quinta-feira, 5 de junho de 2025
sexta-feira, 30 de maio de 2025
PL 320/2025 - O mundo está, ou não, sob o impacto de emergências climáticas?
PL 320/2025
- O mundo está, ou não, sob o impacto de emergências climáticas?
Por
Alessandra Leles Rocha
Afinal, o mundo está, ou não, sob
o impacto de emergências climáticas? O motivo da pergunta é o Projeto de Lei
(PL) 320/2025, aprovado pela Comissão de
Agricultura (CRA) do Senado brasileiro, que “autoriza a renegociação de até
R$ 60 bilhões em dívidas de produtores rurais impactados por eventos climáticos
extremos desde 2021” 1.
Afinal de contas, entre os nobres legisladores da República, uma parcela bastante
significativa é enfaticamente negacionista em relação aos eventos extremos do
clima.
Assim, por uma coerência ética, é
fundamental que eles esclareçam os fatos. Especialmente, considerando que o
texto desse PL prevê a securitização dessas dívidas, convertendo-as em títulos
garantidos pelo Tesouro Nacional, com prazos de até 20 anos e carência de três
anos para o início dos pagamentos. A redução das taxas de juros, que poderão
variar entre 1% e 3% ao ano, além de bônus por adimplência e prorrogação
automática das prestações em caso de novos desastres naturais. A criação de uma
linha especial de crédito pelo BNDES, com juros de até 5% ao ano, voltada à
recuperação de solos e sistemas de irrigação.
Considerando o velho ranço
colonial brasileiro, não é de se espantar que esse PL se mostre visivelmente uma
homogeneização da questão, abstendo-se de uma análise criteriosa, dentro do
espectro do agronegócio nacional, a fim de estabelecer aqueles produtores verdadeiramente
impossibilitados de enfrentarem autonomamente os impactos causados por eventos climáticos.
O que significa abranger a todos, sem distinção;
mas, beneficiando direta e prioritariamente a elite representada pelos grandes
proprietários de terras, no país. Sem contar, que não há quaisquer menções no
sentido de estabelecer uma contrapartida, em termos de ações
socioambientalmente responsáveis e capazes de uma mitigação sistemática às emergências
climáticas.
Queiram ou não admitir, tal ideia
representa um poço sem fundo. Haja vista que a manutenção do descompromisso em
relação às políticas de desenvolvimento sustentável, as quais se alicerçam pelo
tripé do crescimento econômico, da inclusão social e da proteção ambiental, fará
desse PL um veio de desperdício orçamentário, sem precedentes. É preciso
entender que toda atividade econômica tem os seus riscos inerentes. No caso do
agronegócio, independentemente do recrudescimento das mudanças climáticas, as
condições naturais em si, já representam um risco. Obter benefícios governamentais
sem assumir compromissos e responsabilidades para o enfrentamento da nova
realidade climática global é simplesmente imoral.
Sobretudo, porque quaisquer que
sejam os montantes de recursos capitais empenhados, por si só eles não têm
quaisquer capacidades de reversão dos agravos no quadro ambiental vigente. A máquina
do agronegócio depende, necessariamente, da manutenção do equilíbrio ecossistêmico.
De modo que a superexploração de recursos naturais, como irrigação excessiva, desmatamento,
utilização de queimadas e contaminação do solo por agentes poluidores, gera
impactos negativos, comprometendo a sustentabilidade e a viabilidade das
atividades do setor. No caso específico das temperaturas extremas e dos eventos
climáticos, cada vez mais frequentes, eles tensionam diretamente a capacidade
produtiva, gerando oscilações de mercado, ou seja, variações de preços, lei da
oferta e da procura e mudanças nas políticas de comércio exterior 2.
