terça-feira, 4 de fevereiro de 2025

Câncer: Uma reflexão que precede a própria doença


Câncer: Uma reflexão que precede a própria doença

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Não é de se espantar que o frenesi contemporâneo também tenha o efeito de nos desfocar de nós mesmos. Infelizmente, dia a dia, nos colocamos no fim da fila das prioridades, como se o nosso bem-estar e plenitude existencial fossem desimportantes. Sendo assim, proponho uma reflexão, neste dia, que marca a luta de combate ao câncer.

Segundo a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), “Em 2022, houve mais de 4,2 milhões de novos casos de câncer na região, e a projeção é que esse número aumente em 60% até 2045, para 6,7 milhões de casos. O câncer é uma das principais causas de morte nas Américas. Em 2022, foi responsável por 1,4 milhão de mortes, 45% das quais ocorreram entre pessoas com 69 anos ou menos” 1.

Diante disso, é preciso tecer uma análise a partir do cerne desse problema. E qual seria ele? Voltarmos a ser protagonistas da nossa vida. Uma das consequências mais terríveis, imposta aos seres humanos, pela Revolução Industrial, foi justamente se permitir ser desumanizado para ser coisificado. Um número entre tantos nas linhas de produção a fim de que pudesse justificar a sua sobrevivência.

Mas, isso não foi por acaso. A ideia de que “O preguiçoso fica pobre, mas quem se esforça no trabalho enriquece”, “O trabalho é a fonte de todas as riquezas” ou “O trabalho dignifica o homem” tem sido secularmente incorporada ao inconsciente coletivo da humanidade a fim de que as pessoas não se permitam à tentação do ócio. Permitir-se momentos de folga, de descanso, de cessação do trabalho, sempre trouxe consigo a estereotipização pejorativa da inutilidade, da preguiça, da vagabundagem.

Tanto que, lamentavelmente, chegamos a uma das mais abjetas considerações a respeito, inscrita no letreiro de metal da entrada do campo de concentração nazista de Auschwitz: “Arbeit macht frei” (O trabalho liberta ou nos torna livres, em tradução livre). Um lugar que foi transformado no Museu Estatal de Auschwitz-Birkenau, em Oświecim, Polônia, para não se permitir esquecer os horrores e as atrocidades cometidas contra seres humanos. Era um lugar onde prisioneiros eram distribuídos para trabalhos forçados, em longas e extenuantes jornadas e, posteriormente, executados nas câmaras de gás.

Bem, feita essa triste consideração, voltemos, então, a pensar sobre a relação entre o câncer, em suas mais diversas formas, e o modo como encaramos às nossas atividades laborais. Apesar de já comprovados cientificamente alguns gatilhos para o surgimento do câncer, tais como a predisposição genética (hereditariedade), consumo de álcool, tabaco e outras drogas lícitas e/ou ilícitas, exposição a certos agentes químicos, poluição do ar, da água e do solo, a questão do estresse não pode ser descartada.

Os mais de 8 bilhões de seres humanos, sobre a Terra, estão sim, susceptíveis e vulneráveis, desde as mais simples até as mais complexas manifestações, do estresse contemporâneo. São tantas obrigações, tarefas, afazeres, compromissos, deslocamentos, que as agendas ultrapassam quaisquer limites de tolerabilidade impostos pelas 24h do dia.  É aí que, fisiologicamente, o processo de degradação e deterioração do organismo começa a se desenhar.

De repente, você começa a se deparar com o rosto repleto de acne, relembrando seus tempos de adolescência. Dores de cabeça se tornam companheiras fiéis do seu dia a dia. Mas, elas são apenas o ponto de partida, porque, logo em seguida, emergem dores crônicas, como a fibromialgia. Não bastasse isso, as alergias e problemas na pele surgem para recrudescer o cenário. Até que o ponto alto seja a queda abrupta da imunidade. Fatores que somados contribuem para a insuficiência e a ineficiência do sono, deixando os indivíduos, cada vez mais, cansados, fatigados e propensos ao aparecimento de outras patologias: alterações na libido, problemas digestivos, alterações no apetite, queda de cabelo, taquicardia, Bruxismo, sudorese e tensão muscular.

Centenas de alertas, enviados por você mesmo, mas que não são devidamente levados a sério. De modo que por efeito repetitivo, ao longo de semanas, meses e até, anos, vão desregulando o funcionamento corporal e se juntando a todos aqueles gatilhos comprovados cientificamente, para, enfim, transformarem células saudáveis em células cancerosas. O não prestar atenção a si mesmo, por conta do estresse, é um fator que impulsiona, portanto, o aparecimento do câncer.  

Além disso, temos que concordar, também, que nem todos os mais de 8 bilhões de seres humanos são favorecidos pela acessibilidade médico-hospitalar, no sentido de promover não só um acompanhamento regular da saúde; mas, sobretudo, estabelecer um protocolo de prevenção e terapêutica ao primeiro sinal de desajuste. Quando falo nesse “não prestar atenção a si mesmo”, esse aspecto da inacessibilidade está implícito. Muita gente posterga os cuidados com a própria saúde por uma inacessibilidade total ou parcial. Cuidar da saúde é caro; mas, não o fazer pode custar ainda mais. Inclusive, a vida.

Portanto, estamos diante de um contexto que merece a atenção da coletividade humana, de todos, sem exceção. Governos.  Instituições. Organizações Não-Governamentais (ONGs). Cientistas e pesquisadores. Profissionais de saúde. Educadores. Sociedade civil. Se por um lado a expectativa de vida tem se mostrado rumo aos 80 anos, por outro, o modo como estamos deixando fluir o comportamento social está impactando as estatísticas do adoecimento populacional; principalmente, quanto aos casos de câncer.

Sem contar, que o câncer não é só uma doença de difícil e de complexo tratamento; mas, de grande impacto socioeconômico. As terapêuticas são caras e, em muitos casos, demandam suporte multidisciplinar, inacessível a maioria dos pacientes. A necessidade de deslocamento, por parte de muitos doentes, é difícil e gera diversos ônus adicionais. Diversos acometidos pelo câncer e/ou familiares precisam abdicar dos seus postos de trabalho durante o período imposto pelo tratamento, o que impacta o orçamento das famílias. Enfim...

Hipócrates, médico e filósofo grego, dizia que “Antes de curar alguém, pergunta-lhe se está disposto a desistir das coisas que o fizeram adoecer”. Mais do que nunca, podemos dizer que ele tinha razão. Não, “Não é sinal de saúde estar bem adaptado a uma sociedade doente” (Jiddu Krishnamurti – Filósofo e escritor indiano). Desse modo, urge termos que prestar atenção em nós, de uma maneira mais profunda e responsável. Não nos esqueçamos de que a existência humana começa pela defesa exercida por cada indivíduo em relação à sua própria vida. Sendo assim, faça o melhor que puder para cuidar de você!

quinta-feira, 30 de janeiro de 2025

É preciso ler o mundo!!!


É preciso ler o mundo!!!

