Por Alessandra Leles
Rocha
Nenhuma novidade, quando o assunto é dividir a sociedade
entre dois blocos acirrados de discussão; especialmente, política. A história
da humanidade está repleta de episódios assim, cujo desfecho não culminou em
nada que pudesse refletir em gestos altruístas e fraternos. Basta vermos o que
acontece há mais de cinco anos na Síria e suas terríveis repercussões,
inclusive migratórias, pelo mundo.
Mas, para quem pensa que essa conversa não nos diz respeito
engana-se; afinal, a realidade que nos rodeia também está impregnada por esses
valores de divisão social. O curioso nesse fenômeno é perceber que os prejuízos
são maciços ao conjunto da sociedade e não somente aos contrários a uma dada ideologia
ou regime de governança. Nessas situações limítrofes todos estão no mesmo
barco, degustando o mesmo saco de sal; mas, há quem se deixe conduzir pelas
paixões mundanas, pelas idolatrias desmedidas, pelo arroubo da insensatez
individualista, por uma ‘irresistível’ passionalidade.
No entanto, o que deveria estar em pauta são os fatos e tudo
o que deles advém para nos causar tamanho desconforto social. Se tudo estivesse
bem, sobretudo a economia; certamente, a indignação da sociedade não passaria
de uma nuvem a se esvair em céu azul e não teríamos chegado ao ponto de
materializá-la em panelaços, buzinaços, apitaços e grandes manifestações pelas
ruas do Brasil.
Com mais de quinhentos anos de história regada pela presença
constante da corrupção no seio social, engana-se quem atribui só aos desvios de
comportamento ético e moral o resultado dessa efervescência; posto que, até
então, apesar do descontentamento com tais práticas, o povo não se inflamava tão
robustamente em prol de combatê-las. Mas,
diante da carestia, da inflação, dos altos índices de desemprego, da
vertiginosa recessão que nos empurra a chamada Depressão Econômica, uma parcela
significativa da população não viu senão a necessidade de fazer valer a sua
cidadania, os seus direitos, a partir da compreensão dos danos advindos tanto
da cronicidade da corrupção quanto da crise econômica.
Se vivemos num Estado Democrático de Direito, então, a
sociedade há de cobrar as responsabilidades de seus representantes nas esferas
do poder sim, ainda que os mesmos não tenham sido eleitos na totalidade dos
votos válidos. Eles não se tornam governantes apenas de seus eleitores; mas, de
todos os entes federativos, conforme reza a Constituição Federal. Portanto,
todos os brasileiros podem democraticamente fiscalizar e exigir o cumprimento responsável
da administração pública, de modo a resguardar a manutenção de seus direitos
previstos em lei.
Também é importante salientar que não há como dissociar a
gestão dos gestores, como querem alguns. A existência de representantes
escolhidos através do voto popular acontece para prover condições de
administrar adequadamente os recursos e as demandas manifestas pela sociedade. Então,
o nível de responsabilidade investido a esses gestores é altíssimo, resultando
na possibilidade de cobrança da população na mesma intensidade, queiram eles ou
não.
Contudo, como já aconteceu tantas vezes na história do mundo,
a tendência em desqualificar, ou distorcer, ou menosprezar a voz da população foi
a estratégia utilizada pelos gestores públicos. Num movimento desfavorável aos
preceitos democráticos, além do não reconhecimento às reinvindicações populares,
o gesto impactou ainda mais o cenário econômico do país, aprofundando-se a
perda de credibilidade pelos mercados internacionais; bem como, retardando a
possibilidade de uma eventual recuperação almejada pelo cidadão comum.
Os atores do cenário político nacional em nome de se manter
no poder preferem abster-se de suas responsabilidades, deixando a cargo da
população o arrastar de correntes desse martírio; o que pode significar fazê-la
pagar ainda mais caro, pelos descaminhos por eles instituídos. Assim, como em
um cabo de guerra, as forças bi polarizadas começam a atuar; mas, ao contrário
de mostrarem sua capacidade de transformação positiva, até o momento, o que se
vê é o país padecendo inerte a ausência de soluções práticas capazes de fazê-lo
sair dessa situação.
É preciso lembrar que o radicalismo nunca se mostrou a melhor
solução em nenhuma situação. Ser irredutível,
inflexível, arrogante como forma de demonstrar poder não faz de ninguém um
grande líder; sobretudo, quando os problemas que emergem precisam de técnica e
racionalidade para ser efetivamente resolvidos. O mundo já sabe disso e dá
demonstrações de mudança, como as que têm ocorrido em vários países sul-americanos,
por exemplo. Há um movimento claro em busca de uma ‘Primavera’, de uma
transformação que rompa com os velhos paradigmas, os quais nunca foram fortes o
bastante para sustentar nenhum ideal de justiça e dignidade sociais.
Portanto, paremos de nos sensibilizar com as mazelas dos
outros, manifestando opiniões rasas aqui e ali, quando devemos olhar seriamente
para o nosso próprio ‘umbigo’. Do fim da Guerra Fria até agora muita coisa
aconteceu; os relógios e a sociedade não ficaram parados discutindo se os
valores eram de Direita ou de Esquerda, ou se os Comunistas comiam ou não
criancinhas. Desafios ambientais, biológicos e sociais têm nos instigado a
ampliar o foco de visão, a parar de se vitimizar entre ‘eles e nós’; pois, o
único planeta que temos no momento para habitar está à beira de um colapso e
cada um precisa cuidar do seu espaço.
Como disse William Shakespeare, “O mal da grandeza é quando
ela separa a consciência do poder”. Então, Brasil, acorda! Chega de ‘mi-mi-mi’
e pega a responsabilidade pelas mãos; amadurece no alto de seus quinhentos anos
de história e faz alguma coisa de bom para si mesmo. Respeito não se constrói da
boca para fora; nem tampouco, por conta de se sentar nessa ou naquela cadeira. Aproveita
para refletir sobre qual é o preço da passionalidade que paira no ar.