Ao que tudo indica, então, o PL 320/2025
não só se abstém do apoio e do engajamento às políticas de desenvolvimento
sustentável, para o setor do agronegócio; mas, também, da preocupação com a suficiência
da produção nacional e, por consequência, com a segurança alimentar da
população. Aliados e simpatizantes ao setor do agronegócio, no legislativo
federal brasileiro, estão sim, preocupados com a manutenção das suas regalias e
privilégios históricos ainda que isso signifique se beneficiar de recursos
governamentais apesar do cenário improdutivo, ou de baixa produção, decorrente
do seu arraigamento ideológico negacionista.
quinta-feira, 29 de maio de 2025
Qual é a sua visão de DESENVOLVIMENTO?
Qual é a
sua visão de DESENVOLVIMENTO?
Por Alessandra
Leles Rocha
A contemporaneidade tem nos
imposto uma análise reflexiva, a qual precisa dissecar camada por camada dos
fatos e acontecimentos, para ser efetivamente compreensível. Talvez, por isso,
a grande maioria das pessoas não se disponha a atuar nesse sentido, porque isso
demanda algum tempo. Quando o assunto diz respeito às questões socioambientais,
isso fica muito evidente!
Para início de conversa, é
impossível entrar nessa seara, desconsiderando os impactos que o DESENVOLVIMENTO,
impulsionado pelas Revoluções Industriais, apresenta. É certo que, nos idos do
século XVIII, não se dispunha de uma compreensão ampla e aprofundada a respeito
das reverberações e consequências que emergiriam da industrialização.
No entanto, seus apoiadores e
financiadores se apressaram a propagar, de maneira maciça, uma visão idealizada
e enviesada do assunto. O que significava estar alinhada a contemplar prioritariamente
os benefícios, invisibilizando e/ou excluindo os malefícios. E esse é o ponto
chave, que atormenta a realidade contemporânea.
As acaloradas e desrespeitosas discussões,
que vêm acontecendo, nos últimos dias, no cenário político-partidário nacional,
é prova cabal dessa situação1.
A visão dissociativa entre DESENVOLVIMENTO, SOCIEDADE E MEIO AMBIENTE, revela
como esse discurso foi secularmente moldado no inconsciente coletivo.
Com base na própria historicidade
nacional, ou seja, o Brasil como ex-colônia de exploração da metrópole portuguesa,
se entende por quais caminhos a noção de DESENVOLVIMENTO foi formulada, no
país. Um DESENVOLVIMENTO voltado exclusivamente para a produção de riqueza, de
lucro. Algo que, diante do passar do tempo, foi justificado por um fim. Qual seria
ele? A geração de emprego e renda, o que para um país, com uma flagrante
desigualdade socioeconômica, parece bastante convincente.
Só que não. Basta um breve passar
de olhos pelos veículos de informação e de comunicação, diariamente, para ser
confrontado com as marcas das desigualdades nacionais. Um sinal claro de que o
DESENVOLVIMENTO, por aqui, dentro desses moldes, permanece satisfazendo aos
interesses diretos das elites e seus meios de produção.
Por essas e por outras, esses
indivíduos estão se manifestando de maneira belicosamente histriônica. A histórica
conquista brasileira, a qual parecia se consagrar como uma reparação à
irracionalidade dos ciclos exploratórios ocorridos no país, o LICENCIAMENTO
AMBIENTAL não só impõe uma nova visão de DESENVOLVIMENTO; mas, incomoda a permanência
das velhas práxis garantidoras dos interesses desse estrato social.
Vejam, a ausência de licenças
para instalação, ampliação, modificação e operação de atividades que utilizam
recursos naturais ou que podem causar impactos ambientais, é uma obstaculização
gratuita ao DESENVOLVIMENTO. Com base nos exemplos retratados nos filmes MINAMATA
(2021) 2, O PREÇO DA VERDADE (2019)
3 e ERIN BROCKOVICH
(2000) 4, se torna facilmente
compreensível o papel fundamental das licenças ambientais para evitar consequências
e desdobramentos irreparáveis, capazes de impactar negativamente outros setores
da sociedade.
