Carnaval - as infinitas
possibilidades de ser e estar do povo brasileiro
Por Alessandra Leles Rocha
A
vontade era passar a noite em claro, sorvendo detalhe por detalhe da obra
meticulosamente elaborada pelos “joalheiros” do “maior espetáculo da Terra”,
que hoje se desdobra entre dois grandes carnavais, o do Rio de Janeiro e o de
São Paulo. Apesar do êxtase diante de tamanha riqueza artística e cultural, que
deixa a cabeça em completo estado de euforia, os registros da memória e da
emoção conseguem reelaborar o pensamento e conduzir a reflexão.
Longe do
discurso roto e ultrapassado de que o carnaval resume-se apenas a uma festa
catártica, com muita bebida, música, descontração e, quiçá, irresponsabilidade,
ela revela em diversos cantos do país a dimensão da educação, da cultura e da
cidadania de seu povo através das escolas de samba e agremiações carnavalescas.
Afinal, seria estúpido demais acreditar que o que se vê diante dos olhos foi
erguido do nada, sem nenhuma base de conhecimento, sem nenhuma fonte de
pesquisa, sem nenhuma junção de criatividade e desempenho intelectual, sem as
bênçãos da educação.
Esse
dissecamento e lapidação das histórias da odisséia humana por esses verdadeiros
magos do carnaval só é possível graças aos anos de estudo, de ingresso a
escola. Mesmo que para muitos seja impossível conectar os fatos, por mais
problemas e dificuldades que venha padecendo a educação em nosso país, as
sementes que ela consegue plantar tem muito valor. Mesmo que os alunos não
venham conseguindo estabelecer uma conexão completa e complexa entre a teoria e
a prática, sempre, em algum momento, eles irão perceber a ocorrência desse
processo e o valor do que foi ensinado e aprendido. Para realizar o carnaval
das escolas de samba é preciso pensar em um tema; é preciso conhecer o mundo, a
geografia, a história, as ciências, as artes, a matemática, a língua portuguesa...
Esmiuçando o tema, o samba enredo é construído e a partir dele o enredo ganha a
forma das alegorias, dos adereços, das fantasias. Assim, todos os “operários”
do carnaval agregam dentro de si informações e conhecimentos, que talvez em
outras situações da vida não fossem ter oportunidade em fazê-la. Não se trata
apenas de trabalho braçal, de pregar um vidro, de costurar uma roupa, de moldar
uma escultura em isopor,... conscientes ou não do impacto intelectual do
carnaval, este é, sem dúvida alguma, o ingrediente mais importante do sucesso
do espetáculo. Quem assiste depois ao conjunto da obra, também se surpreende e
confirma que sempre é possível saber mais e melhor sobre algum assunto e que a
educação é sim capaz de alcançar resultados surpreendentes quando permite ser
parceira da própria vida.
Da
Educação ao grande espetáculo, do grande espetáculo a ampliação profissional
brasileira. Ano a ano esse processo se reafirma e caminha em busca de novidades
para ser cada vez menos amador; não é à toa que ele entende e aplica os valores
da sustentabilidade, da responsabilidade e da inclusão social nas suas
atividades. O carnaval já consegue fazer o que a própria sociedade brasileira
ainda encontra dificuldades: cultiva o fair-play entre as agremiações enaltecendo
os trabalhos e os resultados uns dos outros, aborda a tolerância e a
participação de todos sem discriminação de nenhum tipo, desenvolve trabalho de
base com as crianças e adolescentes das comunidades, reverencia seus idosos no
respeito à “velha guarda”. Dentro e fora dos barracões esse feliz impacto também
alcança a economia que atrai turistas nacionais e estrangeiros para os ensaios
e desfiles, que movimenta a indústria e o comércio em geral, que multiplica os
prestadores de serviço, que gera emprego e renda para os profissionais do
carnaval. Despretensiosamente, o “maior espetáculo da Terra” se deixou
desabrochar para consagrar enfim, as infinitas possibilidades de ser e estar
desse povo brasileiro; seja aos olhos do mundo ou de si mesmo.