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Impactado pelas experiências humanas geradas a partir de duas grandes guerras mundiais, o dramaturgo e poeta alemão do século XX, Bertolt Brecht, escreveu: “Primeiro levaram os negros, mas não me importei com isso. Eu não era negro. Em seguida levaram alguns operários, mas não me importei com isso. Eu também não era operário. Depois prenderam os miseráveis, mas não me importei com isso. Porque eu não sou miserável. Depois agarraram uns desempregados, mas como tenho o meu emprego, também não me importei. Agora estão me levando, mas já é tarde. Como eu não me importei com ninguém, ninguém se importa comigo”.

Queiram ou não admitir, infelizmente, esse é o quadro da história que se repete no momento atual. No entanto, como já escrevi outras vezes, essa tentativa de reafirmação histórica não é tão absoluta, como parece. Há inúmeras variáveis que relativizam o processo, começando pela própria tecitura conjuntural da realidade. O mundo do início do século XX não é o mundo do primeiro quarto do século XXI.  O processo de transformação ocorrido, sob diferentes vieses sociais, foi demasiadamente profundo. Nesse sentido, por mais que se tente imprimir os mesmos padrões, protocolos, ideários, o insucesso tende a ressurgir ainda mais potente e avassalador.

Então, olhando por uma perspectiva, um tanto quanto desprezada por muitos, buscarei um modo de explicar a minha visão a respeito. Bem, visando aplacar o ímpeto social desencadeado pela Revolução Francesa, no século XVIII, a fim de que não tomasse de assalto à Europa, como um todo, a Revolução Industrial, promovida pela Inglaterra, na segunda metade do século XVIII, capitalizou o processo de acumulação de riquezas, que é o ponto de partida para qualquer empreitada de natureza expansionista e imperialista. Traduzindo em miúdos, as duas primeiras fases da Revolução Industrial, forneceram não só os recursos financeiros; mas, também, os logísticos, para a ocorrência das duas grandes guerras mundiais. 

Acontece que, o fim da Segunda Guerra Mundial, marcado pela tragicidade terrível, em que se calcula a perda de 70 a 85 milhões de seres humanos, também repercutiu nos propósitos das fases subsequentes da Revolução Industrial. O que não significa terem perdido o interesse sobre a contínua acumulação de riquezas, o expansionismo e o imperialismo global. No entanto, o olhar voltado para uma Revolução Tecnocientífica impôs uma transformação radical nas relações sociais, inclusive, de trabalho. As máquinas desencadearam uma redução das demandas por mão de obra humana. Por consequência, as parcelas desempregadas foram submetidas à um processo de precarização do trabalho.

Eis, então, que em plena quarta fase da Revolução Industrial ou Revolução 4.0, em que estamos diante da Inteligência Artificial (I.A.), da internet das coisas e da robótica, por exemplo, a transformação social não só será diferente de qualquer coisa já experimentada, como afetará diretamente a sobrevivência de milhões de seres humanos, a partir da extinção de inúmeras oportunidades de trabalho. Esse é o grande ponto de reflexão. Afinal, as Revoluções Industriais chegaram até aqui sem priorizarem os indivíduos; sobretudo, aqueles pertencentes às camadas mais frágeis e vulneráveis da população.

Por quê? Bem, primeiro, porque as elites burguesas que figuram nos centros de poder responsáveis pela dinâmica das Revoluções Industriais, são simpatizantes e defensoras do ideário ultradireitista, o qual se expressa, na maioria das vezes, pela defesa da consolidação de um projeto social fascista. De modo que o fascismo se sustenta por uma política ultranacionalista e autoritária, de poder ditatorial e repressor às oposições, e que utiliza da força, de diferentes maneiras, para arregimentação socioeconômica. De modo que a grande massa da população tende a ser explorada ao máximo ou é descartada pela força da tecnologização. Ora, mas o mundo tem, hoje, mais de 8 bilhões de pessoas! De modo que equacionar essa situação é algo bastante desafiador.

Por essas e por outras, disseminadores e simpatizantes do fascismo, ao redor do planeta, tentam buscar nas velhas práxis uma solução, mesmo que, apenas, mitigadora. Daí a razão de vermos a disseminação da xenofobia, do racismo, da intolerância religiosa, das políticas de banimento, cancelamento e/ou depreciação através das mídias sociais, da segregação nos espaços geográficos, e, agora, mais recentemente, da possibilidade do aprisionamento em áreas preestabelecidas, de indivíduos rotulados ou estereotipados à revelia da sua realidade cidadã.

Aliás, as práxis de aprisionamento sempre estiveram presentes na historicidade humana. A falta de interesse ou a indisposição em lidar com as diferenças ou com as divergências ideológico-comportamentais sempre foram um estopim para que seres humanos fosses segregados e aviltados na sua dignidade e identidade humana. Masmorras, prisões, instituições psiquiátricas, campos de concentração, foram estruturas produzidas nos espaços geográficos para obstaculizar uma memória social sobre questões, de algum modo, desconfortáveis e afrontosas aos direitos humanos 1.

Oposição político-partidária. Questões étnico-religiosas. Contestações de natureza psico-comportamental. Insurreição social. O que significa que as decisões quanto ao banimento, à segregação, à invisibilização, de certos indivíduos torna-se determinada pela perspectiva daqueles que detêm o poder. A história se torna de mão única. Há, portanto, um silenciamento dos fatos em si, ou seja, é justamente isso o que pretendem as forças do neofascismo contemporâneo. Deter o controle e o poder sobre os fatos, sobre a verdade histórica, permitindo apenas a visão do opressor sobre os oprimidos.

Feita essa breve reflexão, entenda que “Onde livros são queimados, no fim, as pessoas também serão queimadas” (Heinrich Heine – escritor e crítico literário alemão). Afinal, o “Fascismo é um vírus mutante. Ele nunca morreu. Nós nunca o matamos. E agora está de volta, mudado” (Andrea Camilleri – escritor italiano). Portanto, não se esqueça: “A única maneira de liquidar o dragão é cortar-lhe a cabeça, aparar-lhe as unhas não serve de nada” (José Saramago – Prêmio Nobel de Literatura, em 1988).



1 https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/o-que-e-a-bastilha-na-revolucao-francesa/

Documentário “Juquery – Lugar fora do mundo” (2022).

Documentário “Holocausto Brasileiro” (2016). Adaptação do livro homônimo escrito por Daniela Arbex, este é um retrato aprofundado e contundente sobre os eventos que ficaram conhecidos como Holocausto Brasileiro; o grande genocídio cometido contra os pacientes psiquiátricos do hospício de Barbacena, em Minas Gerais.

https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/reuters/2024/07/30/dissidentes-russos-desaparecem-de-prisoes-em-sinal-de-possibilidade-de-troca-de-prisioneiros-com-o-ocidente.htm

https://www.bbc.com/portuguese/articles/c8d91zzp1rvo

https://www.bbc.com/portuguese/articles/cp3wxprq54eo  

domingo, 26 de janeiro de 2025

Nós e nossa ingênua relativização da contemporaneidade


Nós e nossa ingênua relativização da contemporaneidade

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Ao contrário do que pensa uma gigantesca parcela da população, a chamada Sociedade de Consumo, não é uma estratégia restrita a fazer a acumulação de capitais, por parte de alguns, e a aquisição de bens, produtos e serviços, por outros. Na verdade, ela vai além, como uma ferramenta de controle e manipulação social.

