quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Crônica do dia!



Paternidade: apenas 50% do DNA?



Por Alessandra Leles Rocha

            Ainda que muitos homens depositem a sua “paternidade” apenas na contribuição biológica com cinquenta por cento de sua carga genética para o surgimento de um novo ser; é reparando bem, nas entrelinhas do cotidiano e em algo, talvez, não traduzível ao rol das palavras que o ser pai se apresente de fato e de direito.

         Quem pensa que a paternidade tem caráter secundário na vida do indivíduo está totalmente equivocado. Estamos sempre em busca de nos compreender, de formar a nossa percepção pessoal e do mundo a partir dos traços de nossa genealogia: gostos, atitudes, sentimentos, afinidades etc. Geralmente o que não trazemos das origens maternas só podemos atribuir ao lado paterno, por isso, precisamos da convivência, do fortalecimento da relação socioafetiva parental para o desenvolvimento equilibrado tanto do ponto de vista psicológico quanto emocional. Todos nós precisamos dos referenciais femininos e masculinos na compreensão da vida e do mundo; portanto, um não pode substituir o outro ainda que se esforce para isso.

         Dessa forma, a primeira responsabilidade que recai sobre os ombros de um pai é essa: dada a sua contribuição biológica percentual, por si só ela não será o bastante para o novo ser em formação. Aquela história de “não basta ser pai, tem que participar” é fato, meus caros! Parte do que somos está adormecido em nosso DNA, precisando dos estímulos certos do mundo aqui de fora, sobretudo, da complementação do nosso aprendizado paterno, dos valores e princípios que recebemos, das orientações, dos limites, do apoio firme e preciso em todos os momentos. Não nos formamos por geração espontânea, individualizada e necessária de si mesma! Como disse sabiamente Rui Barbosa, “Se um dia, já homem feito e realizado, sentires que a terra cede a teus pés, que tuas obras desmoronam, que não há ninguém à tua volta para te estender a mão, esquece a tua maturidade, passa pela tua mocidade, volta à tua infância e balbucia, entre lágrimas e esperanças, as últimas palavras que sempre te restarão na alma: minha mãe, meu pai”1.

         Quando nos voltamos para observar a realidade contemporânea chamuscada por uma profunda crise de identidade e de valores, em que se faz cada vez mais necessária à utilização de ferramentas para obrigar e constranger o ser humano a não se desviar dos caminhos éticos e morais, inclusive no que tange a não abandonar e/ou negligenciar sua própria prole, sentimos a gravidade do caos. Milhares de crianças e jovens entregues a própria sorte, dentro ou fora de um lar, frutos muitas vezes da vaidade paterna e materna em demonstrar a sociedade sua capacidade de produzir filhos “perfeitos” e “saudáveis”; mas, sem nenhum tipo de comprometimento ou responsabilidade com esses seres. Frutos de uma desestruturação familiar e social a atingir todos os segmentos da população e motivada por razões diversas, tais como drogas, violência. Hasteando a bandeira do TER em detrimento do SER, pais e mães não tem conseguido compatibilizar os filhos com a busca alucinada pelo sucesso profissional, as conquistas financeiras e materiais, e estes acabam “entregues à terceirização”: avós, tios, babás, escolas...

         Durante muito tempo a sociedade atribuiu uma responsabilidade maior as mulheres com relação à concepção; mas, a sociedade já evoluiu bastante no sentido de entender e admitir que em todos os aspectos essa tenha caráter compartilhado. Se muitos homens já são capazes de abraçar a paternidade no seu sentido mais profundo e companheiro, talvez esteja faltando para a grande maioria o senso crítico e responsável no que diz respeito ao “espalhar de suas sementinhas por aí”. Daqueles tempos isentos do tal “reconhecimento de paternidade” e todas as suas implicações legais e financeiras, muitos filhos e filhas guardam na alma, ainda hoje, as cicatrizes profundas e irreparáveis de diversas formas de “alienação parental”. Embora os tempos sejam outros, em que a própria justiça lhes reserva o direito de contestar a paternidade, mediante exame de DNA; ela, no caso positivo, também exige o cumprimento do seu papel. Mas, em pleno século XXI, o que já deveria ser fato incontestável é a própria consciência masculina em assumir a paternidade como um elemento intrínseco a sua história de vida, uma oportunidade única de estender e transcender a sua própria existência humana sem medos e sem reservas.