Licenças ambientais não se
baseiam em ideologias! Elas são instrumentos de natureza técnico-científica. Seu
objetivo primordial é garantir a compatibilidade entre o desenvolvimento
econômico-social e a proteção do meio ambiente, a partir da regulamentação das
atividades que possam ser direta e/ou indiretamente causadoras de impactos
negativos, inclusive, letais.
Mesmo com sua existência, no
Brasil, não podemos jamais esquecer de episódios como os ocorridos em Mariana (2015)
e em Brumadinho (2019). Cujos processos judiciais ainda se arrastam,
repercutindo o sofrido e angustiante desalento dos atingidos; bem como, se
mantêm expostos à força do poder capital dos responsáveis para não só
postergar, mas inviabilizar as reparações e os ressarcimentos materiais
estabelecidos pela Justiça.
Nada surpreendente se observado o
modelo de DESENVOLVIMENTO presente na realidade brasileira, e que vem sendo
defendido raivosa e estridentemente nos palcos político-representativos, a fim
de gerar uma adesão social rasa e irreflexiva. Relembrando Fernando Pessoa, o famoso poeta português,
“O provincianismo consiste em pertencer a uma civilização sem tomar parte do
desenvolvimento superior dela - em segui-la pois mimeticamente com uma
insubordinação inconsciente e feliz”.
Assim, diante do cenário do
século XXI, o que está em discussão é o DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL, “o
desenvolvimento que encontra as necessidades atuais sem comprometer a
habilidade das futuras gerações de atender suas próprias necessidades” (Gro
Harlem Brundtland, ex-primeira-ministra da Noruega e líder internacional em
desenvolvimento sustentável). O que significa que “A sustentabilidade é
uma questão de vida ou morte para a humanidade” (Jacques Cousteau - oceanógrafo,
cineasta e autor francês).
Lembre-se: “As letras e a
ciência só tomarão o seu verdadeiro lugar na obra do desenvolvimento humano no
dia em que, livres de toda a servidão mercenária, forem exclusivamente
cultivadas pelos que as amam e para os que as amam” (Piotr Kropotkin - geógrafo
e escritor russo). Somente nesse contexto é que a sociedade entenderá as
palavras de Mahatma Gandhi, advogado, nacionalista anticolonial e eticista
político indiano, “Cada dia a natureza produz o suficiente para nossa
carência. Se cada um tomasse o que lhe fosse necessário, não havia pobreza no
mundo e ninguém morreria de fome”.
1 https://midianinja.org/pl-da-devastacao-amplia-desigualdades-e-ameaca-populacoes-tradicionais-e-trabalhadores-rurais-alerta-oxfam/
2
MINAMATA Official Trailer (2021) Johnny Depp, Bill Nighy - https://www.youtube.com/watch?v=WP3pKTssw_E
https://news.un.org/pt/story/2022/08/1798272
https://jornal.usp.br/ciencias/mercurio-do-garimpo-causa-danos-neurologicos-aos-yanomami/
3
O Preço da Verdade - Dark Waters | Trailer Legendado - https://www.youtube.com/watch?v=02QZ4fFXaoU
4
Erin Brockovich 2000 Official Trailer - https://www.youtube.com/watch?v=IRPjTMbSEG0
terça-feira, 27 de maio de 2025
O mundo e o ódio
O mundo e
o ódio
Por Alessandra
Leles Rocha
A saga humana sobre a Terra é
sim, marcada pelas idas e vindas do seu fracasso civilizatório. Domar o
instinto primitivo, o bárbaro que habita as profundezas da inconsciência humana,
não é tarefa fácil! De vez em quando, sob ondas rompantes e tenebrosas, o lado
escuro da força se manifesta. O exemplo da ocasião é o ódio. Em todas as suas
formas. Sob todos os pretextos. Odiar no mundo virtual. No mundo real. Odiar...
E apesar de não mudar em nada, no
curso da própria história de quem odeia, ele o faz porque o senso deturpado do
individualismo lhe aponta esse tipo de comportamento como uma forma de poder. A
ideia de poder odiar o outro resulta uma satisfação, um sentimento de coragem
infracional, de superioridade social. Mas, não é só isso. O ódio ao outro
exerce sempre a função de evitar que se enxergue a própria imagem, na sua
devida dimensão factual.