Por mais que a realidade contemporânea brade, aos quatro cantos do planeta, o seu desejo de liberdade total e irrestrita, isso não é verdade. Por trás de todas as escolhas e decisões tomadas diariamente pelos indivíduos há uma sombra que as direciona, no sentido de destoar, o mínimo possível, do protocolo social estabelecido pelas forças que detêm o poder.

A construção de uma sociedade homogeneizada é um facilitador para a garantia do controle absoluto sobre os indivíduos. E uma das estratégias mais comuns para se atingir esse padrão comum, na contemporaneidade, é o Efeito Manada. Ignorando a própria base identitária, com todas as suas crenças, valores, princípios, sentimentos e emoções, milhões de pessoas são levadas a seguirem o comportamento e as opiniões preestabelecidas para a maioria.

Desse modo se consolida uma tendência homogeneizante, na medida em que não há questionamento, ou crítica, ou discussão, a respeito. Valendo-se do próprio argumento da ausência de tempo, do frenesi contemporâneo, cria-se o convencimento de que tal práxis é ideal; posto que, o indivíduo não precisa pensar por si mesmo, ele pode delegar essa função aos outros. Mas, ao deixar de analisar crítica e reflexivamente a sua própria vida, o mundo em que está inserido, há uma perda da sua dignidade identitária.

O que significa milhões de pessoas induzidas a abdicar da sua autonomia, do seu protagonismo, da sua liberdade. Trata-se de um processo de escravização, submissão, sujeição ou subordinação, no mais profundo das subjetividades humanas. Afinal, isso afeta diretamente a forma de perceber e lidar com os acontecimentos cotidianos, os quais podem estar em franco desalinho às demandas de cada indivíduo.  

De repente, as pessoas parecem adestradas a concordar e a aceitar passivamente, quase que de maneira indolor, as circunstâncias. Porém, as aparências enganam. Na verdade, há um sofrimento colossal, que passa a causar um adoecimento sistêmico na sociedade. Em sua maioria, o que se vê é a ocorrência de diversos tipos de manifestação do comprometimento da saúde mental. Depressão.  Agressividade. Violência. Compulsão alimentar. ... Porque se vive em constante conflito com a natureza identitária.

Ora, dentro desses moldes sociais, a subversão da ordem imposta significa o banimento, o isolamento, o cancelamento, a destruição de reputações, ... E as pessoas tendem a temer o não pertencimento social, uma vez que isso implica na possibilidade de não poder desfrutar normalmente da sua vida. Sobretudo, no campo de trabalho. A construção de rótulos e de estereótipos é altamente nociva para o equilíbrio existencial humano, especialmente, porque costuma não ofertar a possibilidade da sua desconstrução pelo próprio indivíduo.  

Daí o silenciamento estar presente na historicidade humana, desde sempre. A sociedade não costuma lidar muito bem com seus representantes mais questionadores, buscando um modo de silenciá-los de alguma forma.  É assim na família. Na escola. Nos espaços religiosos. No trabalho. No lazer. ... Basta uma pergunta, para que a tensão paire sobre o ambiente. Aliás, a curiosidade sempre foi uma pecha ruim, para muitos. Uma pena, pois não sei o que seria do mundo se a curiosidade não tivesse impulsionado o ser humano a evoluir!

Por essas e por outras, que se torna imprescindível entender a ameaça da banalização, da trivialização, na dinâmica do mundo. De um modo ou de outro, as forças detentoras de poder sempre estiveram imbuídas na elaboração de mecanismos de escravização, submissão, sujeição ou subordinação social, em relação às camadas mais frágeis e vulneráveis. Embora, muitas dessas práxis surjam travestidas por acenos de liberdade e de individualismo.

No entanto, elas só rendem êxito, porque o ser humano não se permite exercitar a alteridade e a empatia. Se colocando sempre em uma posição de pseudossuperioridade, a qual lhe impede de ver a vida exatamente como ela é. Esse olhar equivocado e desvirtuado da realidade, não passa de uma tentativa de se proteger, sem se dar conta de que esse temor advém, muitas vezes, da sua própria negligência coletiva.

Quando silenciamos, aceitamos, referendamos e/ou legitimamos, de alguma maneira, os abusos e violências cometidos contra os direitos humanos, abrimos precedentes perversos e cruéis para que esses nos alcancem também. Martin Luther King Jr. já dizia, “A injustiça em qualquer lugar é uma ameaça à justiça em todo lugar”.

No fim das contas, então, cada um de nós é uma vítima em potencial. O que nos obriga a uma revisão profunda do nosso senso humanitário, fraterno. Não é à toa que Hannah Arendt escreveu, “Em nome de interesses pessoais, muitos abdicam do pensamento crítico, engolem abusos e sorriem para quem desprezam. Abdicar de pensar também é crime”.

Feitas essas breves considerações, podemos dizer que sua síntese pode ser expressa pelas seguintes palavras: “Vivemos tempos sombrios, onde as piores pessoas perderam o medo e as melhores perderam a esperança” (Hannah Arendt). Afinal de contas, “O súdito ideal do governo totalitário não é o nazista convicto nem o comunista convicto, mas aquele para quem já não existe a diferença entre o fato e a ficção” (Hannah Arendt) 1. Portanto, devemos refletir seriamente a respeito dos caminhos homogeneizantes, os quais já sinalizam estar em curso.  


1 ARENDT, H. Origens do totalitarismo. São Paulo: Companhia de Bolso, 2013. 

sábado, 25 de janeiro de 2025

Cuidado na engenharia da linguagem!


Cuidado na engenharia da linguagem!

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Não se engane, distorcer a palavra alheia para alcançar um determinado fim, sempre fez parte da história! No entanto, em plena era Digital, o que precisava da ajuda do velho boca a boca, agora, basta apenas um toque na tela para correr o mundo, na velocidade da luz. Talvez, por isso, antevendo o futuro, os chineses tenham se antecipado ao cunhar o seguinte provérbio: “A palavra é prata, o silêncio é ouro”.

Vamos e convenhamos que a radicalização e o extremismo contemporâneo da ultradireita têm sim, se valido dessa práxis para colher frutos, em relação à sua empreitada de dominação global. Ciente de que os ânimos andam acirrados e que a tensão paira sobre os quatro cantos do planeta, ela faz da linguagem uma ferramenta imprescindível para sua beligerância.

Adeptos e simpatizantes dessa corrente político-partidária aproveitam qualquer palavra para distorcer, manipular, enviesar, a fim de abalar a credibilidade de seus opositores. O recente episódio envolvendo o sistema de pagamento PIX, no Brasil, é prova disso. Antes que a ideia estivesse prontamente formulada e estruturada, elementos da ultradireita se apropriaram de palavras para construir o caos.

Em outros tempos, não sei se por instinto ou por sabedoria, as pessoas exerciam uma prudência maior em relação à fala. Dedicava-se maior atenção ao que se ouvia, para depois expressar alguma manifestação. Atualmente, tudo acompanha o ritmo frenético da contemporaneidade, como se o mundo fosse acabar em segundos! Mas, não é só isso. A necessidade de se fazer presente nos debates e discussões; sobretudo, em razão do espaço virtual, tornou a verborragia um fenômeno incontrolável.

