sexta-feira, 11 de abril de 2025

O grande mal da humanidade ...


O grande mal da humanidade ...

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Começo a acreditar, cada vez com mais força, que reside na permissividade humana o grande mal da contemporaneidade. Afinal, ela tende a relativizar questões inegociáveis, as quais visam garantir o equilíbrio da existência e da coexistência social. O mais recente exemplo, ocorreu, ontem, durante a marcha do Acampamento Terra Livre (ATL) em direção ao Congresso Nacional, em Brasília (DF). Um grupo de indígenas foi brutalmente reprimido pela força policial. Inclusive, uma deputada indígena, do Psol-MG. O motivo da manifestação era mais que legítimo, ou seja, findar quaisquer discussões contrárias ao já estabelecido pela Constituição Federal de 1988, em seu artigo 231.

Mas, o que está por trás dessa permissividade humana? Apesar de repetitiva, a resposta é o nosso ranço colonial. Vejam, só dá permissão a alguém, de fazer ou não fazer alguma coisa, aquele que detém algum poder. O que, no Brasil, continua sendo as elites, o topo da pirâmide social. Sendo assim, se encontra em suas mãos o poder de decidir, escolher, determinar, estabelecer, legislar, sobre o país e seus cidadãos. Como fizeram seus antepassados, descendentes da Metrópole portuguesa, durante o período de colonização.

De modo que essa estrutura de poder, que vem sendo repassada de geração em geração, agora, na contemporaneidade, tem se reafirmado, especialmente por parte do Estado, por meio de ações e/ou omissões, quem pode ter garantida a sua dignidade humana. Mas, não somente isso. Quem pode falar, decidir, escolher, determinar, estabelecer, ... O que significa que essa permissividade se transformou em instrumento claro de legitimação para um gigantesco espectro de violências sociais e, portanto, para a fragilização e vulnerabilização da vida.

Pois é, a desvalorização da vida não é um fato recente, na historicidade brasileira! Ela é uma chaga antiga! Os cidadãos brasileiros estão, há pouco mais de 500 anos, expostos a uma assimetria da importância social. De modo que algumas vidas são importantes e outras não. Algo que tornou as desigualdades sociais um fenômeno banalizado e trivializado, dentro do inconsciente coletivo nacional. Fato que obriga as minorias a viverem sob permanente luta da sua dignidade e direitos, enquanto as elites se refugiam na insensibilidade, na indiferença e no exercício da sua pseudossuperioridade, para defenderem a sua inação.

Se diariamente os veículos de imprensa, nacionais e estrangeiros, noticiam a espetacularização da barbárie brasileira, em sua mais absoluta diversidade e pluralidade de manifestações, é porque esse ranço colonial, transpirado pelas elites, permanece autorizado pelos comportamentos permissivos. Racismo. Feminicídio. Trabalho análogo à escravidão. Homofobia. Aporofobia. Intolerância religiosa. Garimpos. Uso e ocupação indevida de terras. Genocídio indígena. ... Exemplos dessa anuência perversa e cruel, não faltam! Desde que a histórica estruturação econômico-social seja preservada, a omissão silenciosa insiste em se manter atuante.

Essa é a verdade nua e crua sobre a realidade brasileira. É o que explica o protecionismo criminoso entre os membros das elites, ou os deslizes e desvirtuamentos na aplicação das leis, ou o clamor pela anistia aos crimes de flagrante atentado à Democracia e às Instituições, ou um fisiologismo político-partidário abjeto, ou a ausência de identidade cidadã , ... Martin Luther King Jr. dizia, “A verdadeira medida de um homem não se vê na forma como se comporta em momentos de conforto e conveniência, mas em como se mantém em tempos de controvérsia e desafio”.

Por isso, não nos esqueçamos de que “As pessoas sabem aquilo que elas fazem; frequentemente sabem por que fazem o que fazem; mas o que ignoram é o efeito produzido por aquilo que fazem” (Michel Foucault). Razão pela qual, “Existem momentos na vida onde a questão de saber se se pode pensar diferentemente do que se pensa, e perceber diferentemente do que se vê, é indispensável para continuar a olhar ou a refletir” (Michel Foucault).


quarta-feira, 9 de abril de 2025

A permissividade indecorosa com seus dois pesos e um milhão de medidas


A permissividade indecorosa com seus dois pesos e um milhão de medidas

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Vamos e convenhamos, a Câmara dos Deputados já foi um lugar mais respeitável! Acontece que a permissividade indecorosa que se alastrou pelo recinto, nas últimas décadas, tornou o local um palco da espetacularização do absurdo. De modo que é preciso uma análise muito crítica do que vem se processando, por lá, para não cair em “Contos Da Carochinha”. Sobretudo, ao se tratar de decoro parlamentar.

Cada dia que passa, esse me parece um assunto extremamente sensível. Ora, se o tal decoro significa “os princípios e normas de conduta que orientam o comportamento do parlamentar no exercício de seu mandato” 1, algo já parece destoar, quando nos lembramos do fisiologismo presente, especialmente, nessa casa do Legislativo Federal.

