domingo, 22 de junho de 2025

O mundo. Seus pedaços. Seus remendos.


O mundo. Seus pedaços. Seus remendos.

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Não, não adianta negar. Fugir. Se esconder. Desconversar. O cenário atual do mundo, repleto de guerras e conflitos, não deixa dúvidas quanto a um processo de desdemocratização global. Em linhas gerais, isso significa que as correntes de poder, lideradas principalmente pela ultradireita, estão imbuídas em trabalhar a favor da redução de direitos, liberdades e participação popular.

Guerras e conflitos são um prato cheio para essa ideia. Afinal, eles estabelecem um cenário bastante favorável à submissão e ao desalento, por parte de todos aqueles que se encontram abaixo das linhas de poder. Não é à toa que a beligerância vem explodindo de um lugar para outro, sem trégua, sem limites, sem razão.

Na verdade, esse é um processo contextualizado pelas idas e vindas dos ciclos colonizatórios e imperialistas, os quais a historicidade tem muito a revelar. O que importa, diante da conjuntura atual, é entender as razões que levam certos grupos a lançarem mão da desdemocratização como estratagema de manutenção e preservação de poder.

O grande passo dado pela humanidade com a Revolução Industrial, na segunda metade do século XVIII, fracassou nas suas promessas. A começar pelo fato, por exemplo, de que a autorregulação do mercado, sem intervenção estatal, não foi capaz de garantir o bem-estar social. Além disso, os custos sociais e ambientais das atividades econômicas, como poluição e degradação ambiental, mostraram-se inúteis e desproporcionais diante de recursos naturais finitos, os quais a qualquer momento podem causar a paralização dos processos. Assim, busca-se com a deflagração de um estado de beligerância global promover um elevado tensionamento social que submeta a população aos ordenamentos impostos pelas forças de poder.

Algo já conhecido historicamente nos tempos coloniais e/ou imperialistas. Acontece que nesse tipo de geopolítica, em pleno curso, na contemporaneidade, há uma nova sistemática de apropriação indevida do espaço geográfico e, portanto, um rearranjo das fronteiras e limites territoriais, à revelia da soberania dos países. De modo que os ciclos exploratórios, sob diferentes formas e conteúdos, acontece alheia aos parâmetros jurídicos, inclusive, do direito internacional. Essa grave violação de direitos, geralmente através da força militar e com a perda de autonomia da região colonizada, ameaça populações inteiras, no que diz respeito à sua identidade e patrimônio nacional.    

Sem contar que, dentro desse contexto, o papel da desdemocratização busca enfraquecer as instituições locais, estabelecer leis que enfraquecem, de diferentes maneiras, o exercício cidadão, acirrar a desigualdade social e econômica, usar a máquina estatal em favor dos seus interesses privados, e, por fim, causar a erosão completa do Estado de Direito a fim de que as leis existentes sejam aplicadas de forma seletiva ou não sejam respeitadas.

É isso o que está acontecendo no mundo, em pleno século XXI. Para garantir que os processos industriais permaneçam, por mais algum tempo, viáveis e que a acumulação de capitais esteja dentro dos parâmetros esperados pelas elites do poder, esse é o preço que está sendo cobrado da humanidade. Haja vista a escalada de violência e de práxis autoritárias, que vem sendo empregada nas guerras e conflitos, em curso.

Bem, dizia Agustina Bessa-Luís, escritora portuguesa, “As guerras não surgem por motivos econômicos ou passionais. É uma atitude de indivíduos abandonados à razão, incluindo a razão do seu mundo interior isolada do mundo exterior”. Mas, seja por qual motivo for, a única verdade é que “Ninguém ganhou a última guerra nem ninguém ganhará a próxima” (Eleanor Roosevelt - Ex-primeira-dama dos Estados Unidos).

Afinal, “Não é a paz que lhe interessa. Eles se preocupam é com a ordem, o regime desse mundo. (...) O problema deles é manter a ordem que lhes faz serem patrões. Essa ordem é uma doença em nossa história” (Mia Couto - O Último Voo do Flamingo, 2000). Por essa razão, “Sorte a dos que, deixando de ser humanos, se tornam feras. Infelizes os que matam a mando de outros e mais infelizes ainda os que matam sem ser a mando de ninguém. Desgraçados, enfim, os que, depois de matar, se olham ao espelho e ainda acreditam serem pessoas” (Mia Couto - Mulheres de Cinza, 2015).


DOE SANGUE. VOCÊ PODE.

Saiba mais em

sábado, 21 de junho de 2025

Para cada criança no mundo ...

“A infância não é um tempo, não é uma idade, uma coleção de memórias. A infância é quando ainda não é demasiado tarde. É quando estamos disponíveis para nos surpreendermos, para nos deixarmos encantar. A infância é uma janela que, fechada ou aberta, permanece viva dentro de nós”.

(Mia Couto. Tradutor de chuvas. Portugal: Ed Caminho, 2015.)

