domingo, 24 de julho de 2016

Um sorriso verde... amarelo

Um sorriso verde... amarelo

Por Alessandra Leles Rocha


Não é de hoje que na terra Brasilis tudo vira ópio para inebriar o povo e fazê-lo esquecer das verdades inconvenientes. É assim com o carnaval, com os mais variados feriados ao longo do ano, o futebol,... Pretextos não faltam para driblar a consciência e deixar de pulsar a cidadania com mais pujança. Então, a chama olímpica transita pelos quatro cantos do país, iluminando a euforia...
Sob um manto de ufanismo ilimitado o Brasil se colocou a frente de concorrer para sediar grandes eventos mundiais: Jogos Pan-Americanos, Copa do Mundo e Jogos Olímpicos.  Dispensando a devida consciência sobre suas próprias limitações, se pôs a contradizer os mais cautelosos com discursos extremamente otimistas e repletos de promessas, de benesses e de benfeitorias que a ousada empreitada poderia proporcionar.
No entanto, enquanto o governo punha a materializar aquilo que só pertencia a sua fértil imaginação e ao projeto no papel (sabemos bem que, o papel aceita tudo), o Brasil permanecia o mesmo de sempre, com todas as suas carências e demandas a serem socorridas, ou seja, falo do descumprimento em relação ao básico, ao essencial previsto constitucionalmente no Capítulo II, dos Princípios Fundamentais.
Enquanto aspergiam sonhos pelo ar, com a aplicação em profusão de recursos públicos, mais a população se distanciava da construção de uma sociedade livre, justa e solidária, do desenvolvimento nacional, da erradicação da pobreza e da marginalização, da redução das desigualdades sociais e regionais; enfim, da promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação 1.
Dos discursos, muito pouco se tornou algo concreto. A maior parte das promessas, das benesses e das benfeitorias ficou inacabada pelo caminho ou nem saiu do papel. Dinheiro, muito dinheiro mal empregado e que, se algum dia quiser ter retorno, precisará de mais para dar fim aos projetos. Uma falta total de planejamento e de respeito ao erário público.
Pois é, dinheiro perdido que fez falta aos milhões de cidadãos brasileiros na manutenção da sua dignidade e sobrevivência. Como é possível esquecer a carência de uma Educação de qualidade, com mais escolas, com mais infraestrutura, com melhores salários para seus profissionais? Ou de uma Saúde de qualidade, com mais hospitais, com mais infraestrutura, com mais medicamentos, com melhores salários para seus profissionais? Ou de uma Habitação de qualidade? Ou de uma Segurança de qualidade? Enfim...
E nesses anos todos em que se arrastaram as expectativas criadas em torno desses grandes eventos, no mundo real o país descia ‘ladeira abaixo’ na sua economia, numa expressão de completo desgoverno que só fez criar um abismo sem precedentes. Em junho desse ano, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou a pior taxa de desemprego da nossa história: 11,4 milhões brasileiros desempregados. Apenas um, de tantos outros reflexos da pior recessão econômica que já se abateu sobre o país.
Sem cerimônia a verdade é uma só: significa que a tal ‘festança’ nunca foi para o bico de todos os brasileiros, não. Exceto pelo fato de que todos pagaram a conta de organizá-la, sem exceção, levando-se em consideração o que deu certo e o que não deu. No entanto, na hora de curtir, de assistir aos eventos esportivos, a perversa realidade da pirâmide social permanece a apontar que apenas uma ínfima parcela com dinheiro sobrando para pagar, a peso de ouro, pelos ingressos terá o privilégio. A massa, a grande massa da população, assistirá pela TV, ou pela internet, ou qualquer outro veículo de informação. De repente, até mesmo, ouvindo o burburinho do lado de fora das arenas esportivas, enquanto vende algum produto (refrigerante, lanchinho etc.) para fazer uma renda extra em tempos de crise.
Então, é mesmo uma pena ter que extrair a fórceps alguma euforia em meio ao caos. Segundo o provérbio, “o melhor da festa é esperar por ela”; e, enquanto a aguardávamos, a ilusão da expectativa poderia até causar algum traço de alegria. Mas, depois de duas festas já realizadas, ficou evidente que o dia seguinte seria de pura e indigesta ressaca... MORAL. Como disse Carlos Drummond de Andrade 2, “[...]  a noite esfriou,/ o dia não veio,/ o bonde não veio,/ o riso não veio/  não veio a utopia/ e tudo acabou/   e tudo fugiu / e tudo mofou,/  e agora, José?”.



1 Art. 3º, Título I, Constituição da República Federativa do Brasil, 1988.
2 José – Carlos Drummond de Andrade, 1967