Como disse Umberto Eco ao jornal La Stampa, “As redes sociais dão o direito de falar a uma legião de idiotas que antes só falavam em um bar depois de uma taça de vinho, sem prejudicar a humanidade. Então, eram rapidamente silenciados, mas, agora, têm o mesmo direito de falar que um prêmio Nobel. É a invasão dos imbecis”. E a maioria dessas pessoas se dispõe a servir nas trincheiras da mentira em troca de algum benefício ou interesse particular.

Bem, considerando que o silêncio se transformou, praticamente, em uma exceção contemporânea, façamos dele a ferramenta do sucesso! Não importa em que situação da vida, o importante é reconhecer o momento certo para nos manifestar. Somente dessa maneira é possível evitar às investidas da distorção, manipulação ou enviesamento discursivo. Silenciar, nesse caso, não é omissão, não é negligência, não é descaso.  É, simplesmente, precaução!

Afinal, o objetivo maior da linguagem é se fazer entender. Nesse sentido, “A língua envolve todas as ações e pensamentos humanos e possibilita ao indivíduo exercer influências ou ser influenciado pelo outro, desempenhar seu papel social na sociedade, relacionar-se com os demais, participar na construção de conhecimentos e da cultura, enfim, permite-lhe se constituir como ser social, político e ideológico”. (COELHO; MESQUITA, 2013, p. 26 1). Por isso, não se pode cair na tentação de falar sem pensar, deixando brechas de todo tipo, para bom uso de quem gosta de um malfeito.

Assim, apesar do imenso desconforto e risco trazido pelas Fake News, sua grande contribuição advém do fato de nos fazer entender que “a palavra penetra literalmente em todas as relações entre indivíduos, nas relações de colaboração, nas de base ideológica, nos encontros fortuitos da vida cotidiana, nas relações de caráter político, etc. As palavras são tecidas a partir de uma multidão de fios ideológicos e servem de trama a todas as relações sociais em todos os domínios. É portanto claro que a palavra será sempre o indicador mais sensível de todas as transformações sociais, mesmo daquelas que apenas despontam, que ainda não tomaram forma, que ainda não abriram caminho para sistemas ideológicos estruturados e bem formados” (Bakhtin, 1997, p.41 apud COELHO; MESQUITA, 2013, p. 33). De modo que a palavra é o fiel da balança, seja para o bem ou para o mal.



1 COELHO, L. P.; MESQUITA, D. P. C. de. Língua, Cultura e Identidade: Conceitos intrínsecos e interdependentes. ENTRELETRAS, Araguaína/TO, v.4, n.1, p.24-34, jan./jul.2013. 

terça-feira, 21 de janeiro de 2025

A escassez de professores no Brasil


A escassez de professores no Brasil

 

Por Alessandra Leles Rocha


O desencanto que se abateu sobre a profissão docente não é um fenômeno atual. Na verdade, ela vem se arrastando década a década, motivada por uma série de razões que deterioram o ânimo do profissional.  Salários incompatíveis às exigências da prática docente. Infraestrutura aquém das demandas. Carência de uma formação mais alinhada à realidade contemporânea. Flagrante insegurança, por conta da violência imersa no ambiente educacional. ... De modo que, apesar da iniciativa de construção de certas políticas públicas para manterem ou atraírem profissionais para a carreira docente 1, os resultados permanecem insatisfatórios.

Acontece que o ponto nevrálgico desse cenário é algo muito mais complexo e profundo. A realidade social contemporânea é o cerne da questão. Não basta apenas investimentos, de diferentes ordens, em busca de uma escola mais atrativa e motivadora para alunos e professores. Simplesmente, porque as instituições de ensino perderam o seu papel de importância na sociedade. Quer um exemplo?

Dizem que, no Brasil, há milhões de técnicos de futebol. Cada cidadão se julga um expert no assunto e sai, por aí, dando os seus pitacos. Pois é, a mesma práxis vem tomando de assalto a educação nacional. Pais e responsáveis se arvoram do direito de questionar o trabalho didático-pedagógico dos docentes, os conteúdos ministrados, a quantidade de atividades propostas, enfim. Como se fossem autoridades no assunto. Isso, sem contar, na ação protecionista em relação aos seus filhos, quando são alvos de questionamentos sobre comportamentos inapropriados ao ambiente escolar.

Vejam, ainda que alguém se permita superar todas as razões que deterioram o ânimo do profissional, citadas no início dessa reflexão, a relação escola-família acaba por jogar um balde de água fria nas pretensões docentes. As atitudes psicocomportamentais dos pais e responsáveis, inevitavelmente, reverberam nas atitudes dos alunos. Eles se sentem legitimados, respaldados, para também questionarem o trabalho de seus professores, muitas vezes, de forma desrespeitosa e agressiva.

Para muitos pais ou responsáveis, os professores são vistos como seus empregados e devem agir, segundo suas ordens. Não são raras as notícias a respeito de grupos nas mídias sociais, voltados a desqualificar, denegrir e mobilizar a demissão de professores, por julgarem seu trabalho ruim ou inadequado. Sem contar aqueles que atormentam o professor, fora do seu horário na escola, nos fins de semana, feriados ou qualquer hora do dia ou da noite, para exigirem informações da vida escolar do filho. Como se o professor tivesse que estar disponível a eles, em tempo integral.

Ora, toda a deturpação ética e moral que se abateu sobre a sociedade contemporânea e incidiu sobre a educação, chegou pela esteira das Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs). Basta um celular para que o cidadão tenha acesso à Internet e sua infinidade de informações. O que significa que uma escola dedicada a buscar alternativas tecnológicas já não desperta, na sua totalidade, o interesse de aprendizado dos alunos. Afinal, se há restrições ao uso do celular no ambiente educacional, por exemplo, fora dele, os alunos passam horas a fio; assim como, os seus próprios pais ou responsáveis.

Embora essa dinâmica aconteça à margem de um letramento digital, para milhares de pessoas isso não lhes causa preocupação ou desconforto, porque elas se sentem bem informadas e dotadas de conhecimento. Assim, elas tendem a considerar muito mais o que é lido e/ou ouvido através das mídias sociais, tornando o trabalho docente algo pouco significativo.

Pode-se dizer que esse processo começou com pessoas que liam apenas as manchetes dos veículos de comunicação e de informação e se consideravam plenas de informação, até descobrirem que não. Então, observando essa dinâmica, as mídias sociais investiram pesado na disseminação de assuntos a partir de um protocolo superficializado e sintetizado, o qual alcança um maior número de visualizações; pois, investe na quantidade e não na qualidade.

O mundo contemporâneo é o mundo da pressa. Tudo tem que ser rápido, ágil. De modo que a atenção das pessoas se tornou uma commodity em disputa.  A velocidade de desenvolvimento e de atualização das mídias sociais busca acirradamente pela visualização de seus produtos, fazendo com que as informações sejam prestadas cada vez em menos tempo. Algo que explica porque “A Geração Z está perdendo uma habilidade que a humanidade possui há 5.500 anos. 40% não são fluentes em comunicação” 2 e que “’Brain rot’ é eleita ‘palavra do ano’ pelo dicionário Oxford” 3, em 2024.