Sim, a terrível “Prática ou tendência para a prática da procura de vantagens pessoais ou favorecimentos privados no desempenho de cargos políticos ou públicos, em prejuízo do interesse público comum” 2, que veio ao longo do tempo se legitimando e se institucionalizando no campo político-partidário nacional.  A qual recentemente cobriu as páginas midiáticas, nacionais e internacionais, com todos os vai e véns no caso do chamado Orçamento Secreto, que acabou sob intervenção pela Suprema Corte brasileira.

Contudo, não para por aí! Lugar de respeito e decência, a tribuna da Câmara dos Deputados, tem sido espaço do achincalhamento da Democracia, no que significa a explícita manifestação de atos condenáveis pela própria legislação nacional. Misoginia. Homofobia. Racismo. Xenofobia. Aporofobia. ... Exemplos ruins que têm se disseminado pelas demais Casas Legislativas da federação e contribuído para o acirramento de uma polarização do ódio, no país.

Um dos exemplos mais recentes, aconteceu na Comissão de Segurança Pública da Câmara, em que se discutia um projeto de lei para propor o desarmamento da segurança pessoal do Presidente da República. Desconsiderando por completo os achados da Polícia Federal a respeito de toda a trama golpista, a qual culminou no 08 de janeiro de 2023, cujos conteúdos trouxe a público a existência do Plano “Punhal Verde-Amarelo”, com informações detalhadas para matar o Presidente da República, o Vice-Presidente e um dos Ministros do Supremo Tribunal Federal (STF).

No entanto, não bastasse isso, o próprio relator da proposta admitiu, em alto e bom tom, diante dos presentes, que gostaria de ver o Presidente da República morto. Em uma franca disposição incitativa às práxis de extrema violência, que transitam pela polarização odiosa nacional. Haja vista a quantidade de episódios de terrorismo interno ocorridos, a partir de 2022, no país.

No entanto, esse contexto de espetacularização do absurdo, promovido pelos representantes da Direita e seus matizes, mais ou menos radicais e extremistas, é claramente assimétrico, no sentido de promover a desqualificação, o desrespeito, a desumanização e a incapacidade parlamentar dos representantes político-partidários do espectro progressista. Em uma tentativa flagrante de silenciá-los sob pena de punição. Vejam só! A maioria parlamentar na Câmara dos Deputados comete uma acintosa afronta à Constituição Federal, de 1988, quando desconsidera o princípio fundamental do pluralismo político, tentando invisibilizar e negar os direitos constituídos da ala progressista.

Enquanto um dos acusados pelo assassinato da Vereadora Marielle Franco e de seu motorista Anderson Gomes, no Rio de Janeiro, em 2018, ainda não teve o mandato cassado pela Câmara dos Deputados, parlamentares progressistas são alvo, a todo instante, de processos no Conselho de Ética, em razão das suas atuações combativas no parlamento federal.

Hoje, por exemplo, um deputado do PSOL-RJ teve o mandato cassado pelo Conselho de Ética, segundo quebra de decoro, por ter expulsado, aos chutes e empurrões, um militante do MBL de dentro da Câmara, após inúmeras agressões verbais graves desferidas por ele ao parlamentar. Uma cassação de natureza estritamente político-ideológica. Afinal, esse parlamentar se opôs publicamente contra os desmandos envolvendo o chamado Orçamento Secreto.

É claro, que abster-se da dialogia para substituí-la pela violência física, é algo reprovável. Contudo, não tivesse sido a Câmara dos Deputados transformada em arena de uma permissividade indecorosa, praticada por parlamentares e visitantes, nenhum ser humano seria levado ao extremo da sua raiva e indignação. Vale recordar, em junho de 2024, que uma deputada federal, também do PSOL-SP, de 89 anos, após terríveis e hostis manifestações ocorridas em uma sessão na Comissão de Direitos Humanos da Câmara, passou mal e precisou ser hospitalizada em UTI. O que demonstra o grau de desvirtuamento e incivilidade dessa casa do parlamento brasileiro.

O pior é que esse comportamento tende a se agravar. Sim, o grande objetivo da Direita e seus matizes, mais ou menos radicais e extremistas, é conquistar a sua supremacia no Congresso Nacional, nas eleições de 2026. Constituir um legislativo que trabalhe, única e exclusivamente, pelas pautas de interesse desse espectro político-partidário. Sem oposição. Sem contestação. Fazendo prevalecer, de maneira absoluta, os interesses, regalias e privilégios das elites dominantes nacionais. O velho ranço colonial brasileiro!

Assim, feitas essas breves reflexões, convido você leitor (a) para que leia o texto, atemporal, de Rachel de Queiroz, intitulado “Votar”, escrito em 11 de janeiro de 1947 3. Trata-se de uma verdadeira aula de cidadania, de democracia, de dignidade humana. Algo que a contemporaneidade precisa, com urgência, resgatar no fundo obscuro da consciência. Não se esqueçam: “Palavras, o vento leva, mas a consciência não muda nunca, acompanha a gente até o inferno” (Rachel de Queiroz).

sexta-feira, 4 de abril de 2025

Por linhas bem tortas ...

