto às trocas de favores contemporâneas, as corrupções institucionalizadas
(ou não) são teares importantes na fiação dessa trama paralisante. Portanto, pouco
importa à justificativa, se digna ou indigna; o fim jamais justifica os meios
porque o preço em longo prazo é sempre muito alto. Cada dia mais isso fica
claro.
Então, no fundo não há o que celebrar. Esse feriado é só mais
um sem sentido. A tal independência ocorrida em 1822 não nos transformou em nação;
permanecemos um país, cuja fragilidade de princípios, de ideais, de sonhos continua
se manifestando na dependência de quais vozes se erguem para apontar o caminho
a seguir. Continuamos pagadores de quintos1
cada vez mais expressivos. Continuamos cada vez mais subservientes aos delírios
da corte. Continuamos miseráveis extasiados com pão e circo. Continuamos a
sonhar com uma liberdade que jamais virá se não tivermos consciência do valor
da independência contida na essência de nossa própria alma.
1 O Quinto era um
direito cobrado pela Coroa portuguesa sobre o ouro encontrado em suas colônias.
Correspondia a 20% do metal extraído e sua forma de cobrança variou conforme a
época e as regiões. Uma das mais conhecidas formas ocorria mediante a obtenção
de "certificados de recolhimento" pelas casas de fundição.