Assim, um dos primeiros prejuízos que se percebe é no contexto educacional. Por mais que o docente invista seu tempo, sua dedicação, seus recursos, em aprimoramento, em desenvolvimento de novas práxis, ele é, cada vez mais, percebido socialmente como uma figura desnecessária. Ele, de certa forma, está perdendo o seu espaço profissional para a tecnologização. O que tende a trazer prejuízos sociais incalculáveis. Basta pensar que os algoritmos que regem as mídias sociais não dispõem de compromisso com a neutralidade informativa. Por trás deles impera algum tipo de enviesamento ideológico, capaz de satisfazer aos interesses de certos grupos, propiciando a manipulação do pensamento ao contrário da análise critico-reflexiva pautada na realidade factual.

Considerando que esse movimento já afeta a dinâmica social como um todo, não é surpresa verificar que o docente, de fato, não encontra respaldo para o seu trabalho, nos pais ou responsáveis; nem tampouco, na sociedade em geral. Para eles está tudo bem; pois, a tecnologização lhes ofereceu uma zona de pseudoconforto. Eles não encontram mais a necessidade de se envolver e de participar ativamente das atividades educacionais dos seus filhos.

Afinal de contas, as crianças estão, cada vez mais, interagindo precocemente com a tecnologia e criando um modo de autossuficiência de aprendizagem.  Qual o tipo de aprendizagem, se ela é adequada ou não, se ela é suficiente ou não, ... são perguntas que se deve fazer antes que as consequências se tornem irremediáveis. Antes que a sociedade se transforme em uma massa de gente que apenas reproduz o pensamento alheio, de maneira automática e inconsequente.

Portanto, não nos esqueçamos das seguintes palavras de Rubem Alves, “Para isso existem as escolas: não para ensinar as respostas, mas para ensinar as perguntas. As respostas permitem andar sobre a terra firme. Mas somente as perguntas nos permitem entrar pelo mar desconhecido”. Pois, o docente sabe que “Ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção” (Paulo Freire). Só assim, permite-se ao aluno internalizar a compreensão de que “Não basta adquirir sabedoria; é preciso, além disso, saber utilizá-la” (Cícero – Filósofo Romano).  

sábado, 18 de janeiro de 2025

MUROS


MUROS

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Parte da historicidade humana, os muros se constituíram como um sistema de defesa territorial; mas, sobretudo, de declaração de poder. Durante algum tempo, pode-se dizer que a estratégia funcionou; embora, não tenha sido 100% eficiente, dada a quantidade de ações beligerantes ao redor do planeta.

E a comprovação persiste em plena contemporaneidade. Muros não intimidam mais! Não sei se um reflexo da flexibilidade trazida pela organização social proposta pelo mundo virtual; mas, fato é, que os muros não são mais intransponíveis. Criminosos fogem dos presídios pulando os muros. Assaltantes invadem as casas transpondo altas muralhas. Migrantes desafiam os muros para ingressar em um outro país. Enfim...

Contudo, o que não parece ter mudado em relação a eles é que permanecem como símbolos do exercício de poder territorial. Trata-se de um mecanismo de reafirmação da autoridade e da propriedade de alguém sobre aquele espaço geográfico.

Portanto, quem ultrapassa aquele limite está sujeito às regras e à dominação do outro, o que abre precedente para que o poder determine uma seletivização dos indivíduos. Estar do lado de dentro do muro ou do lado de fora define, então, uma ordem de pertencimento social. Mas, não para por aí. Ela fomenta as tensões.

Por mais que o poder pareça uma condição inabalável, não é. Qualquer lugar em que existam expressões de segregação social, ali existem focos de inquietude e apreensão. As aparências podem até enganar; mas, a verdade factual é bem outra. Afinal, nenhum ser humano gosta de ser preterido, de ser considerado desimportante, de não ser aceito, de não pertencer.

Mas, o ponto nevrálgico nessa reflexão deveria se concentrar nas razões que levam os seres humanos a construírem muralhas. Dizer que é por segurança, não responde tudo. Se há a necessidade de sentirem-se seguros é porque algo lhes traz fragilidade, vulnerabilidade.

De modo que a construção dos muros é sim, uma forma de postergar o confronto direto com as escolhas e as decisões relacionadas à reafirmação das desigualdades; sobretudo, a mobilidade social.

Sem a pretensão de resolver ou de mitigar as mazelas crônicas que afetam as camadas menos favorecidas da pirâmide social, criam-se muros para invisibilizá-las e mantê-las distantes da convivência com os privilegiados.

O seu trânsito se torna restrito ao exercício laboral; pois, esse é necessário à manutenção do enriquecimento do topo da pirâmide. No mais, elas são impedidas de permanecer do lado de dentro do muro.    

Entretanto, quando os menos favorecidos insistem em permanecer, diante do desconforto ou de transtornos da ordem social, segundo análise dos mais privilegiados, eles são confinados por muros dentro do muro. Espaços extremamente monitorados e controlados. Como corpos estranhos que são encapsulados pelo organismo a fim de não causarem danos ou prejuízos.

Acontece que nada disso muda os fatos. Esses indivíduos não deixam de existir. Nem tampouco, as desigualdades que os afetam.  De modo que os muros acabam se tornando uma maneira de tentar ocultar a própria desumanidade que há em certos indivíduos.

Uma desumanidade que se traduz pela incapacidade de existir e coexistir coletivamente, de disposição para superar e resolver os problemas, de desconstruir os velhos e rotos paradigmas de poder.

Por essas e por outras, que os muros, na sua materialidade, perderam cada vez mais o seu sentido de existir. Porque, no fundo, eles não escondem nada, não limitam nada, não resolvem nada. A sua simbologia traduz uma expressão da falência civilizatória.

Segundo Yuval Noah Harari, “Quando derrubamos os muros da nossa prisão e corremos para a liberdade, estamos na verdade correndo para o pátio de uma prisão maior”.

Então, a sociedade contemporânea desenvolveu seus muros metafóricos, a partir do mundo virtual. Essa nova concepção de realidade não deixa de ser uma grande muralha para aprisionar, vigiar e punir quem não está alinhado aos interesses e às idealizações das classes que detêm o poder.

Pelos algoritmos que regem as Tecnologias da Informação e da Comunicação (TICs), é possível saber quem são, o que pensam, o que querem, o que gostam, o que fazem, ... os seres humanos, e assim, poder confiná-los em grupos por afinidade, mensurando eventuais riscos e ameaças.  

Portanto, ainda que muitos não tenham se dado conta, estamos diante de uma muralha sem limites, que desconstrói absolutamente o pseudoideário de liberdade, apregoado pela contemporaneidade. A verdade é que estamos todos presos entre muros.   

quarta-feira, 15 de janeiro de 2025

Os pinóquios contemporâneos


Os pinóquios contemporâneos

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Segundo o provérbio “Prevenir é melhor do que remediar”! E de mamando a caducando, todos já deveriam saber disso! Acontece que, em plena contemporaneidade, a sanha em esticar a corda, para ver o malfeito emergir, anda solta por aí.  Sobretudo, quando assunto é de natureza político-partidária. O recente imbróglio que colocou o PIX no centro do falatório nacional, dá bem a dimensão do problema.

Não é preciso dizer, que esses são tempos de Fake News, de manipulação e distorção de conteúdos, de criações diversas por Inteligência Artificial (I.A.), enfim. Instrumentos que não fazem parte do cotidiano desse ou daquele grupo social; mas, de todos. Seja de forma direta ou indireta. Sendo assim, diante da gravidade das repercussões e desdobramentos de tais práticas, não se pode permitir que a classe política brasileira utilize do argumento da sua atribuição parlamentar para promoção e divulgação de inverdades.