Por linhas bem tortas ...

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Por linhas bem tortas, não é que o tarifaço, promovido pelos EUA, trará benefícios! Diante da proposta, a sociedade estadunidense que cresceu embalada pelo consumo desenfreado, agora, terá que aprender, a duras penas, a conter seus impulsos. Mas, não somente ela. Todos aqueles que se encantaram pelo “America way of life”, cujo pano de fundo era justamente aderir às práxis consumistas. Desse modo, caro (a) leitor (a), com os preços pela hora da morte, os cidadãos terão que repensar suas prioridades e colocar o pé no freio da gastança.   

Quem diria, não é mesmo?! Ao que tudo indica, o grande beneficiado, nessa história toda, foi o meio ambiente. Afinal de contas, a desaceleração do consumo tem impacto direto sobre as condições ambientais. Menor desperdício e produção de resíduos. Menor consumo de recursos hídricos. Menor emissão de gases poluentes. Menor utilização de agentes químicos. Enfim... Isso porque a industrialização tende a se moldar, segundo a nova realidade da demanda global.  O tal “tarifaço” impôs, na verdade, uma desaceleração da produção e do consumo, ao redor do planeta.

Seja do ponto de vista da microeconomia ou da macroeconomia, a tomada de decisão estadunidense em esgarçar a ideia do multilateralismo para impor o bilateralismo, dentro de uma assimetria de forças, tende a tornar o mundo muito mais empobrecido e, portanto, menos capaz de consumir.  Daí o fato de estarmos diante, então, do início de um processo de reeducação da sociedade. O consumismo que veio impulsionando o cenário contemporâneo, sofrerá um grande revés. Sobretudo, no que diz respeito, aos supérfluos. Nada de explosões contínuas de novidades!

Desse modo, o ser humano terá que rever a dinâmica da sua própria vida. Reaprender a priorizar. Conter seus ímpetos irrefletidos. Dissociar-se da necessidade da exposição midiática. ... Dispor-se a um processo de reumanização. Em linhas gerais, equilibrar a coexistência entre o SER e o TER, no sentido de uma reapropriação da importância da própria essência. Já dizia Albert Einstein, “Procure ser um homem de valor, em vez de ser um homem de sucesso”. Porque, na maioria das vezes, infelizmente, esse sucesso está condicionado às conquistas materiais e capitais. Uma pena, pois “Não se mede o valor de um homem pelas suas roupas ou pelos bens que possui, o verdadeiro valor do homem é o seu caráter, suas ideias e a nobreza dos seus ideais” (Charles Chaplin).

Além disso, o que se tem bem diante do nariz é o descortinar de algo elementar, ou seja, “Os mais perigosos inimigos não são aqueles que te odiaram desde sempre. Quem mais deves temer são os que, durante um tempo, estiveram próximos e por ti se sentiram fascinados” (Mia Couto). De modo que essa não é só uma crise de natureza econômica, ou ambiental, ou comportamental, ... Essa é uma crise existencial geopolítica, na qual os interesses de um se colocaram acima dos demais, não importando quem sejam eles. Como escreveu Henri Frédéric Amiel, filósofo, crítico e poeta suíço do século XIX, “A nossa maior ilusão é acreditar que somos o que pensamos ser”. Tudo é efêmero. Nada é para sempre. 

terça-feira, 1 de abril de 2025

1º de Abril – Dia da Verdade


1º de Abril – Dia da Verdade

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Não adianta lançar sob o tapete da história os nossos malfeitos e maus comportamentos. Tudo o que aconteceu, nesses pouco mais de 500 anos, não deixa de existir por conta da negação, da invisibilização, do silenciamento. Tal qual o indivíduo, a sociedade também é um ente em construção, incompleto, controverso, dual.

De modo que os erros, os equívocos, as ignorâncias, os absurdos, não são, necessariamente, o cerne do nosso problema. A grande questão está no modo como lidamos com eles, na nossa disposição em aprender para evoluir. A opção pela inação ou alienação é sempre a pior das escolhas, na medida em que não leva nada a lugar algum.

Daí não ser surpresa, o fato de uma significativa parcela do corpo político-partidário nacional, em conjunto com seus apoiadores e simpatizantes, estarem tão aflitos por mais um ato de anistia. O clamor pelo perdão institucional é muito significativo, no sentido de revelar essa incapacidade de exercer a cidadania, de se responsabilizar pelos atos e omissões praticados.

A ideia de anistia diz, em alto e bom tom, o quanto essa gente quer se livrar de uma situação que lhes é totalmente desconfortável, inoportuna, desagradável. Como quem busca um atalho para sair de um caminho inconveniente, que tende a trazer reverberações bastante indigestas. E isso só está em discussão porque já foram abertos precedentes ao longo da história. Nosso ranço colonial, infelizmente, prestou esse imenso desserviço!

