O grande
mal da humanidade ...
Por
Alessandra Leles Rocha
Começo a acreditar, cada vez com
mais força, que reside na permissividade humana o grande mal da
contemporaneidade. Afinal, ela tende a relativizar questões inegociáveis, as quais
visam garantir o equilíbrio da existência e da coexistência social. O mais
recente exemplo, ocorreu, ontem, durante a marcha do Acampamento Terra Livre
(ATL) em direção ao Congresso Nacional, em Brasília (DF). Um grupo de indígenas
foi brutalmente reprimido pela força policial. Inclusive, uma deputada
indígena, do Psol-MG. O motivo da manifestação era mais que legítimo, ou seja, findar
quaisquer discussões contrárias ao já estabelecido pela Constituição Federal de
1988, em seu artigo 231.
Mas, o que está por trás dessa
permissividade humana? Apesar de repetitiva, a resposta é o nosso ranço colonial.
Vejam, só dá permissão a alguém, de fazer ou não fazer alguma coisa, aquele que
detém algum poder. O que, no Brasil, continua sendo as elites, o topo da pirâmide
social. Sendo assim, se encontra em suas mãos o poder de decidir, escolher,
determinar, estabelecer, legislar, sobre o país e seus cidadãos. Como fizeram seus antepassados, descendentes da Metrópole portuguesa,
durante o período de colonização.
De modo que essa estrutura de
poder, que vem sendo repassada de geração em geração, agora, na
contemporaneidade, tem se reafirmado, especialmente por parte do Estado, por
meio de ações e/ou omissões, quem pode ter garantida a sua dignidade humana. Mas,
não somente isso. Quem pode falar, decidir, escolher, determinar, estabelecer, ...
O que significa que essa permissividade se transformou em instrumento claro de
legitimação para um gigantesco espectro de violências sociais e, portanto, para
a fragilização e vulnerabilização da vida.
Pois é, a desvalorização da vida
não é um fato recente, na historicidade brasileira! Ela é uma chaga antiga! Os cidadãos
brasileiros estão, há pouco mais de 500 anos, expostos a uma assimetria da importância
social. De modo que algumas vidas são importantes e outras não. Algo que tornou
as desigualdades sociais um fenômeno banalizado e trivializado, dentro do
inconsciente coletivo nacional. Fato que obriga as minorias a viverem sob permanente
luta da sua dignidade e direitos, enquanto as elites se refugiam na insensibilidade,
na indiferença e no exercício da sua pseudossuperioridade, para defenderem a
sua inação.
Se diariamente os veículos de imprensa,
nacionais e estrangeiros, noticiam a espetacularização da barbárie brasileira,
em sua mais absoluta diversidade e pluralidade de manifestações, é porque esse
ranço colonial, transpirado pelas elites, permanece autorizado pelos
comportamentos permissivos. Racismo. Feminicídio. Trabalho análogo à escravidão.
Homofobia. Aporofobia. Intolerância religiosa. Garimpos. Uso e ocupação
indevida de terras. Genocídio indígena. ... Exemplos dessa anuência perversa e
cruel, não faltam! Desde que a histórica estruturação econômico-social seja
preservada, a omissão silenciosa insiste em se manter atuante.
Essa é a verdade nua e crua sobre
a realidade brasileira. É o que explica o protecionismo criminoso entre os membros
das elites, ou os deslizes e desvirtuamentos na aplicação das leis, ou o clamor
pela anistia aos crimes de flagrante atentado à Democracia e às Instituições,
ou um fisiologismo político-partidário abjeto, ou a ausência de identidade
cidadã , ... Martin Luther King Jr. dizia, “A verdadeira medida de um homem
não se vê na forma como se comporta em momentos de conforto e conveniência, mas
em como se mantém em tempos de controvérsia e desafio”.
Por isso, não nos esqueçamos de
que “As pessoas sabem aquilo que elas fazem; frequentemente sabem por que
fazem o que fazem; mas o que ignoram é o efeito produzido por aquilo que fazem”
(Michel Foucault). Razão pela qual, “Existem momentos na vida onde a
questão de saber se se pode pensar diferentemente do que se pensa, e perceber
diferentemente do que se vê, é indispensável para continuar a olhar ou a
refletir” (Michel Foucault).