A frondosa árvore da
vida
Por Alessandra Leles
Rocha
Nos tempos em que o DNA tornou-se
assunto corriqueiro na boca das pessoas, talvez poucas mergulhem de fato na
reflexão sobre o impacto desse diminuto polímero em suas vidas. É! Muito além
das lições da Biologia, foi pondo reparo no mundo e na própria realidade que
pude compreender um pouco melhor as inquietudes de Mendel em suas pesquisas com
ervilhas de cheiro. Distante das características verde ou amarelas, lisas ou
rugosas das tais ervilhas, é o desdobramento dessa observação singela das
semelhanças e diferenças que nos conduz ao maravilhoso e enigmático caminho da
nossa existência. Afinal, quem somos?
Somos assim, ou assado, não por obra
do acaso; mas, dessa fantástica combinação matemática de características genéticas
que transitam pelo ontem, hoje e amanhã. Esse é o resultado de quem somos: uma
mistura na medida certa de nossas heranças. Na ótica particular de nossa razão
damos a nossa hereditariedade o quinhão de aplausos ou descréditos a que consideramos
merecidos, independente do correto peso biológico da questão. Um pouco mais
alto, um pouco mais magro, um pouco mais... um pouco menos... em tudo aquilo
que podemos de alguma forma mensurar com a observação da aparência e que não
nos agrada. Mas, o que realmente me encanta e me arrebata nesse labirinto da genética
não fica tão raso, nem a luz dos olhos, mas nos traços subjetivos do
comportamento e da personalidade e que tornam os nossos laços parentais a
magnitude do entrelaçamento coletivo.
Quanto mais jovens, mais dificuldade
em perceber a sutileza dessa verdade. Os sentidos ainda tão afoitos e confusos
não deixam admitir o quanto se é parecido com outros elementos da família. A medida
com que os anos passam e os olhos de lince se apuram, a verdade vem à tona, límpida
e reflexiva, como um espelho. Nas lembranças daqueles que nos permearam, ou
ainda permeiam o caminho, distinguimos gostos, aptidões, trejeitos, atitudes e
nos tornamos mais parentes, mais família do que poderíamos supor.
Como diz o provérbio, “quem sai aos
seus não degenera”! Nem com toda a transformação do mundo, todos os modismos,
todas as revoluções e evoluções! Está lá, no mais intimo da existência humana,
nas junções dos átomos e das moléculas, a fiação atemporal de nossa frágil mescla
estrutural. Por trás da imagem refletida no espelho guarda-se o registro de
centenas que nos precederam e contribuíram para o sucesso da nossa vez. Cada um
que passa crê em ter deixado o caminho mais suave. Cada um que vive o presente
carrega a responsabilidade de conduzir o presente recebido e desatar os nós dos
desafios para entregá-los resolvidos aos sucessores. Assim o DNA se apura,
melhora, escreve suas páginas no grande livro da eternidade.
O DNA não representa o somatório de
acertos, ou a fórmula do sucesso humano, é certo que a distribuição fenotípica não
se dá de forma linear ou em perfeito equilíbrio, e às vezes acontece sim, de
alguns enaltecerem não as melhores, mas as piores características; são as
chamadas “ovelhas negras” da família. Para alguns a tradução de indivíduos difíceis,
complicados, cheios de vontade. Para outros a simbologia concreta da
contraposição ao justo, ao bom, aos verdadeiros valores éticos e morais
contidos no ser humano. Ainda que pensemos em lamentar ou blasfemar sobre isso,
vale à pena considerar a reflexão; pois, trata-se de um desequilíbrio natural, um
fato que nos confronta com a diversidade humana e nos alinha na responsabilidade
da análise diária e ininterrupta quanto aos níveis de nossa imperfeição, que nos
retira do pedestal e nos proporciona a viver nos reais limites da vida.
Como as sementes de Mendel, nós
carregamos a nossa frondosa árvore da vida. Não simplesmente aquela árvore genealógica
tradicionalmente conhecida, restrita aos registros parentais de historicidade;
mas, a árvore onde cada pedaço tem a sua importância e a sua capacidade coletiva
de criar e recriar sem perder o que há em sua essência. Seremos para sempre
filhos (a), netos (a), pais, avós, bisavós,... de nós mesmos; na certeza de que
nossa mensagem maior viaja no tempo e apesar de todos os eventuais erros e
acertos que contiver, ela estará sempre impressa na célula de cada geração na
busca de se aprimorar.