20 de junho - Dia Mundial do Refugiado


Todos os anos, em 20 de junho, o mundo honra a força e a coragem das pessoas que foram forçadas a deixar seu país de origem em função de conflitos, perseguições e violações de seus direitos. A data reforça a necessidade de seguir defendendo o direito delas de buscar proteção e de serem devidamente incluídas no país de acolhida.

Saiba mais em

https://www.acnur.org/br/dia-mundial-do-refugiado


quinta-feira, 19 de junho de 2025

Documentário: "REY, ciência em defesa da vida"


Ele foi para a Amazônia como médico. Levou jovens para conhecer a realidade do país. Foi proibido de ensinar e pesquisar pelo regime militar. Combateu as doenças da pobreza em diversos países. Orientou e formou dezenas de alunos. Escreveu livros. 'Rey, ciência em defesa da vida' é um documentário sobre o legado de um brasileiro. Realização: Instituto Oswaldo Cruz / Fiocruz Apoio: Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde / Fiocruz Ano da produção: 2018 Distribuição: VideoSaúde Distribuidora da Fiocruz e Editora Fiocruz

Cientistas fazem apelo para uma resposta coordenada e sistêmica visando a proteção de crianças expostas a agrotóxicos

Em artigo de discussão recém-publicado na revista STOTEN (Science of The Total Environment, Volume 990), o professor Rafael Buralli, do Departamento de Política, Gestão e Saúde da FSP-USP, lidera um time internacional de autores em um importante e urgente chamado à ação, envolvendo a vigilância e a proteção à saúde de crianças expostas a agrotóxicos em áreas rurais de países com menor renda. [...]

Saiba mais e leia o artigo na íntegra em

https://www.fsp.usp.br/site/noticias/mostra/61692

14 de junho - Dia Mundial do Doador de Sangue 2025

Todos os anos, em 14 de junho, o mundo celebra o Dia Mundial do Doador de Sangue para agradecer aos doadores voluntários e não remunerados por suas contribuições que salvam vidas e para conscientizar sobre a necessidade contínua de doar sangue regularmente para garantir a qualidade, a segurança e a disponibilidade de sangue e hemoderivados para as pessoas que necessitam.

As transfusões de sangue são essenciais:

¨para mulheres que sofrem hemorragias durante a gravidez e o parto;

¨para crianças que sofrem de anemia grave devido à desnutrição ou por causa da malária;

¨permitem realizar procedimentos médicos e cirúrgicos complexos e melhoram as taxas de sobrevivência e a qualidade de vida de muitos pacientes;

¨para pessoas que necessitam de tratamentos periódicos ou contínuos, como aquelas com anemia falciforme, talassemia, hemofilia ou imunodeficiências; e

¨em situações de emergência para atender as pessoas feridas em desastres naturais, acidentes e conflitos armados.

Lema da campanha deste ano

O lema da campanha deste ano é: "Doe sangue, doe esperança: juntos, salvamos vidas".

Esta mensagem destaca a capacidade dos doadores de sangue de levar vida a quem precisa. O objetivo é conscientizar a população de que vidas podem ser salvas pelo simples ato de doar sangue. A campanha apresentará histórias de pessoas que sobreviveram graças a doações, publicará depoimentos de doadores, incentivará doadores regulares a manterem seu compromisso e motivará pessoas saudáveis, especialmente jovens adultos, a doar sangue pela primeira vez.  

Para promover o tema do Dia Mundial do Doador de Sangue, podem ser organizadas atividades como eventos comemorativos, encontros e workshops, cerimônias de agradecimento aos doadores, campanhas nas redes sociais, programas especiais nos meios de comunicação, apresentações musicais e artísticas em homenagem aos doadores de sangue e publicações de experiências relevantes, entre outras iniciativas. 

Os objetivos da campanha deste ano são:

¨Sensibilizar a opinião pública sobre a necessidade de doar sangue e plasma para cuidar da saúde das pessoas.

¨Convencer pessoas a doarem sangue regularmente, ajudando a manter reservas estáveis ​​e suficientes.

¨Destacar o impacto positivo da doação de sangue na saúde e no bem-estar de outras pessoas e promover a solidariedade, a compaixão e o espírito comunitário por meio deste ato.

¨Obter o apoio de governos e parceiros para o desenvolvimento a fim de investir na criação e manutenção de programas nacionais de doação de sangue que permitam realizar transfusões seguras em todo o mundo.

Fonte: https://www.paho.org/pt/campanhas/dia-mundial-do-doador-sangue-2025# 

terça-feira, 17 de junho de 2025

Resex Chico Mendes: Um legado de luta pelas florestas.


