Basta
querer
Por Alessandra Leles
Rocha
Como
tantas outras datas comemorativas, o Dia do Amigo (20 de julho) talvez não precisasse existir,
se estivéssemos abertos e atentos ao seu mais profundo significado. Amizade.
Uma palavrinha tão doce e ao mesmo tempo tão complexa.
Nesse
cotidiano de extrema correria, onde cada segundo computa seu ônus, uma
desorganização (quase que natural) nos transformou e subverteu a ordem de
nossas prioridades humanas, incluindo as nossas relações. Por uma ou milhares
de razões, as amizades foram se tornando “figurinhas de um álbum a completar”,
ou seja, elas têm o seu significado, a sua importância, mas as suas lembranças
fixadas num determinado espaço de tempo, como se não houvesse a mínima
possibilidade de se efetivarem parte integrante de uma longa história.
A
quantidade exacerbada de compromissos, de atividades, de trabalho, etc.etc.etc.
foi sim, exaurindo lentamente a nossa disponibilidade e o nosso querer
construir. Ah! Isso demanda tempo! E esse não está tão fácil de esticar!
Lembra-se que quando criança as amizades pareciam se proliferar? Em cada lugar
que chegávamos havia sempre um (a) amigo (a) a nos esperar. Tínhamos tempo para
ser e para estar com eles; conhecer e se deixar conhecer nas mais profundas
entrelinhas. Divertíamo-nos, brigávamos e fazíamos as pazes praticamente ao
mesmo tempo; mas, o gosto daquela convivência nos fazia querer eternizá-la como
um tesouro que jamais poderia ser perdido. Éramos amigos, cumplices,
companheiros de uma inocência recheada de sonhos, de imaginação, de fantasia.
Um
belo dia, sem que nos déssemos conta do momento exato à vida se transformou,
mudou de rumo, de cor, e os amigos, que antes andavam de mãos dadas, agora
haviam se desprendido, cada um foi para um canto. Junto com eles também se foi
a pracinha, a escola, as brincadeiras, a lua, o sol, as estrelas... a cidade
não era mais do mesmo jeito, do mesmo tamanho, a imagem que cabia em nossa
retina. Mas, nem por isso perdemos por eles aquilo que era essencial: a
amizade. Esse conjunto de sentimentos reunidos da medida certa, sempre pode se
manter pulsante dentro da alma, basta querer!
É!
Esse metamorfosear da vida não significa sepultar o que recebemos dela de
melhor. A amizade, por exemplo, faz parte desse senso de humanidade que habita
em cada um de nós; portanto, o evoluir ao longo do tempo não nos declara
incapazes ou proibidos de mantê-la como chama acesa e forte. Tudo se resume ao
querer. Está na nossa vontade mais sincera e profunda a chave para organizar o
tempo e extrair dele o espaço para a amizade. Ainda que a geografia não seja
generosa, que o dia a dia teime em nos absorver, que a família nos roube o
foco,... encontraremos um caminho.
Partindo
do fato de sermos essencialmente energia, só de elevar os melhores pensamentos
aos nossos amigos fortalecemos os laços invisíveis que nos unem uns aos outros.
Mas, além disso, estamos em pleno século XXI rodeados de toda a tecnologia
disponível, então o virtualismo encurta a teimosia da distancia; conversas via
webcam, e-mails para lá e para cá, mensagens, tarifas reduzidas no telefone
fixo e no celular promovem dedos de prosa, enfim... E quando o coração parece
que vai explodir de tanta saudade, que o afeto não consegue mais se conter, aviões
e ônibus resolvem a questão. Aí, dias e noites se misturam numa conversa sem
fim, que não pode desperdiçar nenhum segundo depois de tanto tempo.
Tudo
na vida se resume aos cuidados, sobretudo, quando se trata do ser humano. Pode
ser o individuo mais frio, mais distante, mais fechado, que mesmo assim ele
carece de estabelecer vínculos afetivos e emocionais com seus semelhantes.
Quando nos tornamos amigos inconscientemente firmamos o compromisso de sermos
responsáveis pelo outro, na medida de nos tornamos um ponto de apoio e uma referencia
ao longo da grande jornada existencial. Esse cuidado só existe a partir do
nosso despojamento, sem amarras ou mascaras que nos impeçam de consolidar a
força dessa relação. Temos que estar aptos para rir e chorarmos juntos, para
darmos colo e abraço, para calarmos e apenas ouvir, para aconselharmos, para
sermos presença sensível ainda que imaterial. Talvez, por essas e tantas outras
razões, o que inclui a nossa própria capacidade de doação humana, seja de fato
muito difícil estabelecer um circulo de amizade com grandes dimensões. Mas, o
importante é sermos amigos, é batalharmos sempre pela fiação desse sentimento,
é fazer deles um pensamento e uma emoção constante nos 365 dias do ano.