O mundo passa; mas, a
amizade... Permanece.
Por Alessandra Leles
Rocha
Em
tempos em que os seres humanos medem a sua aceitação social pela frieza
indiferente dos números de likes, curtidas e coraçõezinhos, será que já
alcançamos uma ruptura com a necessidade de relações humanas mais bem
elaboradas, tais como a amizade, por exemplo?
Ora,
não é do perfil humano uma vida de isolamento. Todo ser humano quer pertencer,
ser aceito, ser amado e conviver com seus pares. Tarefa nada fácil, sabemos
bem; mas, imprescindível para a qualidade de vida e a sanidade física e mental.
Tomamos muitos tocos, quebramos a cara inúmeras vezes; mas, levantando,
sacodindo a poeira e dando a volta por cima vamos aprendendo a agregar os
pensamentos, as afinidades, as empatias até descobrirmos qual é, de fato, a
nossa tribo.
E
sabe por que persistimos nessa empreitada? Porque o ópio narcísico do mundo tecnológico
é muito breve. Não supre nossas demandas existenciais mais profundas. Afinal,
essa popularidade eufórica no ambiente virtual não cria laços. Quem são esses
milhares ou milhões de seguidores? Você os conhece? Já os trouxe do mundo tecnológico
para o real?
Na
verdade ninguém conhece a si mesmo em profundidade; mas, para considerarmos uma
relação humana, como tal, é necessário muito tempo, muita disposição, muita convivência.
Não é à toa que ao longo da vida
aprendemos a distribuir, a categorizar nossas relações. Talvez, tenhamos sido
inspirados por Aristóteles, discípulo de Platão, que nos livros VIII e IX da
obra Ética a Nicômaco, trata da natureza da amizade e a classifica em três espécies:
amizade por prazer, amizade por utilidade e a amizade perfeita ou segundo a
virtude; pois, por mais que o ser humano se encante e até se divirta com as superficialidades
existenciais, a verdade é que ele não abre mão de algo mais profundo, mais
intenso, mais recíproco.
Mas,
com um pouco de observação ao redor veremos os sinais nocivos desse processo de
esgarçamento gradual e contínuo das relações sociais. A invisibilidade da
angústia, da solidão, da tristeza, não nos impossibilita de enxergar o vazio
que consome o ser humano na contemporaneidade. Cada vez mais narcísico. Cada vez
mais pleno. Cada vez mais belo. Cada vez mais... insalubre. Hospitais lotados. Doenças
se proliferando. O corpo humano refletindo as mazelas do seu inconsciente.
Daí
a pergunta que não quer calar: Onde estão as mãos estendidas em nome do afeto? Onde
está o sorriso afável que cura e acalma? Onde está o abraço que conforta e protege? Onde
está o olhar que nutre a esperança?... Onde está o ser humano? Onde está o
amigo? Na compreensão equivocada sobre as relações humanas na contemporaneidade,
nesse apego desmedido ao mundo virtual, é que se abrem espaços, nos mais
diversos contextos sociais, para que pessoas comuns detentoras de uma deformação
social capaz de lhes impedir de sentir empatia, que as torna manipuladoras e mentirosas
compulsivas, que as fazem abusar de um falso encanto para agradar, que exacerbam
a sua impulsividade e egocentrismo, passem a circular tranquilamente e fazer
vítimas a todo instante.
Talvez, por isso, a Sétima Arte insista em nos fazer pensar a respeito da amizade,
com obras magníficas, tais como, O Mágico
de Oz (1939), E.T. – O Extraterrestre (1982), Conta Comigo (1986), Central do
Brasil (1998), De repente 30 (2004), Antes de Partir (2007), O menino do pijama
listrado (2008), Up – Altas Aventuras (2009), Noivas em Guerra (2009), Intocáveis
(2011). Diante da retina a sensibilidade humana não tem como não se render as
imagens e ao que elas podem nos provocar. Há espelho melhor do que a arte para
nos mostrar as verdades mais inconvenientes?
Na
verdade, há sim, os amigos. Na hora de pesar a relação custo/benefício das
atrativas e tentadoras redes sociais, a amizade real deveria ocupar mais espaço
na nossa existência. Só ela é capaz de nos agigantar os sentidos. Na sua figura
terna e simbólica, os amigos, nos tornam melhores, na medida em que eles se
abstêm das nossas esquisitices e casmurrices para nos apertar entre seus afagos
e nos aceitarem assim, como meros mortais que somos.
Quando
a coisa aperta, eles xingam, gritam, dão bronca, se exasperam; mas, ficam lá,
de prontidão, até tudo se resolver. Porque,
segundo Charles Chaplin, a escolha da família não é possível, mas a escolha dos
amigos é e, para tal, devemos nos empenhar por inteiro; pois, só assim “a vida
se torna mais simples, mais rica e mais bela”.