Em 1985, Chico Mendes fundou, junto com outras lideranças a Aliança dos Povos da Floresta, que unia indígenas, ribeirinhos e povos extrativistas. Juntos eles criaram o conceito das Resex (Reservas Extrativistas), áreas de floresta protegidas por leis e conservadas com ajuda da população local usando técnicas extrativistas não predatórias. As primeiras Resex, foram criadas apenas cinco anos depois da criação da Aliança, em 1990, pouco mais de um ano depois do assassinato de Chico Mendes. Uma das primeiras recebeu o nome de Chico Mendes. Hoje, mais de 30 anos após a criação das Resexs, essas áreas de floresta continuam ameaçadas por invasores que querem destruí-las para transformar em pasto. A família de Chico continua lutando pela preservação das Resex e aposta na juventude para dar continuidade a esse legado. #ChicoMendes #Resex #EuUsoAMinhaVozPelasFlorestas #ChicoVive #JuntosÉpossível

segunda-feira, 16 de junho de 2025

Já parou para pensar???


Já parou para pensar???

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Cada dia mais, observando a contemporaneidade, me convenço de que as opiniões não são tecidas, na maioria das vezes, por ignorância; mas, por dissonância cognitiva ou por satisfação de algum interesse impróprio.  Haja vista o embate que vem sendo travado no Congresso Nacional, pela Direita e seus matizes, e o Executivo, na figura do Ministério da Fazenda.

É sempre importante lembrar que a historicidade não se resume aos instantes fotográficos; mas, ao filme em si. Dito isso, olhemos para o Brasil de forma retrospectiva.  Bem, depois de 21 anos de Ditadura militar, a redemocratização nacional teve início em 1985, ainda que a contragosto de diversos segmentos da sociedade, especialmente, aqueles que foram simpatizantes, apoiadores e/ou executores do golpe de 1964. Basicamente, indivíduos pertencentes ao espectro político-partidário de Direita.

Sobre eles pairava uma nuvem de desconfiança e temor de que o progressismo pudesse interferir na manutenção dos seus interesses e poderes, no âmbito da República.  Acontece que, diante da dinâmica dos acontecimentos pregressos, ela própria, incluindo os seus elementos mais radicais e extremistas, foi convencida de que um dos caminhos para a pavimentação do processo de resgate democrático seria a aceitação de uma Assembleia Nacional Constituinte.

Assim, ao longo de 18 meses, entre 1987 e 1988, estabeleceu-se um novo marco jurídico-institucional no país, com a garantia de direitos e liberdades individuais, a promoção da igualdade de gênero, a criminalização do racismo e a proibição da tortura. De modo que a Constituição, promulgada em 05 de outubro de 1988, ficou conhecida como "Constituição Cidadã", devido à sua ampla garantia de direitos e liberdades individuais e sociais.

No entanto, ao longo desses 37 anos, em tese, acalmadas as desconfianças e temores pós-ditadura, o sentimento de insatisfação, por parte de muitos simpatizantes, apoiadores e membros da Direita e seus matizes; sobretudo, os mais radicais e extremistas, reacendeu. Aliás, um recrudescimento significativo depois de assistirem à ascensão progressista ao poder, no país. Algo que vem, então, motivando um conjunto de práxis que não só afrontam a Carta Magna de 1988; mas, promovem uma deterioração às conquistas nela estabelecidas.

Haja vista como ela enfrenta desafios em sua implementação e efetivação. Direitos como saúde, educação, moradia e transporte, estão longe de uma garantia plena e igualitária. Há problemas de financiamento, acesso desigual e falta de regulamentação de algumas normas, ou seja, o país carece da efetivação de políticas públicas que promovam uma igualdade cidadã. Aí surge a pergunta que não quer calar: a quem pertence a função primordial de criar e aprovar leis que regem a sociedade? Bingo! As casas legislativas federais, ou seja, ao Congresso Nacional.

Portanto, esse é o ponto.  Ao longo desses 37 anos, sob a influência de simpatizantes, apoiadores e membros da Direita e seus matizes; sobretudo, os mais radicais e extremistas, o Brasil tem presenciado inúmeras tentativas de asfixia da governabilidade, predominantemente, ao longo dos governos de viés progressista. É flagrante o modo como os parâmetros estabelecidos constitucionalmente, no que diz respeito às questões de igualdade, justiça social e direitos humanos, são afrontados todos os dias.  

Nesse contexto, a melhoria das condições sociais, econômicas e políticas, decorrente de reformas e mudanças estruturais, enfrenta, constantemente, inúmeras tentativas de boicote e obstaculização. Como no episódio recente experenciado pelo Ministério da Fazenda.

De modo que o arraigamento demonstrado no discurso liderado pelos simpatizantes, apoiadores e membros da Direita e seus matizes, sinaliza um distanciamento absoluto em relação à busca por propiciar um desenvolvimento mais justo, igualitário e sustentável, ao país. Então, a culpa do seu descontentamento raivoso não é dos governos progressistas, nem tampouco, da própria Constituição vigente!

Tamanha animosidade tem suas raízes na historicidade nacional, no ranço colonial brasileiro. Não se pode negar que o período colonial deixou marcas profundas, por aqui, como as desigualdades sociais, a concentração de terras, os padrões culturais, o enviesamento desproporcional na organização da sociedade e uma relação de dependência com o exterior. Questões que, portanto, resistem e persistem na sociedade brasileira contemporânea.

