Reminiscências
mitológicas para o humanismo contemporâneo
Por
Alessandra Leles Rocha
De quatro em quatro anos a humanidade é
convidada a celebrar a fraternidade entre os povos através dos Jogos Olímpicos.
Superar os próprios limites é a empreitada de cada atleta na busca pelo pódio.
Tudo bem, que entre a grandeza dessas ideias e aspirações e a realidade humana
e visceral escondem-se elementos nada edificantes ou altruístas; mas,
tomando-se como ponto de partida só o lado bom da história, que tal nos inspirar
e ousarmos nos permitir o máximo da superação?
Olimpíada é a ascensão do esporte como
representação do humano. Força, coragem, destreza,... Um misto de sentimentos,
de emoções, que nivelam os participantes à condição única e vital de seres
humanos. Na plasticidade dos movimentos, na conquista da perfeição, o que se vê
de mais importante são os corpos, independentemente se homens ou mulheres. O esporte
iguala e respeita a todos, na medida em que seu objetivo maior é a superação
dos limites. Inclusive, na vela e no hipismo, eles e elas competem lado a lado.
Por isso, esse é um tempo tão profícuo para
reflexão. Nenhuma diferença humana é grande, ou forte o suficiente, para
impedir que pessoas estejam juntas, compartilhando o mesmo espaço, dividindo as
mesmas alegrias e tristezas. De repente, tudo fica tão simples, tão singelo,
porque barreiras ideológicas, ou filosóficas, ou religiosas se permitem serem
mais flexíveis, mais tolerantes, mais generosas.
Desse modo, a logística dos Jogos
Olímpicos busca atender as demandas e as expectativas de um contingente especialmente
plural, proporcionando-lhes dias de bem-estar e alegria que, talvez, no
restante do ano não seja possível. Afinal,
não podemos nos esquecer de que fora da bandeira Olímpica o mundo tem hasteado
a bandeira da guerra e do horror. Milhões de pessoas estão sendo sumariamente
condenadas a abandonar tudo e sair vagando em busca de um amanhã.
Estamos falando de gente, cuja guerra em
suas diferentes faces marca a alma como quem marca um gado a ferro. Cicatrizes
expostas com muita ou pouca nitidez, muitas vezes só traduzidas pela tristeza do
olhar e a carência de palavras. Perdas que são impossíveis de serem reparadas
ou de serem justificadas. Essa gente é simplesmente o legado cruel dos seres
humanos a si mesmo, contrariando o princípio biológico da preservação da
própria espécie.
Portanto, de quatro em quatro anos um “tempo
sabático”. Um resgate da essência para a
nossa metamorfose. Mas, será que precisaremos mesmo continuar esperando por
esse alento? Será que precisamos ser heróis
além das competições? Por que subjugar nossos semelhantes de maneira tão
perversa, impossibilitando-os tantas vezes de poder desfrutar da própria beleza
do esporte?
O mundo por si só já é uma grande arena. Não
há maratona que supere a corrida diária pela sobrevivência. Quantos são os
montes, os desertos, os oceanos e mares que precisamos enfrentar em nome da
esperança? Sem contar os pesos depositados sobre os ombros, que fazem sangrar e
doer os pobres mortais.
Viver é um eterno desafio... sem pódio,
sem louros, sem medalhas que consigam dimensionar de uma única vez a plenitude
da consagração. Às vezes, um bom resultado aqui, outro ali; mas, ninguém será
completo na realização da própria existência. Os erros nos perseguem. Os enganos.
A arrogância. O destemor... e quaisquer outros obstáculos que as forças superiores
a nós nos venham impingir. Afinal, somos humanamente mortais.
Assim, aproveite esse tempo Olímpico para
se inspirar, para se extasiar diante do silêncio que fala na ação de cada
desportista e lembre-se dessas palavras: “Não se mede o valor de um homem pelas suas roupas ou
pelos bens que possui, o verdadeiro valor do homem é o seu caráter, suas ideias
e a nobreza dos seus ideais” 1.
1
Charles Spencer
Chaplin, mais conhecido como Charlie Chaplin, foi um ator, diretor, produtor,
humorista, empresário, escritor, comediante, dançarino, roteirista e músico
britânico.