Distantes
da “Perfeição”
Por
Alessandra Leles Rocha
Não me
canso de pensar, o que adianta todo o raciocínio lógico recebido pela
humanidade se ela não sabe exatamente o que fazer com o presente! Ora, ora, o péssimo
hábito de agir por impulso, de não pesar os prós e os contras, de viver “curando
feridas” ao invés de preveni-las, de não analisar todas as faces de uma
questão,... Até parece que a vida é um caderno de rascunhos sempre a disposição
de ser passado a limpo. É meus caros, mas sabemos que não é bem assim! A história
está aí bem abaixo do nariz para dar exemplos e repetir o quanto for necessário
às duras lições.
Em pleno
sábado de euforia pela redução do IPI e as concessionárias de veículos
esbanjando sorrisos, não consegui conter meus pensamentos nada esfuziantes. Uma
cascata de fatos e repercussões, embora escondidinha por detrás das manchetes
entusiasmadas, existe real e incisiva; afinal, pagamos o ônus de uma conta contraída
há tempos.
O ser
humano gosta da perfeição porque ela lhe coloca exatamente na sua zona de
conforto favorita, ou seja, tudo perfeito implica em não ser preciso se
preocupar com erros e/ ou problemas. Apostando sempre na perfeição a humanidade
também aproveita para se gabar da sua racionalidade, como se essa fosse uma
garantia perfeita. E de perfeição em perfeição, por volta do século XIII à sociedade
delineia os primeiros passos do modelo econômico e social denominado capitalismo.
Amado por uns, odiado por outros, o fato é que a sociedade desde então caminha
distante de equacionar seus problemas econômicos e sociais através de um modelo
que de fato satisfaça suas reais demandas. Nem o capitalismo, nem o socialismo,
nem outras propostas discutidas conseguiram até o momento atingir a tão sonhada
perfeição e o que vemos estampando os meios de comunicação preocupa e nos faz
realmente pensar. Para a alegria e satisfação de uns poucos na acumulação de
bens e riquezas são precisos milhares para tornar tudo possível.
Mais
de sete bilhões de habitantes no planeta Terra. É gente que não acaba mais e
que precisa de alimento, de moradia, de educação, de saneamento básico, de
tratamento médico e odontológico, de segurança, de lazer, de cultura, de...
de... de... e tudo isso precisa de recursos financeiros. O sistema econômico criado
lá no fim da idade média nos apresentou um universo de possibilidades em ser e
estar, mas não se preocupou em dizer que de fato “para tudo tem um preço”. Sim!
Não só um preço monetário, mas um preço socioambiental. É preciso consciência para consumir, pois o
consumo é uma arma perigosa; exaure os recursos naturais, produz o descarte
maciço do supérfluo residual, promove a inflação na medida em que desequilibra
a balança das relações econômicas...
A vida
desde então, se atrelou a necessidade fundamental do trabalho que provenha
meios para sua sobrevivência; e ao longo dos séculos essa sobrevivência, ou
esse estado de vida, agregou mais e mais valores dependentes do dinheiro. As necessidades,
os sonhos, as expectativas, os comportamentos, as prioridades e as próprias relações
sociais passaram a ser demarcadas pela disponibilidade de recursos financeiros
pelos indivíduos. Infelizmente, passamos sim a ser pesados, medidos e julgados
pelo o que o nosso poder aquisitivo venha a aparentar (ainda que as aparências possam
enganar!).
Dentre
tantos ícones de “afirmação” social, o veiculo automotivo é um grande
representante. Em parte pela fragilidade do sistema de mobilidade urbana,
também fomentado pelas insígnias do progresso e do desenvolvimento econômico e
social, que negligenciou o pensamento coletivo para o livre trânsito da
sociedade em nome do transporte individual, levando ao caos os médios e grandes
centros. Em parte por ser um elemento palpável de identificação do status
social; posto que, possuir um veiculo implica necessariamente em ter condições econômicas
para tal (impostos, combustível, manutenção). Então, se equilibrando entre os
dois lados dessa moeda, a frota de veículos no país só faz crescer; inclusive,
os problemas.
Por mais
que a engenharia de tráfego nacional se desdobre em análises e estudos, a conta
não fecha! Se todos os veículos que hoje se encontram nas lojas de usados, nas
concessionárias, nos pátios de veículos apreendidos e nos pátios das montadoras
estivessem em circulação não haveria mais espaço para todos e o fluxo do trânsito
não escoaria para lugar nenhum. Os atuais congestionamentos diários já
exemplificam muito bem esse fenômeno; seja no transporte público ou no privado,
as pessoas cada dia mais não conseguem cumprir seus horários e compromissos em
razão do tempo que perdem presas no trânsito. O veiculo não mais significa o
passaporte para a tranquilidade e a satisfação de ir e vir no tempo de sua
escolha!
Enquanto
o sistema econômico vigente sustenta a necessidade do consumo de veículos para
a economia do país e consequente manutenção de empregos e de renda dos
trabalhadores, por outro lado, uma lista de contras emerge consistente. Além do
caos no tráfego, pode-se listar o aumento no número de acidentes, nos
investimentos sociais quanto à aposentadoria por invalidez e outros benefícios,
no estresse de motoristas e passageiros que ocasiona prejuízos de ordem física e
psicossocial, na perda de mão de obra economicamente ativa, no consumo de combustível
fóssil, na expansão das vias de rodagem com prejuízos significativos ao meio
ambiente, enfim... chegou a conta do progresso!
O que
era sinônimo de perfeição virou tormenta sem solução aparente! Enquanto por
aqui se abaixa o IPI dos veículos, na Europa as mentes fervilham por uma
solução que desative a crise Grega e de outros países altamente endividados
pelos emaranhados imprevidentes da economia; mas, no fim das contas, o globo
terrestre está literalmente, todo, no mesmo barco. Se uns mais e outros menos,
no produto final a economia se pauta na mesma cartilha, com todos os seus
senões e contratempos. A lição que fica (se podemos dizer assim) é que chega de
perfeição; a hora é de lidar com os problemas de frente, cientes das
dificuldades, da necessidade de ser flexível e realista, de sonhar dentro de
limites palpáveis e exequíveis, de consumir com consciência e prudência... de
romper com todos os modelos e reinventar o que possa garantir efetivamente a sobrevivência
dessa civilização.
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