Assim, um dos aspectos mais relevantes para reflexão, se apresenta pela hierarquização social, durante o Brasil Colônia, a qual estabelece uma divisão baseada em critérios raciais e econômicos. No topo, proprietários de terra (latifundiários), comerciantes e burocratas portugueses, que controlavam a economia e a política.

Abaixo deles, havia uma camada intermediária composta por homens livres, muitos deles mestiços, que exerciam atividades como pequenos comércios e ofícios, e atuavam como soldados na defesa da colônia. Por fim, na base da pirâmide social, encontravam-se os indígenas e os africanos escravizados, que eram a força de trabalho principal e sujeitos às condições de vida extremamente precárias.

De modo que a tal elite agrária representa a ancestralidade, hoje, manifesta pelos elementos da Direita e seus matizes. Daí a perpetuação do discurso colonial, visto que os detentores do poder econômico e político permanecem inseridos na mesma linhagem histórica. Portanto, não se permita esquecer que “A história é um profeta com o olhar voltado para trás: pelo que foi, e contra o que foi, anuncia o que será” (Eduardo Galeano - escritor e jornalista uruguaio). 

sexta-feira, 30 de maio de 2025

PL 320/2025 - O mundo está, ou não, sob o impacto de emergências climáticas?


PL 320/2025 - O mundo está, ou não, sob o impacto de emergências climáticas?

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Afinal, o mundo está, ou não, sob o impacto de emergências climáticas? O motivo da pergunta é o Projeto de Lei (PL) 320/2025, aprovado pela Comissão de Agricultura (CRA) do Senado brasileiro, que “autoriza a renegociação de até R$ 60 bilhões em dívidas de produtores rurais impactados por eventos climáticos extremos desde 2021” 1. Afinal de contas, entre os nobres legisladores da República, uma parcela bastante significativa é enfaticamente negacionista em relação aos eventos extremos do clima.

Assim, por uma coerência ética, é fundamental que eles esclareçam os fatos. Especialmente, considerando que o texto desse PL prevê a securitização dessas dívidas, convertendo-as em títulos garantidos pelo Tesouro Nacional, com prazos de até 20 anos e carência de três anos para o início dos pagamentos. A redução das taxas de juros, que poderão variar entre 1% e 3% ao ano, além de bônus por adimplência e prorrogação automática das prestações em caso de novos desastres naturais. A criação de uma linha especial de crédito pelo BNDES, com juros de até 5% ao ano, voltada à recuperação de solos e sistemas de irrigação.

Considerando o velho ranço colonial brasileiro, não é de se espantar que esse PL se mostre visivelmente uma homogeneização da questão, abstendo-se de uma análise criteriosa, dentro do espectro do agronegócio nacional, a fim de estabelecer aqueles produtores verdadeiramente impossibilitados de enfrentarem autonomamente os impactos causados por eventos climáticos.  O que significa abranger a todos, sem distinção; mas, beneficiando direta e prioritariamente a elite representada pelos grandes proprietários de terras, no país. Sem contar, que não há quaisquer menções no sentido de estabelecer uma contrapartida, em termos de ações socioambientalmente responsáveis e capazes de uma mitigação sistemática às emergências climáticas.

Queiram ou não admitir, tal ideia representa um poço sem fundo. Haja vista que a manutenção do descompromisso em relação às políticas de desenvolvimento sustentável, as quais se alicerçam pelo tripé do crescimento econômico, da inclusão social e da proteção ambiental, fará desse PL um veio de desperdício orçamentário, sem precedentes. É preciso entender que toda atividade econômica tem os seus riscos inerentes. No caso do agronegócio, independentemente do recrudescimento das mudanças climáticas, as condições naturais em si, já representam um risco. Obter benefícios governamentais sem assumir compromissos e responsabilidades para o enfrentamento da nova realidade climática global é simplesmente imoral.

Sobretudo, porque quaisquer que sejam os montantes de recursos capitais empenhados, por si só eles não têm quaisquer capacidades de reversão dos agravos no quadro ambiental vigente. A máquina do agronegócio depende, necessariamente, da manutenção do equilíbrio ecossistêmico. De modo que a superexploração de recursos naturais, como irrigação excessiva, desmatamento, utilização de queimadas e contaminação do solo por agentes poluidores, gera impactos negativos, comprometendo a sustentabilidade e a viabilidade das atividades do setor. No caso específico das temperaturas extremas e dos eventos climáticos, cada vez mais frequentes, eles tensionam diretamente a capacidade produtiva, gerando oscilações de mercado, ou seja, variações de preços, lei da oferta e da procura e mudanças nas políticas de comércio exterior 2.

Ao que tudo indica, então, o PL 320/2025 não só se abstém do apoio e do engajamento às políticas de desenvolvimento sustentável, para o setor do agronegócio; mas, também, da preocupação com a suficiência da produção nacional e, por consequência, com a segurança alimentar da população. Aliados e simpatizantes ao setor do agronegócio, no legislativo federal brasileiro, estão sim, preocupados com a manutenção das suas regalias e privilégios históricos ainda que isso signifique se beneficiar de recursos governamentais apesar do cenário improdutivo, ou de baixa produção, decorrente do seu arraigamento ideológico negacionista.   


quinta-feira, 29 de maio de 2025

Qual é a sua visão de DESENVOLVIMENTO?