Assim, a pseudoideia de superioridade,
de força, de capacidade, ... se mantém inabalável no indivíduo. Segundo o
escritor tcheco Milan Kundera, “O valor de um ser humano reside na
capacidade de ir além de ele próprio, de sair de dentro de si próprio, de
existir dentro de si próprio e para as outras pessoas”. Talvez, por isso, o
ódio seja tão importante para uns e outros, por aí.
Não é à toa que estudiosos no
campo do comportamento identificaram a explosão do interesse e do
compartilhamento do ódio nas mídias sociais. O ódio lidera na capitalização de
recursos. De modo que, na busca de engajamento nesses espaços virtuais, a opção
pela disseminação da paleta de manifestações odiosas cresce tão vertiginosamente.
Algo que vem fragmentando a dinâmica existencial
em pequenos pretextos para a deflagração do ódio. Racismo. Xenofobia. Homo e
Transfobia. Sexismo. Misoginia. Etarismo. Gordofobia. Aporofobia. Classismo. Capacitismo.
Intolerância Religiosa. ...
Daí o ódio ser cada vez mais
atemporal e amplo na sua distribuição socioespacial. Não há um dia sequer em
que os veículos de informação e de comunicação, tradicionais e alternativos,
não exibam registros de ódio aqui, ali ou acolá. Aliás, essa intensificação discursiva,
em torno da reverberação do ódio, acaba elevando a hostilidade ao nível de caminho
único para a convivência e a coexistência humana.
Acontece que esse processo conduz
a sociedade a um silenciamento coletivo, em nome do medo. Os indivíduos começam a construir, ainda que subjetiva
e metaforicamente, os seus muros, os seus guetos, as suas bolhas, as suas
ilhas. De modo que somente nesses ambientes predeterminados é que eles se sentem
confortáveis para ser, para existir. Ainda que, muitas vezes, pisando em ovos
para evitar quaisquer abalos ou rupturas ao seu pertencimento e aceitação
social.
Lembrei-me, então, do que escreveu
Mia Couto em seu livro O último voo do flamingo (2022), “A guerra nunca
partiu, filho. As guerras são como as estações do ano: ficam suspensas, a
amadurecer no ódio da gente miúda”. Esse silenciar, dentro do cenário
social, não deixa de ser uma práxis mórbida de gestação do ódio. Se você ainda
não leu, ou assistiu ao filme, “O ÓDIO QUE VOCÊ SEMEIA”, de Angie Thomas, penso
deveria fazê-lo. Trata-se de uma obra que aborda especificamente essa dimensão
do assunto.
Queiramos ou não admitir, é dentro
desse viés que a raça humana está inserida, nesse exato momento. Estamos, até
certo ponto, reféns do ódio! Porém, “Dos medos nascem as coragens; e das
dúvidas, as certezas. Os sonhos anunciam outra realidade possível e os
delírios, outra razão” (Eduardo Galeano - O livro dos abraços. Porto
Alegre: L&PM, 2002). Cabe, então, a cada ser humano entender e absorver
que “Não importa de onde vim, mas, sim, aonde quero chegar” (Eduardo Galeano
- escritor e jornalista uruguaio).
Afinal de contas, a lição que está
posta é: “Nada mais civilizado do que saber conviver com as diferenças”;
pois, “Nada denuncia mais o grau de civilidade de um país e de um povo do
que o modo de tratar a coisa pública e a coletividade.” (Gloria Kalil – jornalista
brasileira). Ignorar essa ideia é permitir, abertamente, que o ódio
prospere, na medida em que “Basta que um homem odeie outro para que o ódio
ganhe a pouco e pouco a humanidade inteira” (Jean-Paul Sartre – escritor e filósofo
francês).
segunda-feira, 26 de maio de 2025
É preciso atenção às opiniões que se relativizam abruptamente ...
