Um dia a mais para
pensar...
Por Alessandra Leles
Rocha
Virada a página do calendário, 2016 já se faz. Um dia a mais
para reflexões e mudanças, já que o ano é bissexto. Mas, na verdade, no fundo
coração, minhas expectativas em relação à ‘metamorfoses’ são que essas se deem
muito além da perspectiva temporal. Quero mesmo é que gestos e palavras entrem
em profunda concordância, numa simbiose perfeita para que os resultados sejam
de fato transformadores.
Ninguém gosta de uma cena em que a voz do artista destoa da
ação. Mas, na vida real isso teima em acontecer com frequência e só bem
recentemente, tenho percebido certo desconforto coletivo diante disso. Pois é,
cansam os discursos vazios cujas ações são totalmente antagônicas, promessas
jamais pensadas em serem cumpridas. Ou quando as palavras produzidas não têm a
não ser o propósito de reforçar pensamentos ruins e antiproducentes no grande
inconsciente social.
Sim, quase a totalidade das nossas mazelas advém desse
processo. Por descuido da consciência (ou não) durante a nossa comunicação é
que plantamos as germinativas sementes da discórdia, da intolerância, do
preconceito, da segregação, da massificação,... e tudo mais que possa culminar
na perda da estabilidade e da harmonia nas relações sociais. Nesse sentido, os
trezentos e sessenta e quatro dias que temos a contar a partir de hoje, podem
sim ser o começo de um amplo e irrestrito mergulho no oceano de nossos
pensamentos.
Como ponto de partida, que tal rompermos por exemplo com os
estereótipos relacionados ao gênero e começarmos a olhar as pessoas como
pessoas, como seres humanos apenas. O desvalorizar de um não significa
necessariamente a valorização do outro; ao passo que, ao nos preocuparmos com
as condições de dignidade e respeito humanas trazemos para a mesa de discussões
a realidade de bilhões de indivíduos desafortunados pela fome, a miséria, as
epidemias, as guerras, o abandono,...
Enquanto categorizamos pessoas a partir de determinados grupos dentro da
sociedade, enfraquecemos o poder de conquista dos direitos humanos a todas
elas, porque no fundo as suas necessidades são as mesmas, são humanas.
A nossa não aceitação ao óbvio, infelizmente, produz falas
perigosas. Estamos sempre tentando mascarar ou esconder o nosso desconforto
diante de determinadas situações sociais, através de discursos de extrema
superficialidade e sem nenhum objetivo concreto de ruptura com esses paradigmas;
assim, eles vão se repetindo e se cristalizando geração após geração. Meninas de rosa, meninos de azul. Brinquedos
de menina, brinquedos de menino. Esportes de menina, esportes de menino. Escola
de ‘boas maneiras’ para meninas, e os meninos? Desigualdade salarial entre
homens e mulheres. Enfim...
O silêncio da sociedade diante dessas ‘pequenas’
considerações é grave; pois, conduz a trivialidade, a uma normatização anormal.
Deixar que o mundo resolva por si só aquilo que é responsabilidade coletiva é
uma inércia infame. É assim que ajudamos
a construir as fronteiras da desigualdade e referendamos a ideia de que ‘uns
são mais importantes do que outros’, ou são ‘superiores aos outros’; como se a
vida humana pudesse ser ranqueada ou classificada. E aplacamos a consciência,
colocando a igualdade humana no papel através de leis, onde elas permanecem
também em uma mudez eloquente.
Então, não posso deixar de questionar se realmente a raça
humana almeja por profundas transformações, como brada em verso e prosa por aí.
Será que quer mesmo um mundo de coexistência pacifica a partir de uma belíssima
evolução ética e moral?! Estamos sempre em busca de leis, de códigos, de
doutrinas para regular as relações humanas, como se elas fossem o antídoto
perfeito para os nossos constantes desajustes e problemas, já que somos
incapazes de resolver por conta própria.
Ora, mas o que palavras escritas podem fazer sozinhas se não
resolvermos primeiro esse torpor letargicamente cômodo, que banha a humanidade?
A lei pela lei será sempre insuficiente para nos oferecer um modelo idealizado
de perfeição social. É dentro de cada individuo que precisa surgir um processo
de flexibilização da alma capaz de trazer à tona a grandeza existente no
equilíbrio entre a sua razão e a sua sensibilidade. Por isso, a necessidade
urgente de que as palavras mecanicamente libertas pelos lábios se traduzam perfeitamente
nas ações que desejam exprimir. Que teoria e prática sejam os lados de uma
mesma moeda nas mãos do ser humano.
As palavras têm poder; mas, apenas quando se refletem
simetricamente nas ações produzidas. E nada como um novo ano para potencializar
esse processo de exacerbação da verdade, ou como dizem por aí, de ‘sair de cima
do muro’. Se quisermos sacodir a poeira e trilhar um caminho realmente diferente:
chega de desculpas esfarrapadas, de promessas absurdas, de mascarar a
realidade. Pense ao abrir a boca. Reflita. Analise os prós e contras.
Manifeste-se com consciência e não, por conveniência. Pois, como disse o
filósofo alemão Friedrich Nietzsche, “Só
se pode alcançar um grande êxito quando nos mantemos fiéis a nós mesmos”.
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