Qual é a sua visão de DESENVOLVIMENTO?

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

A contemporaneidade tem nos imposto uma análise reflexiva, a qual precisa dissecar camada por camada dos fatos e acontecimentos, para ser efetivamente compreensível. Talvez, por isso, a grande maioria das pessoas não se disponha a atuar nesse sentido, porque isso demanda algum tempo. Quando o assunto diz respeito às questões socioambientais, isso fica muito evidente!

Para início de conversa, é impossível entrar nessa seara, desconsiderando os impactos que o DESENVOLVIMENTO, impulsionado pelas Revoluções Industriais, apresenta. É certo que, nos idos do século XVIII, não se dispunha de uma compreensão ampla e aprofundada a respeito das reverberações e consequências que emergiriam da industrialização.

No entanto, seus apoiadores e financiadores se apressaram a propagar, de maneira maciça, uma visão idealizada e enviesada do assunto. O que significava estar alinhada a contemplar prioritariamente os benefícios, invisibilizando e/ou excluindo os malefícios. E esse é o ponto chave, que atormenta a realidade contemporânea.

As acaloradas e desrespeitosas discussões, que vêm acontecendo, nos últimos dias, no cenário político-partidário nacional, é prova cabal dessa situação1. A visão dissociativa entre DESENVOLVIMENTO, SOCIEDADE E MEIO AMBIENTE, revela como esse discurso foi secularmente moldado no inconsciente coletivo.

Com base na própria historicidade nacional, ou seja, o Brasil como ex-colônia de exploração da metrópole portuguesa, se entende por quais caminhos a noção de DESENVOLVIMENTO foi formulada, no país. Um DESENVOLVIMENTO voltado exclusivamente para a produção de riqueza, de lucro. Algo que, diante do passar do tempo, foi justificado por um fim. Qual seria ele? A geração de emprego e renda, o que para um país, com uma flagrante desigualdade socioeconômica, parece bastante convincente.

Só que não. Basta um breve passar de olhos pelos veículos de informação e de comunicação, diariamente, para ser confrontado com as marcas das desigualdades nacionais. Um sinal claro de que o DESENVOLVIMENTO, por aqui, dentro desses moldes, permanece satisfazendo aos interesses diretos das elites e seus meios de produção.

Por essas e por outras, esses indivíduos estão se manifestando de maneira belicosamente histriônica. A histórica conquista brasileira, a qual parecia se consagrar como uma reparação à irracionalidade dos ciclos exploratórios ocorridos no país, o LICENCIAMENTO AMBIENTAL não só impõe uma nova visão de DESENVOLVIMENTO; mas, incomoda a permanência das velhas práxis garantidoras dos interesses desse estrato social.

Vejam, a ausência de licenças para instalação, ampliação, modificação e operação de atividades que utilizam recursos naturais ou que podem causar impactos ambientais, é uma obstaculização gratuita ao DESENVOLVIMENTO. Com base nos exemplos retratados nos filmes MINAMATA (2021) 2, O PREÇO DA VERDADE (2019) 3 e ERIN BROCKOVICH (2000) 4, se torna facilmente compreensível o papel fundamental das licenças ambientais para evitar consequências e desdobramentos irreparáveis, capazes de impactar negativamente outros setores da sociedade.

Licenças ambientais não se baseiam em ideologias! Elas são instrumentos de natureza técnico-científica. Seu objetivo primordial é garantir a compatibilidade entre o desenvolvimento econômico-social e a proteção do meio ambiente, a partir da regulamentação das atividades que possam ser direta e/ou indiretamente causadoras de impactos negativos, inclusive, letais.

Mesmo com sua existência, no Brasil, não podemos jamais esquecer de episódios como os ocorridos em Mariana (2015) e em Brumadinho (2019). Cujos processos judiciais ainda se arrastam, repercutindo o sofrido e angustiante desalento dos atingidos; bem como, se mantêm expostos à força do poder capital dos responsáveis para não só postergar, mas inviabilizar as reparações e os ressarcimentos materiais estabelecidos pela Justiça.

Nada surpreendente se observado o modelo de DESENVOLVIMENTO presente na realidade brasileira, e que vem sendo defendido raivosa e estridentemente nos palcos político-representativos, a fim de gerar uma adesão social rasa e irreflexiva.  Relembrando Fernando Pessoa, o famoso poeta português, “O provincianismo consiste em pertencer a uma civilização sem tomar parte do desenvolvimento superior dela - em segui-la pois mimeticamente com uma insubordinação inconsciente e feliz”.