É preciso
atenção às opiniões que se relativizam abruptamente ...
Por
Alessandra Leles Rocha
É de conhecimento público que a Direita e seus matizes, especialmente, a ultradireita,
se utilize de diferentes estratégias de propaganda para alcançar seus
objetivos. No entanto, na Terra Brasilis, o setor cultural não só foi
abandonado, durante o último governo desse espectro político-partidário, como
foi sumariamente desconstruído sob forte fogo cruzado entre ofensas e
acusações. Algo que não só causou repulsa, por parte da população; mas, também,
evidenciou o enorme desconhecimento daquele governo sobre a chamada Economia
Criativa.
Para quem desconhece o
significado, trata-se de um setor da economia nacional voltado a valorizar a
criatividade, o conhecimento e a inovação, promovendo a geração de recursos em termos
econômicos e sociais. Portanto, me refiro às artes plásticas, design, música, moda,
teatro, cinema, ... e demais áreas que
utilizam a criatividade para o desenvolvimento de produtos, serviços e
experiências socio inovadoras.
Segundo dados da Organização das
Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO), “O setor cultural
está entre os setores que mais crescem no mundo, respondendo por 6,1% da
economia mundial. A indústrias culturais e criativas produzem um faturamento
anual de US$ 2,25 bilhões e quase 30 milhões de empregos no mundo, e fornecem
trabalho para mais pessoas com idade entre 15 e 29 anos do que qualquer outro
setor” 1.
Daí a imensa surpresa ao me deparar
com a notícia de que um dos players do mercado financeiro, representante da
ultradireita nacional, tem em sua mesa uma proposta para financiar a campanha do
grande sucesso brasileiro, em Cannes 2,
e tentar emplacá-lo no Oscar, em 2026. Bem, não se trata de um eventual “Mea culpa”,
depois dos anos em que se dispuseram a empregar seus discursos em favor de uma avalanche
de ataques ao setor cultural, inclusive, em relação à Lei Rouanet (Lei n.º
8.313/1991), liderada pela Direita e seus matizes mais radicais e extremistas, no
país.
O filme RAÇA (Race) 3, de 2016, baseado na história de Jesse Owens,
o maior representante do atletismo da história, durante o cenário mundial das
Olimpíadas de 1936, na Alemanha nazista, traz um aspecto importante sobre esse
assunto. Na época, o governo alemão, na
figura do Ministro da Propaganda do Terceiro Reich, pretendia transformar aqueles
Jogos Olímpicos em uma vitrine da superioridade ariana, através das lentes de
uma jovem cineasta.
Isso significa a utilização do
setor cultural, no caso o cinema, para servir aos interesses de ampliação da
popularidade governamental junto a uma sociedade. Certos governos; sobretudo,
aqueles de viés autoritário e fascista, enxergam nesse caminho uma estratégia perfeita
para capitalizar apoio e credibilidade à sua ideologia. Não é difícil de entender
que pessoas/empresas dispostas a patrocinar financeiramente produtos ou
serviços desenvolvidos a partir da Economia Criativa, promovem de maneira
objetiva e subjetiva uma percepção muito positiva sobre o seu próprio espectro
político-partidário.
É claro, que o país torce para
mais uma onda de premiações internacionais para o cinema! Para que isso
aconteça, de fato, é necessário a existência dos apoiadores e/ou patrocinadores,
tornando possível essa longa empreitada. Colocar um filme em cenário
internacional competitivo é tarefa hercúlea e onerosa. Mas, não posso deixar de
apontar a minha preocupação quanto ao que possa estar oculto nas entrelinhas
das negociações; sobretudo, considerando uma mudança de opinião tão radical, da
Direita e seus matizes, especialmente, a ultradireita, em relação à Cultura. Afinal,
como diz o provérbio popular, “quando a esmola é demais, o santo desconfia”!