Aliás, essa fuga da realidade busca contribuir para que não haja uma reflexão profunda sobre o modo como, enquanto sociedade, permanecemos mantendo a tecitura social por vieses de extrema desigualdade. Sempre que se falou em golpismo, no Brasil, a ideia foi concebida e liderada por elementos das elites do poder, no intuito de garantir o seu status quo.

Razão pela qual, frustrados os seus planos, a palavra de ordem a ser manifestada foi, sempre, anistia. Afinal, julgam-se acima do bem e do mal, essas gerações herdeiras diretas das elites coloniais e, por isso, isentas de receberem quaisquer tipos de punições ou repreendas. Daí o cenário não se alterar ao longo dos séculos.

Lamentável! O ideário golpista foi apropriado como estratégia para assegurar os pseudodireitos adquiridos pelas gerações das elites nacionais. Manter-se no poder, a qualquer preço, então, significa garantir que seus espaços, recursos capitais e poderes não sejam ameaçados, pelas camadas inferiores da pirâmide social.

Entretanto, golpes matam. Subjetivamente. Objetivamente. Lenta e gradualmente. Pela tortura física, mental e moral. Pela asfixia do pensamento e da construção do conhecimento e da criticidade. Pela alienação do comportamento. Pelo silenciamento nas relações sociais. Pela individualização como recurso de sobrevivência. Pela reverberação do sofrimento através do tempo. Pela impossibilidade de apagar, invisibilizar ou negar a experienciação dos acontecimentos.

E se não foi permitido à sociedade elaborar esses processos, em seu momento oportuno, o país abriu possibilidades para que novas representações dessas velhas práxis fossem gestadas. A trivialização, a banalização, a normalização, das violências excessivas, cometidas pelo Estado contra as minorias, permanecem ativas; pois, encontram legitimação de uma parte da sociedade inerte na sua irreflexão.

A discussão em torno do Golpe Militar de 1964, por exemplo, retrata isso muito bem. A atemporalidade que constitui as tramas históricas golpistas abrem a necessidade de desconstruir velhos paradigmas e se reposicionar diante dos acontecimentos contemporâneos.

No entanto, ao menos em parte, a sociedade brasileira não se considera apta a enfrentar esse desafio de construir novas bases sociocomportamentais para o país. Por isso, ela tenta, a todo custo, manter certos assuntos dentro do baú da história, trancados a sete chaves.

E o que adianta agir assim? Nada. As aves de rapina continuam sobrevoando o céu. Por isso, não esquecer a ameaça da Esfinge de Tebas, “Decifra-me ou te devoro”, aos viajantes que passavam pela cidade. É preciso dar o nome certo aos acontecimentos da vida; bem como, dar-lhes a atenção em busca do seu conhecimento.

Não importa se já se passaram 61 anos, desde a instauração dos Anos de Chumbo, no Brasil. As suas cicatrizes ainda sangram. Ainda falam. Ainda estão aqui. É preciso romper com essa abjeta tentativa de construção de um distanciamento geracional, para que o horror adormeça no esquecimento. Ceder à tentação da alienação não só é perigoso, como pode ser fatal.

domingo, 30 de março de 2025

Entre golpismos e fisiologismos


Entre golpismos e fisiologismos

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Não, não é brincadeira! A necessidade de reflexão profunda, nesse momento, no Brasil, é urgente! Aliás, as imagens dantescas do 8 de janeiro de 2023 deveriam ter impactado, de fato, a sociedade brasileira. Pena que não foi bem assim.

Membros, apoiadores e simpatizantes da ultradireita e demais espectros da Direita nacional sequer se constrangeram com aquela barbárie. Pelo contrário, seu desprezo pela Democracia, o Estado de Direito e as Instituições da República foi explícito, na medida que se permitiram distorcer os fatos e criar um discurso vitimista para os vândalos golpistas.

Ao menos, agora, sabemos até onde pode chegar o fisiologismo político, no Brasil. Sim, porque em nome da tecitura das relações de poder político, essa gente não se furta a extrapolar quaisquer limites do decoro para satisfazer seus interesses privados, em detrimento do bem comum. Na historicidade brasileira, essa é a primeira vez em que nos deparamos com a construção de uma maioria parlamentar deplorável, carcomida e apodrecida pelos piores valores e princípios humanos.

Pois é, essa gente é parte da representação popular democraticamente eleita.  De modo que a exibição pública da sua falta de ética e de moral, infelizmente, é consequência da escolha do cidadão. Seja por ingenuidade persuadida através de um discurso ardiloso. Seja pela ignorância arraigada pela insatisfação diante da realidade. Seja pela manifestação de um caráter duvidoso que almeja tirar alguma vantagem através do seu voto.  ... Pouco importa. Dentro desse viés de análise, cada cidadão brasileiro, no silêncio da sua consciência, deveria fazer um exame minucioso das suas decisões.