Assim, diante do cenário do século XXI, o que está em discussão é o DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL, “o desenvolvimento que encontra as necessidades atuais sem comprometer a habilidade das futuras gerações de atender suas próprias necessidades” (Gro Harlem Brundtland, ex-primeira-ministra da Noruega e líder internacional em desenvolvimento sustentável). O que significa que “A sustentabilidade é uma questão de vida ou morte para a humanidade” (Jacques Cousteau - oceanógrafo, cineasta e autor francês).

Lembre-se: “As letras e a ciência só tomarão o seu verdadeiro lugar na obra do desenvolvimento humano no dia em que, livres de toda a servidão mercenária, forem exclusivamente cultivadas pelos que as amam e para os que as amam” (Piotr Kropotkin - geógrafo e escritor russo). Somente nesse contexto é que a sociedade entenderá as palavras de Mahatma Gandhi, advogado, nacionalista anticolonial e eticista político indiano, “Cada dia a natureza produz o suficiente para nossa carência. Se cada um tomasse o que lhe fosse necessário, não havia pobreza no mundo e ninguém morreria de fome”.



3 O Preço da Verdade - Dark Waters | Trailer Legendado - https://www.youtube.com/watch?v=02QZ4fFXaoU

4 Erin Brockovich 2000 Official Trailer - https://www.youtube.com/watch?v=IRPjTMbSEG0


terça-feira, 27 de maio de 2025

O mundo e o ódio


O mundo e o ódio

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

A saga humana sobre a Terra é sim, marcada pelas idas e vindas do seu fracasso civilizatório. Domar o instinto primitivo, o bárbaro que habita as profundezas da inconsciência humana, não é tarefa fácil! De vez em quando, sob ondas rompantes e tenebrosas, o lado escuro da força se manifesta. O exemplo da ocasião é o ódio. Em todas as suas formas. Sob todos os pretextos. Odiar no mundo virtual. No mundo real.  Odiar...

E apesar de não mudar em nada, no curso da própria história de quem odeia, ele o faz porque o senso deturpado do individualismo lhe aponta esse tipo de comportamento como uma forma de poder. A ideia de poder odiar o outro resulta uma satisfação, um sentimento de coragem infracional, de superioridade social. Mas, não é só isso. O ódio ao outro exerce sempre a função de evitar que se enxergue a própria imagem, na sua devida dimensão factual.  

Assim, a pseudoideia de superioridade, de força, de capacidade, ... se mantém inabalável no indivíduo. Segundo o escritor tcheco Milan Kundera, “O valor de um ser humano reside na capacidade de ir além de ele próprio, de sair de dentro de si próprio, de existir dentro de si próprio e para as outras pessoas”. Talvez, por isso, o ódio seja tão importante para uns e outros, por aí.

Não é à toa que estudiosos no campo do comportamento identificaram a explosão do interesse e do compartilhamento do ódio nas mídias sociais. O ódio lidera na capitalização de recursos. De modo que, na busca de engajamento nesses espaços virtuais, a opção pela disseminação da paleta de manifestações odiosas cresce tão vertiginosamente.  Algo que vem fragmentando a dinâmica existencial em pequenos pretextos para a deflagração do ódio. Racismo. Xenofobia. Homo e Transfobia. Sexismo. Misoginia. Etarismo. Gordofobia. Aporofobia. Classismo. Capacitismo. Intolerância Religiosa. ...   

Daí o ódio ser cada vez mais atemporal e amplo na sua distribuição socioespacial. Não há um dia sequer em que os veículos de informação e de comunicação, tradicionais e alternativos, não exibam registros de ódio aqui, ali ou acolá. Aliás, essa intensificação discursiva, em torno da reverberação do ódio, acaba elevando a hostilidade ao nível de caminho único para a convivência e a coexistência humana.

Acontece que esse processo conduz a sociedade a um silenciamento coletivo, em nome do medo.  Os indivíduos começam a construir, ainda que subjetiva e metaforicamente, os seus muros, os seus guetos, as suas bolhas, as suas ilhas. De modo que somente nesses ambientes predeterminados é que eles se sentem confortáveis para ser, para existir. Ainda que, muitas vezes, pisando em ovos para evitar quaisquer abalos ou rupturas ao seu pertencimento e aceitação social.

Lembrei-me, então, do que escreveu Mia Couto em seu livro O último voo do flamingo (2022), “A guerra nunca partiu, filho. As guerras são como as estações do ano: ficam suspensas, a amadurecer no ódio da gente miúda”. Esse silenciar, dentro do cenário social, não deixa de ser uma práxis mórbida de gestação do ódio. Se você ainda não leu, ou assistiu ao filme, “O ÓDIO QUE VOCÊ SEMEIA”, de Angie Thomas, penso deveria fazê-lo. Trata-se de uma obra que aborda especificamente essa dimensão do assunto.

Queiramos ou não admitir, é dentro desse viés que a raça humana está inserida, nesse exato momento. Estamos, até certo ponto, reféns do ódio! Porém, “Dos medos nascem as coragens; e das dúvidas, as certezas. Os sonhos anunciam outra realidade possível e os delírios, outra razão” (Eduardo Galeano - O livro dos abraços. Porto Alegre: L&PM, 2002). Cabe, então, a cada ser humano entender e absorver que “Não importa de onde vim, mas, sim, aonde quero chegar” (Eduardo Galeano - escritor e jornalista uruguaio).