Há aproximadamente uma década, a escalada de notícias falsas vem acontecendo, no país, e interferindo no equilíbrio das relações sociais, sob diferentes vieses, sem que medidas jurídicas sejam tomadas a contento e na velocidade necessária. Recentemente, nas eleições municipais, em 2024, o Brasil assistiu a um verdadeiro festival de absurdos, nesse contexto, sem que uma atitude contundente e responsável, por parte dos Tribunais Regionais Eleitorais, ocorresse.

Temos que concordar que a inação é uma licença para a permissividade. Se nem mesmo o período eleitoral foi capaz de frear os arroubos desse desvirtuamento ético tecnológico, o que se pode esperar? Sim, porque ao estabelecer uma prerrogativa de distinção que obstaculiza a responsabilização dos ocupantes dos cargos representativos do poder político, sobre a disseminação de Fake News ou de manipulação e distorção de conteúdos, por exemplo, abre-se um precedente no princípio da igualdade cidadã. Afinal, todos não são iguais perante a lei?!

De modo que esse comportamento permissivo fragiliza diretamente o Estado Democrático de Direito; bem como, a identidade cidadã. É preciso lembrar que esse tipo de atitude já nasce a luz do ilícito, da má intenção, do prejuízo social. Ninguém mente, distorce, inventa, em nome do altruísmo! Dentre tantas más intenções a povoar o cérebro dessa máquina da maldade contemporânea estão as políticas do medo, do ódio, da violência, da segregação, idealizadas por verdadeiros lobos em peles de cordeiro.

Bom, não é difícil que eles consigam êxito, tendo em vista a própria realidade contemporânea. A humanidade está cada vez mais à mercê da própria sorte, sem algum elemento que lhe restitua a sensação de segurança social. Portanto, ela está frágil, vulnerável, susceptível aos discursos inflamados e manipuladores, que lhes soam como ecos de sua própria consciência. Então, elas se rendem, crédulas àquelas palavras que ressoam em sua alma atormentada.

Daí a necessidade de se questionar a responsabilidade do Judiciário brasileiro, em todas as suas instâncias, em relação ao conjunto de atos ilícitos praticados por gente que defende o fomento e à disseminação de Fake News, de manipulação e distorção de conteúdos, de criações diversas por Inteligência Artificial (I.A.). Já passou da hora de cortar o mal pela raiz! Não se pode esquecer que o poder também é exercido pela influência, pelo exemplo, de modo que os responsáveis por essa onda de desinformação e de alienação social, precisam ser contidos pelos limites da Justiça.

A fim de que a população, em geral, entenda que o mundo tecnológico também é regido por leis, e ninguém está acima delas. Sem controle, sem limites, essa situação pode resultar em situações graves e irremediáveis. Porque não se pode dimensionar o grau de impacto de uma Fake News ou de uma manipulação e distorção de conteúdos sobre a população, na sua totalidade ou não. Quem nunca ouviu falar sobre uma transmissão de rádio, em 1938, pela Columbia Broadcasting System (CBS), nos EUA, que levou preocupação e pânico aos milhões de ouvintes daquela rádio 1? E nem eram os tempos das Tecnologias da Informação e da Comunicação (TICs), como agora!

segunda-feira, 13 de janeiro de 2025

A judicialização da vida em tempos tecnologizados

A judicialização da vida em tempos tecnologizados

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Vivemos tempos em que o distanciamento dos valores éticos e morais na sociedade acaba por estabelecer novos caminhos para as mediações e as soluções de conflitos. Pois é, estamos em um tempo no qual a vida, na dinâmica do seu cotidiano, precisa ser judicializada, o tempo todo.

Acontece que para fazer valer os direitos, nesse contexto, o cidadão é levado a sentir na pele o desânimo causado pela morosidade judicial e as consequências de uma Justiça abarrotada de processos, os quais muitos não precisariam existir se a conduta humana fosse mais responsável. É assim, ou sofrer calado a injustiça!

E pensando a respeito, eis que ao expandir meu olhar sobre o mundo contemporâneo, me deparei com uma situação que tem tudo para dar um verdadeiro nó na judicialização.  Até aqui, não vejo que a humanidade venha se preparando e/ou se atentando para os desafios sociais que a Inteligência Artificial (I.A.) irá impor no campo jurídico.

Na medida em que a tecnologização do mundo deu saltos de inovação gigantescos, já começamos a experimentar problemas sérios, em questões de criminalidade. Ao ponto de as Ciências Jurídicas precisarem se debruçar sobre os vieses dessa temática e serem criadas delegacias e promotorias especializadas nos chamados Crimes Cibernéticos. Uma resposta importantíssima para aqueles que acreditavam que o mundo virtual é “terra de ninguém”.

Porém, o mundo não para e as Tecnologias da Comunicação e da Informação (TICs), também, não. E o ponto alto, do momento, é a Inteligência Artificial (IA), ou seja, uma área da ciência da informática destinada a criar programas e mecanismos capazes de exibir comportamentos tidos como inteligentes. Na verdade, a I.A. utiliza de algoritmos e de um conjunto de técnicas de aprendizado de máquina para análise de dados, tomada de decisões e resolução de problemas.

E com toda essa expertise, infelizmente, ela pode ser usada em benefício ou malefício da sociedade, em geral.  Basta a existência de interesses escusos, para que através da I.A. seja feita a manipulação ou adulteração de fotos, vídeos, sons e/ou documentos, a fim de causar constrangimento, humilhação, assédio, ameaça ou qualquer outro tipo de violência. O que pode levar a certas consequências irreparáveis, como o suicídio de uma vítima.

Mas a questão não para por aí. O Brasil, por exemplo, ainda não dispõe de uma legislação reguladora para o assunto. Enquanto isso, o tempo urge! Porque não se trata de qualquer legislação, tendo em vista que a I.A. funciona como antídoto de si mesma. Ora, medidas como a autenticação por voz ou a validação de imagem em tempo real se tornam ineficientes. Daí as ações criminosas, utilizando a I.A., se tornarem um gigantesco problema de judicialização no país.

Sem legislação sobre o assunto e sem um conjunto de ferramentas tecnológicas para distinguir a veracidade dos materiais comprobatórios, o judiciário demandará muito mais tempo para dar uma resposta aos que ingressarão com ações de reparação por crimes cometidos através da I.A., no país. O que fará a sensação de impunidade recrudescer dentro da sociedade. Será a conquista do caos.

Por isso, é preciso que o assunto seja pauta de ampla discussão, o mais rápido possível. Sem qualquer controle e/ou fiscalização, a I.A. pode tomar a sociedade brasileira de assalto e promover o seu fracasso civilizatório, em um piscar de olhos. Essa é uma grave ameaça não só à Democracia e ao Estado de Direito; mas, à sobrevivência de cada cidadão que possa ser vítima das violências delituosas de origem tecnológica. Qualquer um pode ser a bola da vez desse contexto de insegurança e ódio que se dissemina entre nós. 

sábado, 11 de janeiro de 2025

Instinto de Sobrevivência ...


Instinto de Sobrevivência ...

