Eu sei...
Por Alessandra Leles Rocha
Eu sei que o mundo sempre esteve
marcado pelo Bem e o MAL. As páginas da História não me deixam mentir. Mas, eu
pensei que o somatório dos erros ou a repetição voluntária deles pudesse algum
dia ter fim.
É só o começo de 2016. Apenas dois
meses foram cumpridos. Mas, nunca a atmosfera pairando sobre nossas cabeças foi
tão pesada, tão tóxica, tão asfixiante. Não, não se tem trégua em momento algum
do dia. É só abrir quaisquer veículos de informação para se deparar com cenas
da perversidade humana espalhada por cada canto. Perto ou longe de nós, os obstáculos
se erguem pontiagudos, ferinos.
Por mais que a economia tenha um
papel importante nas nossas vidas, na sobrevivência e manutenção da nossa
dignidade, o que mais me entristece é outra deterioração social: a das
relações. O modo como o ser humano enxerga a sua espécie é assustador, ao ponto
da vida ter sido relegada aos últimos planos de importância.
Seja nos discursos ou nas ações, o
fato é que ela parece não repercutir mais significância aos viventes. Mata-se
por quaisquer motivos, ou sem eles. A irreflexão diante de uma perda humana nos
remete imediatamente aos tempos da barbárie, quando tudo parecia absurdamente
normal.
A violência nos tempos da
pós-modernidade nos chega rápido e de diferentes formas. Quantos não são os que
propagam pelas vias da tecnologia as imagens do terror, até mesmo com requintes
de detalhes? Só que a morbidez disseminada, infelizmente não protege nem exime
ninguém de ser o próximo. Ao contrário, as maldades do mundo nos chegam a toda
hora e travestidas de simbolismos que mediante, ou não, uma leitura mais aprofundada,
se consegue extrair entrelinhas ainda mais perigosas.
Bem, a grande nau que nos abriga é
uma só, caro leitor. Tentar encontrar razões consistentes e inquestionáveis
sobre o massacre fomentado por uma pseudo superioridade de uns sobre os outros
é inútil. Os caminhos do poder e da riqueza não têm sido suficientes para
construir uma blindagem contra as mazelas que se avolumam por todo o planeta. Basta
ver, por exemplo, o que um diminuto, invisível, vírus tem provocado entre nós. O
que o dinheiro ou poder tem conseguido de concreto e com rapidez no seu
enfrentamento? Contrariando a razão, somos mais frágeis do que gostaríamos.
Somos falíveis. Mortais. Reféns do tempo, o impiedoso. E quanto mais se tenta
fechar os olhos diante da realidade, ou munir-se de mais arrogância para se
manter de pé, mais a humanidade se curva ao irremediável fim de si mesma.
O flagelo da sobrevivência exibe
suas faces. Refugiados de guerra. Do clima. Da miséria. Da religião... Quantos mais
serão entre nós? Só não se pode esquecer que a dissidência tardia dessa legião
de desafortunados poderia ter sido desperta no início dos infortúnios. O silêncio
que parece tão nobre e cheio de boas maneiras é perigoso demais; pois, ele
mascara, omite os fatos, impedindo as transformações. Então, não há nobreza em
se vitimizar diante do silêncio; afinal, todo algoz conta justamente com a alienação
do outro. Mas, apesar de tudo isso, a raça humana sempre opta por esperar o insustentável
bater-lhe à porta para tomar uma atitude.
Não é à toa que as reconstruções
sociais são tão difíceis e se arrastam por longos períodos, em alguns casos infindáveis;
sendo sustentadas por ações humanitárias de ‘telespectadores’ razoavelmente informados
sobre o processo. O que significa dizer que o fato do distanciamento geográfico,
em todas as suas instâncias, impede o engajamento necessário para essas ações se
efetivarem de fato e de direito. Portanto, vive-se um eterno ‘enxugar de gelo’
mundial, ou seja, ações mitigadoras ao invés de soluções concretas.
É incrível como a humanidade chega
ao Terceiro Milênio com amplas habilidades, especialmente, em criar e fomentar
problemas e destruições; mas, com tão pouco ânimo para resolvê-los. Sim, porque
não consigo imaginar incapacidade em fazê-lo; dada a sua complexidade morfofisiológica,
a qual estará sempre em franca descoberta de suas competências. O que falta é vontade,
pois mesmo exposto as mais terríveis conjunturas o indivíduo não se coloca proativo
na transformação. Ele hesita, ele espera por alguém que tome à dianteira. Mas, se
cada um pensa assim, então...
Desse modo, vamos assistindo ao
arrastar dos dias. A espera de um milagre? Talvez. A espera de um sopro de consciência?
Quem sabe. O desafio é superar o desânimo que corrói lentamente a esperança, quando
a imutabilidade dos fatos é persistentemente real.
O estranhamento é que a raça humana
é fruto da inovação, do dinamismo da vida. Se o sangue para de correr nas veias,
você está morto. Ou se o ar para de penetrar nos seus pulmões. Ou se os estímulos
nervosos se interrompem e não chegam ao seu cérebro. Portanto, deveria ser difícil participar de um
processo social tão letárgico como esse que se instalou entre nós, em que as
notícias parecem sucessivamente requentadas ao tempero de sangue e fel.
É! Eu sei que o mundo sempre esteve
marcado pelo bem e o mal; mas... Nem tanto ao mar, nem tanto a terra. Só um
punhado de paz, de alento, de alegria, para restaurar as cordas de um coração
quase despedaçado. É! Eu também sei que a felicidade é uma utopia; mas, cada
pedacinho açucarado dela que colocamos na boca serve sim, de combustível para
seguirmos adiante. Pois, como disse o escritor Érico Veríssimo, “Felicidade é a certeza de que a nossa vida
não está se passando inutilmente”. Assim, pensemos nisso enquanto o amanhã
se fia.