Não se esqueça: no fim
das contas, a escolha é sua!
Por Alessandra Leles
Rocha
A deterioração da política no Brasil não representa uma
discussão atual; mas, remonta de uma práxis secular instalada por aqui. Sim,
são séculos de práticas corruptas desdobradas em péssimas gestões, as quais
resultam automaticamente no prejuízo aos cofres públicos e ao suprimento das carências
da população, sobretudo a parcela mais humilde. Antes de olhar para o agora é
fundamental debulhar as páginas do passado para perceber como há uma
dificuldade constante em romper com tudo aquilo que obstrui o nosso
desenvolvimento e progresso efetivos.
No contexto dos tempos republicanos e democráticos deste país
não estivemos diante de projetos governamentais que se sustentassem, por
exemplo, a partir de propostas voltadas efetivamente a educação, a saúde, o
trabalho, a segurança, a previdência social, ao lazer e cultura. Aliás,
projetos são, talvez, de uma ordem complexa e contrária demais aos interesses
individuais das classes representativas nacionais; por isso, nas vezes em que
aparecem mencionados são constitutivamente vagos e inconsistentes, incapazes de
se colocarem a termo de execução e aquisição de bons resultados.
Em razão desses desafortunados vieses é que a população
brasileira permaneceu sustentando as cortes, mesmo após o fim da regência monárquica
em seu território. O péssimo hábito foi, então, incorporado e o cidadão apesar
de perceber as agruras diárias dessa desigualdade, não conseguiu ir além de
padecer enclausurado pelo sentimento da vitimização. Os maus tratos sociais seculares
os impingiram lições de comportamento subserviente e capaz de sobreviver de
quireras e esmolas.
No fundo o resultado disso foi bom para todos. Bom para os governantes,
ou representantes do povo, que por meio da apatia ignorante ou comodista do
cidadão não encontraria obstáculos para agir segundo os seus próprios
interesses. Bom para o povo que não precisaria despender seu esforço,
justificando-se vítima das circunstâncias; as quais jamais sinalizariam por si
só nenhuma transformação contundente. Como no dito popular ficou “Tudo como
dantes no quartel de Abrantes”. Mas, tudo o que envolve relações sociais não se
estabelece inerte. Ainda que as práticas se perpetuem, fatores de diversas
ordens podem interferir e desequilibrar, rompendo uma calmaria aparente.
Foi exatamente isso que aconteceu nas últimas duas décadas no
Brasil. Depois de romper com desastrosos ciclos econômicos que impunham a
recessão, a carestia, à inflação, acirrando perversamente a desigualdade social
entre os cidadãos brasileiros, a conquista de uma economia equilibrada
proporcionou os caminhos para construção de uma sociedade mais justa. Finalmente,
as pessoas puderam usufruir da acessibilidade e da inclusão social, a
transformar sonhos em conquistas reais e palpáveis, a vivenciar a significância
da sua cidadania.
Foram tempos de grandes conquistas; mas, em momento algum, foi
questionado se suficientes para remover definitivamente as antigas práticas,
nem sobre o que era preciso fazer para dar sustentação e continuidade à nova
realidade instituída. Então, antes do imaginado, em plena efervescência da felicidade
social, um movimento retrógrado na economia iniciou a derrocada das transformações
e se fortaleceu nas “práticas corruptas desdobradas em péssimas gestões, as
quais resultam automaticamente no prejuízo aos cofres públicos e ao suprimento
das carências da população, sobretudo a parcela mais humilde”.
O comportamento vitimizado de antes passou
a ser de contestação; pois, tirar o doce da boca de uma criança é sempre ao
som de muita birra e grito. As perdas foram profundas demais e, especialmente a
geração nascida no pós-estabilidade econômica, não estava preparada para lidar
com tamanho revés. Assim, as novidades impuseram à sociedade uma urgência de
reação. Contudo, não estou convencida de que isso significa dizer que o país tornou-se mais politizado; pois, uma genuína politização demanda um processo muito longo, o que não é o caso.
Mas, o que acontece quando não se está preparado para o
inusitado é sempre surpreendente; quase como trocar um pneu com o carro
andando. Então, de repente configurou-se
um processo de segmentação social entre dois grandes grupos que se apegaram a
uma figura, que fosse capaz de atenuar, ou mesmo, resolver a situação por meio
de palavras e promessas. Inspirados, talvez, na própria cultura do futebol
brasileiro, esses grupos passaram a agir como ferrenhos torcedores em dia de clássico,
banalizando e comprometendo a gravidade da situação do país.
Ao contrário do cidadão conseguir enxergar a letárgica paralisia
que consumiu a sobrevivência da nação, justamente pela ausência de uma
representação popular imbuída de responsabilidade e valores éticos e morais
consistentes, ele se deixou levar pelo desgastado modelo de bipolarização da
Guerra Fria, entre a farta distribuição de ofensas e agressões físicas entre “bons”
e “maus”, “direita” e “esquerda”. Um verdadeiro espetáculo indigno para
qualquer país; já que impede a reflexão cidadã e a manifestação de opiniões
isentas.
Aliás, a comunicação corre risco nesse modelo, não só pelo
excesso de ruídos e interferências, como na violência contra os veículos de
informação, na figura dos jornalistas agredidos brutalmente no seu exercício
profissional. É bom lembrar que foi a intolerância e o desrespeito total à
liberdade de imprensa que culminou o ataque de terroristas fundamentalistas a
sede do Charlie Hebdo, no XI distrito de Paris, o qual causou comoção em
todo o mundo, inclusive no Brasil. Cada vez mais precisamos de informação da
nossa realidade, das nossas mazelas, para não nos tornarmos solidários e
indignados apenas com o que acontece além de nossos muros.
Vivemos a gota d’água de um círculo histórico que parecia infindável.
Mas, a reafirmação repetida dos absurdos e incompetências, por linhas tortas,
conduziu as decisões às mãos do Judiciário nacional, o que se tem chamado de
judicialização do poder. Logo o Judiciário, cujo ingresso de seus membros se
estabelece constitucionalmente a partir de exame de provas e títulos, ao
contrário de escolha pelo voto popular. Quando o povo se sente abandonado e
ignorado pelos representantes que ajudou a eleger é a Justiça a sua última
esperança, a única a dar voz e vez aos seus direitos.
Por isso, para que seja possível vislumbrar o futuro é
fundamental conhecer o passado e o presente. Nada é obra do acaso, nem tampouco
acontece da noite para o dia. Histórias se constituem a partir de sucessivos
fatos que se propagam em direções diversas; daí a importância, também, de pensar
pela própria cabeça, não se deixar levar pelas ingerências e limitações
impostas por uns e outros. Como disse a escritora, dramaturga, roteirista e filósofa norte-americana Ayn Rand, “A menor
minoria na Terra é o indivíduo. Aqueles que negam os direitos individuais não
podem se dizer defensores das minorias”. Tome as rédeas da sua cidadania e
reflita o que é melhor para o seu país, de modo que possa repercutir a todos os
seus cidadãos sem distinção de qualquer natureza. A escolha é sua.