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Uma passada de olhos nas matérias exibidas essa semana e a sensação é de um total descolamento da realidade. Assuntos que orbitam necessariamente os interesses capitais seriam relevantes se não houvesse um contexto muito mais urgente e significativo para a sobrevivência humana.

Nada é mais fundamental do que a vida! Todo o resto existe por conta dela. E não adianta que A, B ou C, queiram subverter essa lógica. É assim e ponto final. Portanto, nesse momento, não há como fugir da realidade que impera soberana sobre a raça humana. Em cada canto do globo terrestre operam manifestações extremas do clima, as quais vão muito além de si mesmas.

São as reverberações desses acontecimentos que afetam a dinâmica social, em suas mais diversas instâncias, e colocam abaixo a força das decisões impositivas, as tensões políticas, os interesses econômicos. Depois de tanto fazer e acontecer, estamos diante de algo à revelia de nossas escolhas e ou da capacidade de subjugá-lo. O que torna as discussões totalmente non sense, na medida em que o mundo começa a se reestabelecer sob uma nova ordem.

O ideário da Revolução Industrial que veio determinando os parâmetros e os objetivos da vida, não se sustenta mais. A negligência e a inobservância em relação ao seu rastro de consequências e desdobramentos nefastos, exige uma mudança urgente de rumos na história. Afinal, a lei da sobrevivência é implacável e inflexível. E queiram ou não admitir, o TER está se tornando cada vez mais relativizado. Ele não é mais um sinônimo de certeza.

A raça humana está sendo nivelada a um mesmo patamar. Não importa o gênero, a raça, a idade, a escolaridade, o status, ... De uma hora para outra os indivíduos são confrontados pela escassez. Seja de água, de alimentos, de moradia, de medicamentos, ... De uma hora para outra os seres humanos podem perder todo o seu recurso.  Haja vista os recentes incêndios na Califórnia. Assim, de repente! A vida como ela é deixa de ser.

De modo que a apologia do caos através da busca pela monetização do ódio nas redes sociais, ou das políticas imperialistas beligerantes, ou dos comportamentos anticidadãos e antidemocráticos, ... demonstra o seu imenso distanciamento do que realmente importa. Não está nas mãos de nenhuma dessas práxis a manutenção da sobrevivência e da dignidade coletiva da raça humana. Muito pelo contrário. Elas acabam por funcionar como catalizadores da destruição. Os cavaleiros do apocalipse. Que se comprazem com a peste, a guerra, a fome e a morte.

Se deixar levar por essa teia distópica, que obedece aos interesses de uns e outros, apegados às materialidades da vida, é inútil. É preciso agir, de maneira consciente e responsável, em nome do resgate do planeta aos seus verdadeiros trilhos. Conter a propagação dos prejuízos socioambientais já consolidados. A voz da maioria tem que soar mais alto e mais consistente o seu instinto de sobrevivência. Nada mais importa se não tivermos meios de suprir nossas necessidades humanas fundamentais.  

Diante dessa breve leitura, nos permitamos refletir sobre as seguintes palavras, “Não é a paz que lhes interessa. Eles se preocupam é com a ordem, o regime desse mundo. (...) O problema deles é manter a ordem que lhes faz serem patrões. Essa ordem é uma doença em nossa história” (Mia Couto - O Último Voo do Flamingo, 2000). Contudo, “Em certo sentido, a direita tem razão quando se identifica com a tranquilidade e com a ordem. A ordem é a diuturna humilhação das maiorias, mas sempre é uma ordem – a tranquilidade de que a injustiça siga sendo injusta e a fome faminta” (Eduardo Galeano). Por isso é preciso agir!  

quarta-feira, 8 de janeiro de 2025

Em nome de quais interesses, hein?!


Em nome de quais interesses, hein?!

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

A sustentação do poder não é para qualquer um. É preciso ter know-how para não acabar se deixando levar pela arrogância desmedida e se transformando em escada das pretensões alheias. Antes mesmo do presidente eleito, dos EUA, tomar posse, em 20 de janeiro, seu governo dá sinais de que caminha para o início do fim.

Certas megalomanias que vem sendo divulgadas, algumas delas de viva voz por ele, parecem transpirar influências externas ao contrário de ideias próprias. Inclusive, porque ele tem escolhido o seu staff a dedo, indivíduos de vieses radicalizados ideologicamente, o que já causou diversos ruídos com sua base político-partidária.

Mas, considerando que apesar de sua experiência anterior, na Casa Branca, ele não é um ser político. Ele gosta do poder e do que esse pode lhe proporcionar; mas, não da política e da governança. Exatamente como um de seus principais indicados para o governo, que pensa estar fazendo um excelente negócio para si mesmo. Só que não.

A nível de discurso, a sede expansionista que tem marcado as falas do presidente eleito, dos EUA, demonstra a total inabilidade e desconhecimento geopolítico, no contexto contemporâneo. O que torna esse tipo de jogo extremamente temerário aos interesses estadunidenses; sobretudo, ao favorecer seus principais oponentes globais.

Desfazendo-se da dialogia para utilizar da beligerância como estratégia, os EUA constroem barreiras de isolamento em relação ao mundo, o que, ao menos em tese, abre oportunidades aos que assistem de camarote a sua radicalização discursiva.  

Bem, relembrando as sábias palavras de Carl Gustav Jung, “Quem olha para fora sonha, quem olha para dentro desperta”, enquanto o novo governo dos EUA se inebria com seus delírios expansionistas, fomentados pelas influências alheias, à revelia do que pensam os seus cidadãos, talvez, o despertar possa vir de maneira caótica.

E aí cabe dois aspectos de análise. Primeiro, porque essa estratégia esgarça qualquer intenção de favorecer a popularidade da ultradireita no cenário mundial. Pesquisas e estudos acadêmicos dão conta da impopularidade da beligerância no mundo contemporâneo. A insatisfação é geral, quando se trata de comportamentos autoritários, opressores, tirânicos.

Segundo, porque não só pela dinâmica social que eles representam; mas, pelas consequências desastrosas, de natureza político-econômica, que a beligerância, em si, produz. Com os olhos e os interesses voltados para conflagração externa, o país fica à deriva, à mercê da própria sorte. Especialmente, do ponto de vista econômico, tendo em vista os vultosos montantes destinados à manutenção dos conflitos.

Mas, ainda caberia um terceiro aspecto. Considerando o lema da campanha eleitoral vencedora, “Fazer a América Grande Outra vez” (Make America Great Again – MAGA), parece haver uma dissonância de ideias. Rupturas dialógicas e diplomáticas; bem como, estratégias de caráter imperialista, não são um caminho no sentido de fortalecer os EUA.  A política da pós-verdade, do medo social, pode sim, surpreender com um efeito totalmente reverso, em relação a eles mesmos.

Começando pelo próprio país. Por mais que o Partido Republicano tenha vencido às últimas eleições, os estadunidenses não estão coesos politicamente. Há diversas questões que apontam a existência de fraturas na sociedade, sendo uma delas a guerra. Os EUA são um país marcado historicamente pela belicosidade, dentro e fora do seu território; mas, ainda não conseguiram superar todas as arestas, nesse sentido.

Além disso, o cenário atual do planeta não é dos melhores. Há duas guerras em curso. Há uma série de países envolvidos, dentro de um nível de complexidade diplomática bastante importante. Qualquer movimento errático dos EUA, nessas alturas do campeonato, pode catalisar desdobramentos inimagináveis, afetando diretamente a estrutura de governança estadunidense.

