O desafio do presente ideal
Por Alessandra Leles Rocha
Mais um fim de ano, mais um movimento de correria para cumprir os deveres e obrigações, mais uma avalanche consumista para entontecer,...; mas, será que essa rotina costumeira de anos precisa mesmo permanecer? Sobretudo, no que diz respeito ao consumo, essa ânsia desenfreada em adquirir bens e produtos não significa mais do que simplesmente encobrir aquilo que os olhos da própria alma querem ou não enxergar; uma catarse coletiva das frustrações, desencantos, insatisfações, neuroses, desamores. Sim! Eu sei que muitos saem às compras para presentear parentes, amigos, colegas; mas, até nestes casos, incorre-se no risco de fazê-lo por mero protocolo da convivência social ao invés da genuína vontade de representar “materialmente” o que pulsa incontido nos recônditos cantinhos da alma.
É, minha gente, o dinheiro tenta, mas não consegue suprir o essencial da vida! Passamos horas, dias, meses e anos perseguindo o sucesso em todas as suas formas, mas a alma ainda permanece com espaços profundos a serem devidamente preenchidos! Bem mais do que pacotes especialmente ornados, cada dia mais a humanidade carece de gente! Parece estranho dizer isso, quando o planeta Terra já atingiu a marca de sete bilhões de habitantes; mas, o que adianta tanta gente se o sentimento de solidão, de isolamento, de distanciamento real entre elas teima em insistir? Em meio a esses bilhões de pessoas, quantos não estarão comprando presentes em uma intenção subliminar de “adquirir” companhia e amigos? Esmeram-se na escolha dos produtos, desdobram-se em como poderiam agradar o outro e quem sabe receber em contrapartida um pouco de atenção, um dedo de prosa, um sorriso, um abraço daqueles de aquecer o coração. Estamos gradativamente assinalando uma grande incapacidade de coexistência, de amar e conviver sem impor condições (inclusive, presentes), de nos libertar de amarras viscosas e improdutivas, de sermos aceitos como somos (um pacote repleto de defeitos e qualidades, certezas e dúvidas, coragem e medo, pobreza e riqueza, de semelhanças e diferenças), de aceitarmos que a vida só faz sentido quando há alguém (ou “alguéns”) a nos dar as mãos em companhia para trilhá-la.
Proponho a vocês um desafio: que tal se despojar das carapaças e convenções e sair em busca de iniciar a sutil e encantadora tecelagem de novas relações humanas? Ao contrário de se dedicar ao consumo impensado, de padecer ao desgastante estresse nas filas quilométricas do comércio natalino, de perturbar a paciência do “bom velhinho” com suas listas intermináveis de presentes, guarde suas energias simplesmente para “regar” antigas e novas relações. Surpreenda e se deixe surpreender pelo inusitado da vida! Use a criatividade! Busque na simplicidade dos cartões, mensagens que se constituam em “passaporte” para reduzir as distâncias. Despenda alguns minutos em um telefonema. Deixe os ritos de lado, a pose sisuda adquirida com o tempo, seja piegas pelo menos no Natal! Renda-se a busca asfixiante, que o consome há tempos, por um afago, uma gargalhada, um aperto de mãos, uma beijoca estalada na bochecha, uma lágrima de emoção!
Ao contrário do que estamos nos convencendo a acreditar, o ser humano não é uma ilha; ele está, por opção ou conjuntura, vivendo como tal! Desde os primórdios da civilização o homem é um ser social e coletivo, precisa de seus pares para aprender, para superar seus limites e dificuldades, para conseguir viver sem enlouquecer diante do confronto diário consigo mesmo. Sendo tempo de Natal (ou não), o importante sempre é renovar os votos de fé, de esperança, de autoconhecimento, de sabedoria, de se fazer artesão da vida e moldar os dias com a beleza maior, nutrida e acalentada, pela chama dos nobres sentimentos. No fundo, o presente que você e todos nós realmente almejamos, e necessitamos, não pode ser depositado sob uma árvore decorada ou em um sapatinho perto da porta; ele tem que ser colocado com delicadeza no aconchego de nossos corações. Que todos nós consigamos êxito nesse desafio pelo presente ideal! Feliz Natal! Feliz Ano Novo!