Recentemente, em sessão da 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), dois ministros, durante a leitura dos seus votos em uma ação, fizeram a importante observação de que “golpe de Estado mata”. Bem, o voto também! Especialmente, quando o fisiologismo político é feroz. Mata, porque não atende as demandas fundamentais dos eleitores. Porque desvia recursos para fins não prioritários e urgentes. Porque obstaculiza o desenvolvimento e o progresso do país. Porque abandona a população à própria sorte. ... Sem contar que pelo voto se pode criar condições para a realização de um golpe de estado.

Entretanto, em razão da sua própria construção histórica, o cidadão brasileiro encontra dificuldade em entender o que seu voto, implicitamente, pode significar. Como manifestou a filósofa Marilena Chaui, “O pensamento de que uns mandam e outros obedecem é o que forma o povo brasileiro. Que é apresentado como um povo cordato, pacífico, trabalhador. Mal sabem os brasileiros o quanto de violência existe por trás disso. A opressão, a condição servil e o esquecimento de que o natural é ser livre”. Por isso, “A democracia pouco significado tem sem uma igualdade econômica aproximada e sem um sistema educativo que tenda a promover a tolerância e a firmeza de espírito” (George Orwell).

Há pouco mais de 500 anos, o Brasil vive sob a seguinte organização: “As pessoas que, desgostosas e decepcionadas, não querem ouvir falar em política, recusam-se a participar de atividades sociais que possam ter finalidade ou cunho políticos, afastam-se de tudo quanto lembre atividades políticas, mesmo tais pessoas, com seu isolamento e sua recusa, estão fazendo política, pois estão deixando que as coisas fiquem como estão e, portanto, que a política existente continue tal qual é. A apatia social é, pois, uma forma passiva de fazer política” (Marilena Chaui).

Acontece que essa política deformada e equivocada que se constituiu pela apatia, precisa ser rapidamente desconstruída para oportunizar ao país, uma perspectiva de futuro desvencilhado do seu ranço histórico. Caso contrário, o brasileiro permanecerá alimentando o fisiologismo político e fazendo do seu voto um flerte perigoso e, quem sabe, letal, com o golpismo. Lembre-se, “Nossas vidas começam a acabar no dia em que ficamos em silêncio sobre as coisas que importam” (Martin Luther King, Jr.). 

sexta-feira, 28 de março de 2025

Uma marca de batom ...


Uma marca de batom ...

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Quem diria que um artigo da beleza feminina se tornaria a semente da discórdia em questão jurídica! Pois é, aconteceu! Um batom, caro (a) leitor (a)! Picharam a escultura "A Justiça", criada pelo artista mineiro Alfredo Ceschiatti, na Praça dos Três Poderes, em Brasília, quando da tentativa de Golpe de Estado, em 08 de janeiro de 2023.

Mas, por incrível que pareça, a história não difere muito do célebre caso do “batom na cueca”. A prova irrefutável da traição. Acontece que o flagrante, inegável e incontestável, da referida marca não resume em si mesma a tal ruptura da confiança. Até chegar ali, muita água rolou por debaixo dessa história.

O “batom na cueca” é só o símbolo de um processo que vinha se desenrolando há algum tempo. A traição não foi um fato inesperado, acidental, casual. Quem se dispõe a trair é porque nutre um impulso em fazê-lo. Inclusive, há quem diga que “trair e coçar é só começar”.

Ora, o proibido sempre traz uma sensação de prazer, o qual mexe com as emoções e os sentimentos mais profundos do indivíduo. Seja ele, homem ou mulher. Não é à toa que Eleanor Roosevelt disse, “Se alguém trai você uma vez, a culpa é dele. Se trai duas vezes, a culpa é sua”.

De modo que a traição é uma história e não, uma fotografia. Ela sempre tem início, meio e fim. Dispõe de vários cenários, circunstâncias, personagens, recortes temporais, enfim. O que significa que o tal “batom na cueca” é só um clímax da história. Um descuido, um deslize, de uma série de eventos que vieram se desenvolvendo dentro de um espaço de tempo, breve ou longo.

Por isso, a raiva despertada não é exatamente pelo batom na cueca; mas, pela consciência de todo o processo que culminou naquela marca. O ser traído é levado a mergulhar em um mar profundo de conjecturas e suposições dolorosas e cruéis, quando se depara com o “batom na cueca”. Como se aquele símbolo nefasto esfacelasse um conjunto de promessas voltadas ao respeito, ao cuidado, à cumplicidade, ao afeto, à dedicação, ...

Logo, não se pune pela marca em si; mas, pelas inúmeras camadas imersas na subjetividade do ato traidor. Tudo o que aconteceu e não se viu; pois, estava imerso nas mentiras, nas dissimulações. Uma história oculta, cujos capítulos demostram a total negligência em relação ao outro, aos sentimentos do outro. Afinal, a traição se mostra pela exacerbação do individualismo egoísta e narcísico.