Ora, lembremo-nos as palavras de Nicolau Maquiavel, “Mas a ambição do homem é tão grande que, para satisfazer uma vontade presente, não pensa no mal que daí a algum tempo pode resultar dela”. E nisso reside o início do fim. Ao deixar-se envolver pelas lisonjas, os apertos de mãos, as trocas de favores, a vaidade deturpa e arruína o poder do governante. No entanto, não foi a essas pessoas que a Democracia, através do pleito eleitoral, elegeu.

O que significa que as malfadadas consequências, que possam vir dessa gestão, na verdade, são de responsabilidade do presidente. Das suas escolhas. Das suas decisões. Afinal, ele assumiu um compromisso constitucional com seu país. Se uns e outros o influenciaram, o persuadiram, isso não muda a realidade dos fatos; mas, de certa forma, pode sim, ser um sinal do tamanho das pretensões e das ambições desses indivíduos, em relação ao poder.     

Assim, diante dessa breve reflexão, guardemos na memória que “O Príncipe que depende de muitos costuma não ter sucesso”; pois, “Existe uma distância tão grande entre como se age e como se deveria agir, que aquele que despreza o mundo real para viver num mundo imaginário encontrará antes sua ruína do que sua salvação”.  Afinal de contas, ele acabará descobrindo, da pior forma, que “É fácil persuadir o povo de algo, difícil é manter essa persuasão” (Nicolau Maquiavel – O Príncipe, 1532)

segunda-feira, 6 de janeiro de 2025

Luz. Câmera. Ação. ...


Luz. Câmera. Ação. ...

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Quase não consegui dormir, tamanha a euforia depois de Fernanda Torres se tornar a primeira brasileira a ganhar o prêmio de melhor atriz de drama no Globo de Ouro, por sua atuação em “Ainda estou aqui”. Fiquei pensando a respeito de tudo o que essa premiação representa além de si mesma.

Começando pelo fato de que ela provoca um tipo de ruptura com a nossa herança colonial eurocêntrica, que sempre buscou a validação do outro, na figura das metrópoles, inclusive, nos aspectos culturais, para apontar o bom, o belo, o importante. Bem, parece que, finalmente, no campo do cinema, rompemos essa bolha histórica. O talento indiscutível dos nossos atores, atrizes, diretores e demais profissionais da 7ª Arte, personificado por Fernanda Torres, nessa madrugada, em Los Angeles, foi levado em consideração e aclamado fora da sua zona de conforto nacional.  

E isso é incrível porque traz o olhar do próprio brasileiro para a grandiosidade que compõe a sua cultura, ou seja, ele passa a tecer uma nova percepção a respeito da sua identidade nacional. A compreender o que é cultura. Como ela atravessa as nossas vidas. Como ela nos representa enquanto sociedade plural e diversa. Como ela nos oferta um lugar de fala para as nossas crenças, valores, emoções e sentimentos, ainda que preservando delicadamente a nossa privacidade.

Contudo, a lição mais valiosa oportunizada pelo filme de Walter Salles foi tão sutil que passou despercebida por muitos. Simplesmente, porque ela não começa no filme; mas, na sensibilidade do autor Marcelo Rubens Paiva em transcrever em palavras o registro da sua história familiar, a luz do olhar de sua mãe Eunice. Uma história que se alinhava do início ao fim pela força oriunda do afeto mais genuíno que pode caber em um ser humano.

De modo que aquela família brutalmente dilacerada pelo desaparecimento do pai, por força da política ditatorial vigente no Brasil, durante o Regime Militar, só se torna capaz de resistir aos acontecimentos, em razão de um afeto incondicional que a mantinha unida. Na ausência do pai, Eunice reuniu em si esse afeto e fez dele a ligação perfeita com cada um de seus cinco filhos, para sobreviver aos desdobramentos daquele processo terrível.

Portanto, essa história que, agora, lota as salas de cinema, dentro e fora do país, não só descortina a crueldade e a perversidade autorizada pelo Estado brasileiro contra diversos de seus cidadãos, contrários ao regime político vigente entre 1964 e 1985; mas, demonstra a necessidade do afeto para não se deixar jamais embrutecer pela realidade. E olhando para a contemporaneidade esses vieses são essenciais.

Primeiro, pelo distanciamento temporal que impede às novas gerações de perceberem, em profundidade, a dimensão histórica de certos acontecimentos. A partir de uma construção autobiográfica, como é o livro de Marcelo, se torna possível contribuir significativamente para esse resgate da cidadania nacional sob diferentes aspectos, promovendo uma abertura dialógica entre gerações.

Segundo, pelo fato de que a contemporaneidade vem consolidando uma sociedade pautada pelo tripé do individualismo, do narcisismo e do egoísmo. Fechados em suas bolhas, os indivíduos estão sim, avessos às manifestações do afeto. Estão menos empáticos, solidários, fraternos, amorosos, ... Algo que não repercute apenas nas suas relações com o mundo; mas, dentro do próprio núcleo familiar. Um sinal claro de que estão vivendo sob uma fragilidade e uma vulnerabilidade extrema no que diz respeito a construir o seu porto seguro, o seu alicerce afetivo-emocional.

Então, quando a história do livro se transporta para as telas dos cinemas e passa a ser contada para milhares de espectadores, é como se a cultura brasileira fizesse as pazes com a sua gente. Um laço de afeto se restabelece, a partir da possibilidade de se perceber a importância cultural para a construção da nossa identidade, da nossa historicidade. De repente, se descobre que a cultura do outro não nos satisfaz inteiramente. Precisamos da nossa! Precisamos saber quem somos!

Porque, “A cultura é um processo contínuo em que se acumulam conhecimentos e também práticas que resultam da interação social entre indivíduos. Esse processo é mediado pela língua, que permite que a cultura seja transmitida e difundida entre as gerações, daí compreendemos que a cultura de um povo constitui-se como um todo que é realizado por cada indivíduo, afinal, cada um é peça importante na construção cultural, uma vez que é portador, disseminador, mas também criador de cultura” (Coelho; Mesquita, 2013, p.27 1).

Desse modo, só me cabe dizer que o prêmio recebido por Fernanda Torres simboliza sim, um arauto de libertação cultural contra o domínio de uma cultura sobre todas as outras e de uma desconstrução do nosso complexo de vira-lata, pela força de um afeto que afaga a nossa identidade nacional. Provou-se, de uma vez por todas, que “A evidência de que o mundo é culturalmente diverso não pode mais ser ignorada, nem mesmo por aqueles que não gostam dessa realidade e até lutam contra ela” (Agustí Nicolau Coll, 2002  2). Portanto, somos bons! Muito bons! Talentosos e competentes! Nossa cultura não está aquém de nenhuma outra!



1 COELHO, L. P.; MESQUITA, D. P. C. de. Língua, Cultura e Identidade: Conceitos intrínsecos e interdependentes. ENTRELETRAS, Araguaína/TO, v.4, n.1, p.24-34, jan./jul.2013. 

2 COLL, A. N. Proposta para uma diversidade intercultural na era da globalização. São Paulo: Instituto Pólis, 2002. 124p. (Cadernos de proposições para o Século XXI, 2).