Câncer: Uma
reflexão que precede a própria doença
Por Alessandra
Leles Rocha
Não é de se espantar que o frenesi
contemporâneo também tenha o efeito de nos desfocar de nós mesmos. Infelizmente,
dia a dia, nos colocamos no fim da fila das prioridades, como se o nosso
bem-estar e plenitude existencial fossem desimportantes. Sendo assim, proponho
uma reflexão, neste dia, que marca a luta de combate ao câncer.
Segundo a Organização
Pan-Americana da Saúde (OPAS), “Em 2022, houve mais de 4,2 milhões de novos
casos de câncer na região, e a projeção é que esse número aumente em 60% até
2045, para 6,7 milhões de casos. O câncer é uma das principais causas de morte
nas Américas. Em 2022, foi responsável por 1,4 milhão de mortes, 45% das quais
ocorreram entre pessoas com 69 anos ou menos” 1.
Diante disso, é preciso tecer uma
análise a partir do cerne desse problema. E qual seria ele? Voltarmos a ser
protagonistas da nossa vida. Uma das consequências mais terríveis, imposta aos
seres humanos, pela Revolução Industrial, foi justamente se permitir ser
desumanizado para ser coisificado. Um número entre tantos nas linhas de
produção a fim de que pudesse justificar a sua sobrevivência.
Mas, isso não foi por acaso. A ideia
de que “O preguiçoso fica pobre, mas quem se esforça no trabalho enriquece”,
“O trabalho é a fonte de todas as riquezas” ou “O trabalho dignifica
o homem” tem sido secularmente incorporada ao inconsciente coletivo da
humanidade a fim de que as pessoas não se permitam à tentação do ócio.
Permitir-se momentos de folga, de descanso, de cessação do trabalho, sempre
trouxe consigo a estereotipização pejorativa da inutilidade, da preguiça, da
vagabundagem.
Tanto que, lamentavelmente, chegamos
a uma das mais abjetas considerações a respeito, inscrita no letreiro de metal da
entrada do campo de concentração nazista de Auschwitz: “Arbeit macht frei”
(O trabalho liberta ou nos torna livres, em tradução livre). Um lugar que foi
transformado no Museu Estatal de Auschwitz-Birkenau, em Oświecim, Polônia, para
não se permitir esquecer os horrores e as atrocidades cometidas contra seres
humanos. Era um lugar onde prisioneiros eram distribuídos para trabalhos
forçados, em longas e extenuantes jornadas e, posteriormente, executados nas câmaras
de gás.
Bem, feita essa triste consideração,
voltemos, então, a pensar sobre a relação entre o câncer, em suas mais diversas
formas, e o modo como encaramos às nossas atividades laborais. Apesar de já
comprovados cientificamente alguns gatilhos para o surgimento do câncer, tais
como a predisposição genética (hereditariedade), consumo de álcool, tabaco e
outras drogas lícitas e/ou ilícitas, exposição a certos agentes químicos,
poluição do ar, da água e do solo, a questão do estresse não pode ser descartada.
Os mais de 8 bilhões de seres
humanos, sobre a Terra, estão sim, susceptíveis e vulneráveis, desde as mais
simples até as mais complexas manifestações, do estresse contemporâneo. São tantas
obrigações, tarefas, afazeres, compromissos, deslocamentos, que as agendas ultrapassam
quaisquer limites de tolerabilidade impostos pelas 24h do dia. É aí que, fisiologicamente, o processo de
degradação e deterioração do organismo começa a se desenhar.
De repente, você começa a se
deparar com o rosto repleto de acne, relembrando seus tempos de adolescência. Dores
de cabeça se tornam companheiras fiéis do seu dia a dia. Mas, elas são apenas o
ponto de partida, porque, logo em seguida, emergem dores crônicas, como a
fibromialgia. Não bastasse isso, as alergias e problemas na pele surgem para
recrudescer o cenário. Até que o ponto alto seja a queda abrupta da imunidade. Fatores
que somados contribuem para a insuficiência e a ineficiência do sono, deixando
os indivíduos, cada vez mais, cansados, fatigados e propensos ao aparecimento
de outras patologias: alterações na libido, problemas digestivos, alterações no
apetite, queda de cabelo, taquicardia, Bruxismo, sudorese e tensão muscular.
Centenas de alertas, enviados por
você mesmo, mas que não são devidamente levados a sério. De modo que por efeito
repetitivo, ao longo de semanas, meses e até, anos, vão desregulando o
funcionamento corporal e se juntando a todos aqueles gatilhos comprovados
cientificamente, para, enfim, transformarem células saudáveis em células
cancerosas. O não prestar atenção a si mesmo, por conta do estresse, é um fator
que impulsiona, portanto, o aparecimento do câncer.
Além disso, temos que concordar,
também, que nem todos os mais de 8 bilhões de seres humanos são favorecidos pela
acessibilidade médico-hospitalar, no sentido de promover não só um
acompanhamento regular da saúde; mas, sobretudo, estabelecer um protocolo de
prevenção e terapêutica ao primeiro sinal de desajuste. Quando falo nesse “não
prestar atenção a si mesmo”, esse aspecto da inacessibilidade está implícito.
Muita gente posterga os cuidados com a própria saúde por uma inacessibilidade
total ou parcial. Cuidar da saúde é caro; mas, não o fazer pode custar ainda
mais. Inclusive, a vida.
Portanto, estamos diante de um
contexto que merece a atenção da coletividade humana, de todos, sem exceção. Governos. Instituições. Organizações Não-Governamentais
(ONGs). Cientistas e pesquisadores. Profissionais de saúde. Educadores. Sociedade
civil. Se por um lado a expectativa de vida tem se mostrado rumo aos 80 anos,
por outro, o modo como estamos deixando fluir o comportamento social está impactando
as estatísticas do adoecimento populacional; principalmente, quanto aos casos
de câncer.
Sem contar, que o câncer não é só
uma doença de difícil e de complexo tratamento; mas, de grande impacto socioeconômico.
As terapêuticas são caras e, em muitos casos, demandam suporte multidisciplinar,
inacessível a maioria dos pacientes. A necessidade de deslocamento, por parte
de muitos doentes, é difícil e gera diversos ônus adicionais. Diversos acometidos
pelo câncer e/ou familiares precisam abdicar dos seus postos de trabalho durante
o período imposto pelo tratamento, o que impacta o orçamento das famílias. Enfim...
Hipócrates, médico e filósofo
grego, dizia que “Antes de curar alguém, pergunta-lhe se está disposto a
desistir das coisas que o fizeram adoecer”. Mais do que nunca, podemos
dizer que ele tinha razão. Não, “Não é sinal de saúde estar bem adaptado a
uma sociedade doente” (Jiddu Krishnamurti – Filósofo e escritor indiano). Desse
modo, urge termos que prestar atenção em nós, de uma maneira mais profunda e
responsável. Não nos esqueçamos de que a existência humana começa pela defesa
exercida por cada indivíduo em relação à sua própria vida. Sendo assim, faça o
melhor que puder para cuidar de você!