Por essas e por outras, é possível tecer uma analogia entre o caso da pichação da escultura e o caso do “batom na cueca”. Em relação à escultura é preciso destacar que tal atitude representou em si, um crime de dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado.

Entretanto, a justiça se fundamenta na construção da história e, por isso, pode apurar o envolvimento da responsável pelo dano em circunstâncias prévias, capazes de serem enquadradas nos crimes de liderança de organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito e golpe de Estado.

Portanto, já havia por parte dessa pessoa a intenção e a predisposição de agir na contramão da lei. Ainda que, em sua defesa seja alegado o desconhecimento jurídico, desde que se iniciaram os acampamentos em portas de quartéis-generais, manifestações clamando por ruptura institucional e outros despautérios antidemocráticos, diversos veículos de comunicação e de informação já alertavam a respeito da inconstitucionalidade e da configuração criminosa desses comportamentos. Razão pela qual, o batom na estátua não pode sustentar uma tese de natureza tão vitimista.

Já dizia Pablo Neruda, “Você é livre para fazer suas escolhas, mas é prisioneiro das consequências”. Por isso, cuidado com o batom! Se olharem só para o que ele é capaz de normalmente produzir, podem tender ao exercício da benevolência, por se tratar de um ato de menor relevância. Mas, se dissecarem as camadas por trás dele, podem entender a gravidade, ali escondida, e não permitir que tais atos deixem de receber a devida repreenda. Assim, lembre-se de que, em um piscar de olhos, o sensual pode se tornar um escândalo. 

quarta-feira, 26 de março de 2025

Sobre (in)tolerâncias


Sobre (in)tolerâncias  

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Geralmente, em casos de ampla visibilidade, ao se tornarem réus, os indivíduos costumam ir a público tecer manifestações em defesa própria. Eis que, hoje, vimos acontecer o contrário, no Brasil. O ex-presidente da República, um dos 8 indivíduos tornados réus pelo Supremo Tribunal Federal (STF), nessa manhã, optou por uma comunicação, aos veículos de mídia, totalmente desprovida de coerência e senso lógico.

Como ele já se mostrou, diversas vezes, inclusive sob a análise das próprias acusações que o tornaram réu, um estrategista, não creio que a fala tenha se dado de maneira improvisada e repentina. Diante da situação, a opção por manifestar uma insanidade oportuna pode ter sido o caminho escolhido para se defender. Afinal, a robustez dos elementos que instruíram a admissibilidade do caso, pelo STF, é incontestável.

Então, pelo menos em relação aos seus apoiadores e simpatizantes, a aparente insanidade pode desencadear alguma sensibilização. Trata-se da velha práxis de se colocar na posição de vítima das circunstâncias, tentando angariar uma piedade benevolente, a qual ele nunca soube exercer a reciprocidade. Aliás, enquanto esteve no centro do poder, seus comportamentos irresponsáveis, impulsivos, emocionais, explosivos e de risco, já levantavam suspeitas de ele apresentar um quadro de sociopatia. Contudo, nada a respeito foi sequer investigado.

Agora, experenciando uma situação inédita, no curso da sua vida, ele está profundamente desconfortável. Ciente da gravidade e da complexidade das acusações, ele não parece devotar a sua plena confiança à defesa jurídica e, por isso, apela para tentar construir uma defesa popular, com base na persuasão e na tolerância de seus asseclas.

Daí o argumento da insanidade ganhar espaço. Ao surgir em público visivelmente ansioso, demonstrando dificuldade de concentração e raciocínio, às vezes, irritado, ele se mostra afetado pelos acontecimentos na esfera jurídica, os quais se pronuncia injustiçado.

Se a extravagante estratégia vai efetivamente funcionar, só o tempo dirá! Os outros 7 réus também farão suas defesas e muita água pode rolar por debaixo dessa ponte. Aliás, muito esgoto! Porque no afã de se eximirem das responsabilidades que lhes são atribuídas, muita coisa ainda não dita pode vir à tona e gerar um verdadeiro tsunâmi de desdobramentos. Nem tudo foi dito. Há muitos silêncios a serem desvendados. Afinal, estamos falando de cinco crimes: liderança de organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado e, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado. Cujas penas podem somar mais de 40 anos de reclusão.

Seja como for, esse é um momento importantíssimo para o Brasil, para a sua construção identitária cidadã. Um tempo de ampla e profunda reflexão sobre nossas crenças, valores e princípios. As terríveis fendas que o movimento ultradireitista, com o apoio de outros matizes da Direita, impôs ao país, nos últimos anos, levou-nos a uma obrigatória reflexão: “A tolerância ilimitada leva ao desaparecimento da tolerância. Se estendermos a tolerância ilimitada mesmo aos intolerantes, e se não estivermos preparados para defender a sociedade tolerante do assalto da intolerância, então, os tolerantes serão destruídos e a tolerância com eles” (Karl Raimund Popper - “Paradoxo da tolerância”,1945).

