quarta-feira, 19 de julho de 2017

Ah! Tenho amigos que não sabem o quanto são meus amigos!!!

O mundo passa; mas, a amizade... Permanece.


Por Alessandra Leles Rocha



Em tempos em que os seres humanos medem a sua aceitação social pela frieza indiferente dos números de likes, curtidas e coraçõezinhos, será que já alcançamos uma ruptura com a necessidade de relações humanas mais bem elaboradas, tais como a amizade, por exemplo?
Ora, não é do perfil humano uma vida de isolamento. Todo ser humano quer pertencer, ser aceito, ser amado e conviver com seus pares. Tarefa nada fácil, sabemos bem; mas, imprescindível para a qualidade de vida e a sanidade física e mental. Tomamos muitos tocos, quebramos a cara inúmeras vezes; mas, levantando, sacodindo a poeira e dando a volta por cima vamos aprendendo a agregar os pensamentos, as afinidades, as empatias até descobrirmos qual é, de fato, a nossa tribo.
E sabe por que persistimos nessa empreitada? Porque o ópio narcísico do mundo tecnológico é muito breve. Não supre nossas demandas existenciais mais profundas. Afinal, essa popularidade eufórica no ambiente virtual não cria laços. Quem são esses milhares ou milhões de seguidores? Você os conhece? Já os trouxe do mundo tecnológico para o real?
Na verdade ninguém conhece a si mesmo em profundidade; mas, para considerarmos uma relação humana, como tal, é necessário muito tempo, muita disposição, muita convivência.  Não é à toa que ao longo da vida aprendemos a distribuir, a categorizar nossas relações. Talvez, tenhamos sido inspirados por Aristóteles, discípulo de Platão, que nos livros VIII e IX da obra Ética a Nicômaco, trata da natureza da amizade e a classifica em três espécies: amizade por prazer, amizade por utilidade e a amizade perfeita ou segundo a virtude; pois, por mais que o ser humano se encante e até se divirta com as superficialidades existenciais, a verdade é que ele não abre mão de algo mais profundo, mais intenso, mais recíproco.
Mas, com um pouco de observação ao redor veremos os sinais nocivos desse processo de esgarçamento gradual e contínuo das relações sociais. A invisibilidade da angústia, da solidão, da tristeza, não nos impossibilita de enxergar o vazio que consome o ser humano na contemporaneidade. Cada vez mais narcísico. Cada vez mais pleno. Cada vez mais belo. Cada vez mais... insalubre. Hospitais lotados. Doenças se proliferando. O corpo humano refletindo as mazelas do seu inconsciente.
Daí a pergunta que não quer calar: Onde estão as mãos estendidas em nome do afeto? Onde está o sorriso afável que cura e acalma?  Onde está o abraço que conforta e protege? Onde está o olhar que nutre a esperança?... Onde está o ser humano? Onde está o amigo? Na compreensão equivocada sobre as relações humanas na contemporaneidade, nesse apego desmedido ao mundo virtual, é que se abrem espaços, nos mais diversos contextos sociais, para que pessoas comuns detentoras de uma deformação social capaz de lhes impedir de sentir empatia, que as torna manipuladoras e mentirosas compulsivas, que as fazem abusar de um falso encanto para agradar, que exacerbam a sua impulsividade e egocentrismo, passem a circular tranquilamente e fazer vítimas a todo instante.
Talvez, por isso, a Sétima Arte insista em nos fazer pensar a respeito da amizade, com obras magníficas, tais como, O Mágico de Oz (1939), E.T. – O Extraterrestre (1982), Conta Comigo (1986), Central do Brasil (1998), De repente 30 (2004), Antes de Partir (2007), O menino do pijama listrado (2008), Up – Altas Aventuras (2009), Noivas em Guerra (2009), Intocáveis (2011). Diante da retina a sensibilidade humana não tem como não se render as imagens e ao que elas podem nos provocar. Há espelho melhor do que a arte para nos mostrar as verdades mais inconvenientes?
Na verdade, há sim, os amigos. Na hora de pesar a relação custo/benefício das atrativas e tentadoras redes sociais, a amizade real deveria ocupar mais espaço na nossa existência. Só ela é capaz de nos agigantar os sentidos. Na sua figura terna e simbólica, os amigos, nos tornam melhores, na medida em que eles se abstêm das nossas esquisitices e casmurrices para nos apertar entre seus afagos e nos aceitarem assim, como meros mortais que somos.
Quando a coisa aperta, eles xingam, gritam, dão bronca, se exasperam; mas, ficam lá, de prontidão, até tudo se resolver.  Porque, segundo Charles Chaplin, a escolha da família não é possível, mas a escolha dos amigos é e, para tal, devemos nos empenhar por inteiro; pois, só assim “a vida se torna mais simples, mais rica e mais bela”.