Afinal de contas, a lição que está posta é: “Nada mais civilizado do que saber conviver com as diferenças”; pois, “Nada denuncia mais o grau de civilidade de um país e de um povo do que o modo de tratar a coisa pública e a coletividade.” (Gloria Kalil – jornalista brasileira). Ignorar essa ideia é permitir, abertamente, que o ódio prospere, na medida em que “Basta que um homem odeie outro para que o ódio ganhe a pouco e pouco a humanidade inteira” (Jean-Paul Sartre – escritor e filósofo francês).


#PLDADEVASTAÇÃO

segunda-feira, 26 de maio de 2025

É preciso atenção às opiniões que se relativizam abruptamente ...


É preciso atenção às opiniões que se relativizam abruptamente ...

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

É de conhecimento público que a Direita e seus matizes, especialmente, a ultradireita, se utilize de diferentes estratégias de propaganda para alcançar seus objetivos. No entanto, na Terra Brasilis, o setor cultural não só foi abandonado, durante o último governo desse espectro político-partidário, como foi sumariamente desconstruído sob forte fogo cruzado entre ofensas e acusações. Algo que não só causou repulsa, por parte da população; mas, também, evidenciou o enorme desconhecimento daquele governo sobre a chamada Economia Criativa.

Para quem desconhece o significado, trata-se de um setor da economia nacional voltado a valorizar a criatividade, o conhecimento e a inovação, promovendo a geração de recursos em termos econômicos e sociais. Portanto, me refiro às artes plásticas, design, música, moda, teatro, cinema, ...  e demais áreas que utilizam a criatividade para o desenvolvimento de produtos, serviços e experiências socio inovadoras.

Segundo dados da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO), “O setor cultural está entre os setores que mais crescem no mundo, respondendo por 6,1% da economia mundial. A indústrias culturais e criativas produzem um faturamento anual de US$ 2,25 bilhões e quase 30 milhões de empregos no mundo, e fornecem trabalho para mais pessoas com idade entre 15 e 29 anos do que qualquer outro setor” 1.

Daí a imensa surpresa ao me deparar com a notícia de que um dos players do mercado financeiro, representante da ultradireita nacional, tem em sua mesa uma proposta para financiar a campanha do grande sucesso brasileiro, em Cannes 2, e tentar emplacá-lo no Oscar, em 2026. Bem, não se trata de um eventual “Mea culpa”, depois dos anos em que se dispuseram a empregar seus discursos em favor de uma avalanche de ataques ao setor cultural, inclusive, em relação à Lei Rouanet (Lei n.º 8.313/1991), liderada pela Direita e seus matizes mais radicais e extremistas, no país.   

O filme RAÇA (Race) 3, de 2016, baseado na história de Jesse Owens, o maior representante do atletismo da história, durante o cenário mundial das Olimpíadas de 1936, na Alemanha nazista, traz um aspecto importante sobre esse assunto.  Na época, o governo alemão, na figura do Ministro da Propaganda do Terceiro Reich, pretendia transformar aqueles Jogos Olímpicos em uma vitrine da superioridade ariana, através das lentes de uma jovem cineasta.

Isso significa a utilização do setor cultural, no caso o cinema, para servir aos interesses de ampliação da popularidade governamental junto a uma sociedade. Certos governos; sobretudo, aqueles de viés autoritário e fascista, enxergam nesse caminho uma estratégia perfeita para capitalizar apoio e credibilidade à sua ideologia. Não é difícil de entender que pessoas/empresas dispostas a patrocinar financeiramente produtos ou serviços desenvolvidos a partir da Economia Criativa, promovem de maneira objetiva e subjetiva uma percepção muito positiva sobre o seu próprio espectro político-partidário.

É claro, que o país torce para mais uma onda de premiações internacionais para o cinema! Para que isso aconteça, de fato, é necessário a existência dos apoiadores e/ou patrocinadores, tornando possível essa longa empreitada. Colocar um filme em cenário internacional competitivo é tarefa hercúlea e onerosa. Mas, não posso deixar de apontar a minha preocupação quanto ao que possa estar oculto nas entrelinhas das negociações; sobretudo, considerando uma mudança de opinião tão radical, da Direita e seus matizes, especialmente, a ultradireita, em relação à Cultura. Afinal, como diz o provérbio popular, “quando a esmola é demais, o santo desconfia”!

sexta-feira, 23 de maio de 2025

Sebastião Salgado (1944 – 2025)


Sebastião Salgado (1944 – 2025)

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Já dizia o médico e escritor João Guimarães Rosa que a vida quer da gente coragem. Mas, nem sempre, se trata de uma coragem heroica, de grandes feitos. Muitas vezes, é na simplicidade que ela se permite revelar. E foi assim, de maneira quase inusitada, com Sebastião Salgado.