Portanto, um dos vieses sobre os quais o STF se debruça, nesse caso, diz respeito à disseminação da intolerância, presente em cada uma das 5 acusações apresentadas aos réus. Uma intolerância que não se furtou a afrontar a civilidade, o respeito, o senso coletivo, os direitos humanos, porque, como dizia Umberto Eco, “Fundamentalistas dão um toque de arrogante intolerância e rígida indiferença para com aqueles que não compartilham suas visões de mundo”.  

domingo, 23 de março de 2025

O Brasil no divã

O Brasil no divã

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Segundo Carl Gustav Jung, “Tudo o que nos irrita nos outros pode nos levar a uma melhor compreensão de nós mesmos” 1. Traduzindo em miúdos, quando se aponta o dedo para alguém não se deve esquecer de que seus outros quatro dedos estão apontando para você.

Bem, nas últimas semanas, foi noticiado pela mídia brasileira que apoiadores e simpatizantes da ultradireita estavam “levantando informações sobre os bens dos ministros do STF (Supremo Tribunal Federal)” 2, fora do Brasil. No entanto, o suposto “licenciamento” de um Deputado Federal pelo estado de São Paulo, pertencente à ultradireita brasileira, trouxe à tona a realidade patrimonial que ele dispõe nos EUA, para garantir as condições nababescas em que está vivendo com a família naquele país 3.

Olha só, os quatro dedos aí! Enquanto a ultradireita tenta desqualificar e afrontar, de todas as maneiras, os ministros do STF, diante do governo estadunidense, eis que, como diria Cazuza, “Tuas ideias não correspondem aos fatos...” 4. Quem deveria dar explicações a respeito do vultoso patrimônio acumulado na terra do Tio Sam é o referido deputado e sua família; pois, não é de hoje que muito dinheiro foi sendo levado para lá. Algo que desconstrói por completo o vídeo vitimista divulgado por ele, assim que chegou aos EUA 5.

Não é difícil pensar, então, que o distanciamento do Brasil visou buscar um espaço de influência opositora, sem estar submetido às normas jurídicas brasileiras. Lá fora, eles se sentem seguros para não serem responsabilizados por suas inverdades fantasiosas; pois, os EUA já deixaram claro que certas condutas em seu território não são passíveis de criminalização.

Assim, através das redes sociais, ele pode permanecer atuando junto à sua rede de membros, apoiadores e simpatizantes da ultradireita, no Brasil. Além disso, ele conta com o apoio de elementos ultradireitistas brasileiros, foragidos da justiça, que já residem por lá, para colocar em prática as suas ideias.

E podendo piorar a situação, o presidente da Câmara dos Deputados oficializou o afastamento do referido deputado, após solicitação de licenciamento do mandato. Segundo o Regimento Interno da Câmara dos Deputados, artigo 235, “O Deputado poderá obter licença para: I - desempenhar missão temporária de caráter diplomático ou cultural; II - tratamento de saúde; III - tratar, sem remuneração, de interesse particular, desde que o afastamento não ultrapasse cento e vinte dias por sessão legislativa; IV - investidura em qualquer dos cargos referidos no art. 56, I, da Constituição Federal”.

No entanto, como já é de conhecimento público, não é de hoje que ele busca articular com o governo dos EUA, contra possíveis abusos que estariam acontecendo no Brasil. O que parece não se alinhar à justificativa de “tratar, sem remuneração, de interesse particular, desde que o afastamento não ultrapasse cento e vinte dias por sessão legislativa”, que foi apresentada à Câmara dos Deputados. Ora, se tal argumento é aceito, isso significaria que o Legislativo Federal sustenta, então, as hipóteses absurdas que vêm sendo propagadas internacionalmente pelo deputado e seus asseclas, contra o país. E isso é muito grave!

Em cada movimento que a ultradireita estabelece com o apoio do restante do espectro direitista brasileiro, novas peças do ideário golpista, que paira sobre o país, vão se encaixando. Chega a ser curioso como a trilha do chamado “Follow the Money” (siga o dinheiro) lança luz sobre as diversas camadas que compõem esse roteiro nefasto. Como dizem, por aí, “Puxa-se uma pena e vem o galinheiro inteiro”!

Até aqui, quantas notícias a respeito de superfaturamento com lojas de chocolate, imóveis adquiridos com pagamento em espécie e valor inferior ao preço de mercado, repasses de parte dos salários de assessores para o parlamentar ou secretário a partir de acordo como exigência para a função. ... Algo que se junta às recentes informações sobre o vultoso patrimônio acumulado nos EUA, e possibilita questionar sobre um panorama ainda mais incompatível a renda parlamentar.  

Portanto, torna-se imprescindível que as autoridades brasileiras se atentem rapidamente a esses fatos. Afinal, por trás de ações delituosas, quase sempre, se tem uma rede robusta de financiamento para as ações. Ao que parece, o capital que está servindo ao objetivo de atentar contra a soberania nacional 6 se encontra depositado além-mar.



