Será que a Terra é
mesmo azul?
Por Alessandra Leles
Rocha
As vésperas de comemorarmos mais um Dia Mundial do Meio
Ambiente, o mundo (sem muita surpresa) recebeu, hoje, a notícia de que os EUA estão
fora do acordo climático de Paris 1. Os apelos
internacionais das agências de meio ambiente e de cientistas foram
insuficientes para demovê-los dessa atitude, o que é uma pena.
As questões ambientais, infelizmente, sempre esbarraram nas questões
de desenvolvimento econômico; ainda que, todas as análises e simulações demonstrassem
que a preservação ambiental e as práticas de desenvolvimento sustentável gerassem
um lucro muito mais consistente e real, em longo prazo. Mas, a Revolução
Industrial nos ensinou a termos pressa, a querer cada vez mais, a lucrar em
espaços de tempo cada vez menores. Por isso, não conseguimos estabelecer uma relação
direta entre o equilíbrio ambiental e a preservação da própria espécie humana,
porque estamos demasiadamente presos ao TER ao invés do SER.
Desde que a sociedade descobriu a potencialidade da produção industrial
e tecnológica, ela vem perdendo a capacidade de enxergar as suas demandas
existenciais, sobretudo, o seu instinto de sobrevivência. O ser humano tem
interferido de maneira tão drástica e decisiva sobre o meio ambiente, que ele por
conta própria tem se colocado na iminência de perder os três As essenciais, ou seja, Alimento, Água e Abrigo; algo que
nenhuma outra espécie é capaz de fazer.
As transformações no comportamento humano, no que diz
respeito as suas necessidades e ambições pessoais e materiais, vêm proliferando
tanto as formas de poluição e degradação do espaço geográfico, quanto
impactando diretamente na salubridade das pessoas. Estamos distantes de
respirar um ar limpo. Ou de ingerir uma água essencialmente pura. Ou de
comermos alimentos produzidos sem a intervenção e modificação genética. Ou de
optarmos pelo deslocamento utilizando veículos ou estratégias não poluentes. Enfim...
Só não temos nos dado conta de que a busca desenfreada pelo
nosso “conforto”, o nosso “padrão de vida”, a qual nos foi doutrinada por inúmeros
discursos desenvolvimentistas, tem feito com que todo o dinheiro conseguido com
a nossa força de trabalho diária se dissipasse, quando os problemas de saúde começam
a nos afligir sem piedade.
Já parou para pensar sobre quantas vezes você ficou doente ou
foi ao médico nos últimos seis meses? Quais são as doenças crônicas que você precisa
tratar regularmente? Como está a qualidade do seu sono? Você se sente
estressado? Tem dores de cabeça ou de estômago? Já se sentiu em pânico, alguma
vez?... essas e tantas outras perguntas, caro leitor, estão diretamente
relacionadas ao equilíbrio do meio ambiente. Aceite você ou não, essa é uma verdade incontestável.
Daí a importância da nossa reflexão sobre o assunto. Quando os
tratados internacionais e nacionais sobre Meio Ambiente e Sustentabilidade são quebrados,
o impacto sobre as vidas de bilhões de seres humanos, como você e eu, é
incomensurável. A falta de água, por exemplo, leva milhões de pessoas a migrar.
Essa migração promove a necessidade de reorganização espacial e de recursos,
por parte de outras nações; o que, quase sempre, culmina em atitudes de intolerância
e violência.
Só para que possam se inteirar desse assunto, há milhões de
pessoas migrantes do clima 2. Muitos dos
campos de refugiados existentes foram criados para atender a essas pessoas. Portanto,
não é só a guerra dos homens que obriga o deslocamento de seres humanos. O
aumento no número de pessoas deslocadas pelas mudanças climáticas só tende a
pressionar de forma insustentável a capacidade de oferta de assistência e proteção
a elas.
Agora, imaginem essa situação somada aos desmatamentos indiscriminados
de grandes florestas (para transformação de áreas de pastagem ou cultivo de
monoculturas de exportação), a carência de tratamento de água e esgoto
(reduzindo a oferta de água utilizável pela população), a emissão continua de monóxido
de carbono e outros gases poluentes nos grandes centros urbanos, o processo de
povoamento das encostas sem planejamento (para atender as carências habitacionais
existentes)..., hein?
Essa já é a nossa realidade. Passaram rápido demais as transformações
anunciadas pelo Clube de Roma, em 1966 3;
bem como, de todos os outros grandes eventos em torno do Meio Ambiente. Então,
isso significa que a humanidade fez e continua a fazer a sua opção, deixando no
papel as boas ideias e trazendo para a prática os irremediáveis descaminhos,
cujo preço, somos cobrados diariamente.
Só espero que não cheguemos todos à experimentação da consumação
plena do que escreveu Manuel Bandeira, no poema O Bicho, “Vi ontem um bicho /
Na imundície do pátio / Catando comida entre os detritos. / Quando achava
alguma coisa, / Não examinava nem cheirava: / Engolia com voracidade. / O bicho não era um cão, / Não era um gato, / Não era um rato. / O bicho, meu Deus, era
um homem”.