terça-feira, 5 de outubro de 2010

Crônica: Por onde andará nossa criança?




    


Por Alessandra Leles Rocha


                Cada um de nós carrega em si um “pequeno príncipe”. Sim! Essa doce e adorável criatura infantil, repleta de indagações e curiosidades, que enxerga o mundo com a nitidez e a sensatez verdadeiramente necessárias, e sempre habitará em nossa essência.
                É que o tempo, impiedoso e dominador, nos impeli a escondê-la e nos transforma em massa disforme e sem graça, quase robotizados, para atender as exigências da vida em sociedade. Excessos de praticidade e objetividade nos arrastam de um lado para outro, sem dar-nos oportunidade para enxergar a vida além dos limites da razão.
                Crianças têm o mundo aos seus pés e não o contrário! São inventivas, criativas, curiosas, desafiadoras! Por isso, estão fadadas a degustar essa felicidade por tempo limitado; caso contrário, o homem não saberia conviver em meio ao turbilhão do inesperado. Temos regras, condutas, protocolos a seguir, chatices de uma existência enfadonha e cansativa, que transformam nossos sonhos em metas e obrigações a serem alcançadas. Somos complexos, paradoxais, impacientes e desrespeitosos em cada menor gesto do dia; nada para nós é simples, tudo é difícil e desgastante, como a própria vida.
                Assim, fomos nos desviando, soltando as mãos dessa criança, deixando sua gargalhada cada vez mais distante, até o dia em que ficamos no mais perfeito deserto silencioso e solitário. Deixamos de desenhar, de manifestar nossas preocupações humanas, de externar nossa sensibilidade, de mensurar adequadamente o valor das coisas. Em muitos de nós, nem uma vaga lembrança desse ser restou. Ao invés dele viajar pelo espaço em busca de respostas, somos nós quem vagamos desorientados em meio aos planetas dominados por reis, vaidosos, bêbados, acendedores de lampião, velhos geógrafos - adultos que não reconhecem suas próprias limitações e o infundado valor de seus pontos de vista -, tentando sobreviver às intempéries desse caos.
                Nossos vulcões, ou melhor, nossa alma há tempos não é limpa! Nossa rosa talvez esteja de pé por pura insistência natural, porque nosso cuidado e dedicação andam fora de moda. Os baobas crescem displicentemente e nem nos preocupamos em termos carneiros para controlar seu crescimento. Nossos olhos e nossa mente insistem em ver sem enxergar, sempre sobre o prisma de interesses maiores e muito menos sentimentais. Não temos tempo para bobagens, para emoções, para superficialidades, é o que diz nosso manual adulto de conduta!
                Então, quando a vida passa, os anos acenam o findar dos dias, as agruras consomem as derradeiras gotas de vitalidade e alegria, percebemos que já se faz tarde quaisquer tentativas de resgatar nossa criança. Mesmo certos do insucesso, ainda sim tentamos de alguma forma segurar em suas mãos mais uma vez. Nosso “pequeno príncipe” quis muito nos fazer companhia enquanto esbanjávamos energia como ele, enquanto era possível consertar nosso avião para alçar grandes voos... Mas, a picada da serpente é sempre letal! Restou-nos apenas contemplar as estrelas, espaço onde sempre ele estará a nos sorrir.