Graduado em Economia, pela Universidade do Espírito Santo, e Mestre pela Universidade de São Paulo, a sua coragem teve o seu desabrochar pelas linhas tortas da Ditadura Militar, no Brasil. Mudou-se para Paris, em companhia da sua esposa, a arquiteta e ambientalista Lélia Deluiz Wanick, onde fez o seu Doutorado.

Hipnotizado pela lente de uma câmera fotográfica, adquirida por Lélia, para registro de trabalhos arquitetônicos, Sebastião Salgado incorporou a fotografia como hobby, durante um projeto sobre a cultura do café, o qual participou em razão do seu trabalho como secretário para a Organização Internacional do Café, em Londres.

Daquele momento em diante, no mais absoluto ato de coragem, ele se desvencilhou da Economia para seguir o chamado da Fotografia. Se revelava, então, o mais extraordinário fotógrafo documental e fotojornalista, de todos os tempos, da história brasileira. É certo que o conhecimento acadêmico propiciado pelo curso de Economia e sua complementação, através de Mestrado e Doutorado, não esteve distante ou alheio a essa mudança.

Pelo olhar das Ciências Econômicas se tem uma percepção muito interessante do mundo e das relações sociais; embora, tantas vezes, marcada pelas atrocidades existentes em um planeta tão desigual e perverso. De modo que a fotografia lhe caiu como uma luva, no sentido de refinar e aprimorar essa dialogia silenciosa da observação. Afinal de contas, na práxis fotográfica, “Se você só vê o que é óbvio, você não verá nada” (Ruth Bernhard - fotógrafa americana de origem alemã).

Então, movido por um misto de razão e sensibilidade, ele se permitiu levar pelas lentes da sua câmera, aos mais diferentes lugares do planeta, a partir de projetos que duravam anos para serem executados. A fotografia de Sebastião Salgado é, na verdade, um processo de imersão sociológica, que tinha uma necessidade de transpor a fronteira da imagem para captar as sutilezas de uma linguagem não-verbal, quase imperceptível. Era como se ele demandasse entender os silêncios e toda a expressão corporal e paisagística, refletida em emoções e sentimentos.

Suas fotografias jamais foram, apenas, imagens. Existe em cada uma delas um compromisso subliminar de comunicação e interação com o mundo, a fim de propiciar a transmissão de mensagens, de valores sociocomportamentais e de elementos socioculturais. O que as torna, de algum modo, além dos limites do tempo. Da mesma maneira, que o seu trabalho ambiental, em companhia de sua esposa Lélia, à frente do Instituto Terra 1.

Na visão dele, “Justiça ecológica é responsabilizar nossa sociedade consumista pela destruição do planeta e de seu patrimônio ambiental. Nosso consumo está destruindo tudo. Conhecimento ecológico é reconhecer que somos feitos de uma mesma natureza, que somos parte da biodiversidade. Este é o entendimento mais importante da ecologia” 2. Ideias que também se inserem na sua construção fotográfica, na medida em que através dela “Constatamos que o mundo está dividido em duas partes: de um lado a liberdade para aqueles que têm tudo, do outro a privação de tudo para aqueles que não têm nada” (Sebastião Salgado 3).

Nesse sentido é que, cada indivíduo diante de uma foto de Sebastião Salgado, à revelia do recorte temporal, se sente desafiado a pensar. Afinal, nelas existe a pobreza, a guerra, o deslocamento forçado, a ambição, a destruição, a beleza, a natureza, a fauna, a flora, o ser humano, a infância, a velhice, enfim ... O retrato de um mundo que nos possibilita questionar e relativizar a sua concepção evolutiva.

Segundo ele próprio afirmou, “Minhas fotografias são um vetor entre o que acontece no mundo e as pessoas que não têm como presenciar o que acontece. Espero que a pessoa que entrar numa exposição minha não saia a mesma”. No entanto, ele chegou a destacar que “Só os fotógrafos têm o direito de duvidar. Quando vamos a todas essas regiões do mundo, enfrentando todos os problemas e desafios que você pode imaginar, nos perguntamos: sobre ética, legitimidade, segurança. E cabe a nós encontrar a resposta, sozinhos” (Sebastião Salgado 4).

E sem saber que se despediria, dessa existência, aos 81 anos, ele deixou algumas palavras em tom de desabafo: “É uma pena vivermos apenas 80 ou 90 anos no máximo. Se pudéssemos viver mil anos, seríamos capazes de entender nosso planeta mil vezes melhor, e viver de outra forma”; pois, “Eu descobri que as maiores viagens que fiz na vida foram dentro de mim mesmo” (Idem 4).



2 Syed, Sabrina. Interview with Sebastião Salgado. The Architectural Review, 14 out. 2021.

3 Sebastião Salgado: retratista dos povos e de suas lutas. A Verdade, 26 fev. 2016.

4 Y-Jean Mun-Delsalle. Sebastião Salgado: “Já Tive Vergonha de Ser Fotógrafo e Fazer Parte da Espécie Humana”. Forbes, 22 mai. 2025.