1 Memórias, sonhos, reflexões (1961).

4 O Tempo Não Pára - Cazuza (1988) / Compositores: Agenor De Miranda Araujo Neto / Arnaldo Pires Brandão

6 Art. 359-I. Negociar com governo ou grupo estrangeiro, ou seus agentes, com o fim de provocar atos típicos de guerra contra o País ou invadi-lo. (LEI Nº 14.197, DE 1º DE SETEMBRO DE 2021). 

quinta-feira, 20 de março de 2025

O crônico mau humor do mercado...

O crônico mau humor do mercado...

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

A histeria da ultradireita a fim de tensionar a impressão popular a respeito do governo, é mesmo insana.  O dia em que o mercado aprovar um governo progressista, no Brasil, algo estará realmente fora dos eixos. Afinal, o mercado é um ente historicamente destinado a garantir as regalias e os privilégios econômicos das elites dominantes. Portanto, eles não querem nenhum modelo político que busque mitigar as desigualdades socioeconômicas.

E quem é o mercado? Ele se constituiu concomitantemente à Revolução Industrial, na segunda metade do século XVIII. Trata-se, portanto, de um sistema econômico cujas decisões a respeito de investimentos, produção e distribuição de bens, produtos e serviços são orientadas por sinais de preços oriundos da lei da oferta e da procura. Nesse sentido, é a presença dos mercados de recursos (mão de obra, capital e terra) que desempenham um papel dominante na alocação de capital e nos fatores de produção.

Diante dessa explicação, não é difícil de entender, por exemplo, qual a razão de o cidadão brasileiro não receber um salário-mínimo, segundo estabelece a Constituição Federal de 1988, ou seja, “capaz de atender às suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim” (art. 7º, inciso IV). Isso, por si só, já dá materialidade à precarização do trabalho, no Brasil, segundo os interesses do mercado.

O mercado, então, só tem preocupação com seus próprios interesses. Assim, expandindo o olhar para o mundo, a relação dos mercados interfere diretamente na dinâmica econômica dos países. Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), no início de 2025, “O crescimento econômico global deve permanecer em 2,8% em 2025, inalterado em relação ao ano passado. O relatório produzido pelo Departamento de Assuntos Econômicos e Sociais da ONU (DESA) destaca o impacto duradouro do baixo investimento, da baixa produtividade e dos altos níveis de dívida no desempenho econômico global” 1.

Além disso, “espera-se que muitos países em desenvolvimento enfrentem pressões inflacionárias persistentes, com um em cada cinco experimentando taxas de dois dígitos.  Altos encargos de dívida e acesso limitado a financiamento internacional continuarão a dificultar a recuperação. A inflação dos alimentos continua sendo um problema urgente, com quase metade dos países em desenvolvimento apresentando taxas acima de cinco por cento. Isso agravou a insegurança alimentar, principalmente em países de baixa renda que já enfrentam eventos climáticos extremos, conflitos e instabilidade econômica. O relatório alerta que a inflação persistente dos alimentos, aliada ao lento crescimento econômico, pode levar milhões de pessoas ainda mais à pobreza”.

Daí a importância dos governos não se renderem às pressões do mercado e manterem o seu compromisso com a população; sobretudo, as parcelas mais frágeis e vulneráveis. É fundamental que ações multilaterais ousadas para abordar crises globais interconectadas, incluindo dívida, desigualdade e mudanças climáticas, sejam tomadas. De acordo com o relatório, os governo têm sido instados “a se concentrar em investimentos em energia limpa, infraestrutura e setores sociais essenciais, como saúde e educação”, a fim de que haja um desenvolvimento global mais equitativo e sustentável.

Ocorre que o grande desafio do momento seja a crescente demanda industrial por minerais raros, como lítio e cobalto. Em razão do alto desenvolvimento tecnológico, promovido pela Revolução industrial 4.0, “Para países em desenvolvimento ricos em recursos, esses minerais oferecem potencial de crescimento, criação de empregos e aumento de receitas para acelerar o progresso em direção aos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). No entanto, o relatório alerta que a má governança, práticas trabalhistas inseguras e degradação ambiental podem prejudicar os benefícios a longo prazo e agravar as desigualdades”. E a história já mostrou como se comporta a cobiça dos mercados, diante das novidades, e quais as consequências nefastas resultam disso.  

Assim, façamos uma reflexão profunda a respeito do que acontece no planeta e repercute em nossas vidas cotidianas. Como tão bem manifestou Pepe Mujica, ex-presidente do Uruguai, “O deus mercado organiza a economia, a vida e financia a aparência de felicidade. Parece que nascemos só para consumir e consumir. E quando não podemos, carregamos frustração, pobreza e autoexclusão”.  Por isso, muita atenção às nossas próprias práxis; afinal, “A espécie humana e a economia global podem muito bem continuar crescendo, mas muito mais indivíduos passam fome e privação” (Yuval Noah Harari).