2 https://www.correiobraziliense.com.br/cbradar/o-agente-secreto-vence-premio-cannes-mas-perde-a-palma-de-ouro/
3 Raça | Trailer Oficial (2016) Legendado HD - https://www.youtube.com/watch?v=6lqZmATIq1g
sábado, 24 de maio de 2025
sexta-feira, 23 de maio de 2025
Sebastião Salgado (1944 – 2025)
Sebastião
Salgado (1944 – 2025)
Por
Alessandra Leles Rocha
Já dizia o médico e escritor João
Guimarães Rosa que a vida quer da gente coragem. Mas, nem sempre, se trata de
uma coragem heroica, de grandes feitos. Muitas vezes, é na simplicidade que ela
se permite revelar. E foi assim, de maneira quase inusitada, com Sebastião
Salgado.
Graduado em Economia, pela Universidade
do Espírito Santo, e Mestre pela Universidade de São Paulo, a sua coragem teve
o seu desabrochar pelas linhas tortas da Ditadura Militar, no Brasil. Mudou-se
para Paris, em companhia da sua esposa, a arquiteta e ambientalista Lélia
Deluiz Wanick, onde fez o seu Doutorado.
Hipnotizado pela lente de uma câmera
fotográfica, adquirida por Lélia, para registro de trabalhos arquitetônicos, Sebastião
Salgado incorporou a fotografia como hobby, durante um projeto sobre a cultura
do café, o qual participou em razão do seu trabalho como secretário para a
Organização Internacional do Café, em Londres.
Daquele momento em diante, no
mais absoluto ato de coragem, ele se desvencilhou da Economia para seguir o
chamado da Fotografia. Se revelava, então, o mais extraordinário fotógrafo
documental e fotojornalista, de todos os tempos, da história brasileira. É certo
que o conhecimento acadêmico propiciado pelo curso de Economia e sua
complementação, através de Mestrado e Doutorado, não esteve distante ou alheio a
essa mudança.
Pelo olhar das Ciências Econômicas
se tem uma percepção muito interessante do mundo e das relações sociais;
embora, tantas vezes, marcada pelas atrocidades existentes em um planeta tão
desigual e perverso. De modo que a fotografia lhe caiu como uma luva, no
sentido de refinar e aprimorar essa dialogia silenciosa da observação. Afinal
de contas, na práxis fotográfica, “Se você só vê o que é óbvio, você não
verá nada” (Ruth Bernhard - fotógrafa americana de origem alemã).
Então, movido por um misto de
razão e sensibilidade, ele se permitiu levar pelas lentes da sua câmera, aos
mais diferentes lugares do planeta, a partir de projetos que duravam anos para
serem executados. A fotografia de Sebastião Salgado é, na verdade, um processo
de imersão sociológica, que tinha uma necessidade de transpor a fronteira da
imagem para captar as sutilezas de uma linguagem não-verbal, quase imperceptível.
Era como se ele demandasse entender os silêncios e toda a expressão corporal e
paisagística, refletida em emoções e sentimentos.
Suas fotografias jamais foram,
apenas, imagens. Existe em cada uma delas um compromisso subliminar de comunicação
e interação com o mundo, a fim de propiciar a transmissão de mensagens, de valores
sociocomportamentais e de elementos socioculturais. O que as torna, de algum
modo, além dos limites do tempo. Da mesma maneira, que o seu trabalho
ambiental, em companhia de sua esposa Lélia, à frente do Instituto Terra 1.
Na visão dele, “Justiça
ecológica é responsabilizar nossa sociedade consumista pela destruição do
planeta e de seu patrimônio ambiental. Nosso consumo está destruindo tudo.
Conhecimento ecológico é reconhecer que somos feitos de uma mesma natureza, que
somos parte da biodiversidade. Este é o entendimento mais importante da
ecologia” 2. Ideias que também se
inserem na sua construção fotográfica, na medida em que através dela “Constatamos
que o mundo está dividido em duas partes: de um lado a liberdade para aqueles
que têm tudo, do outro a privação de tudo para aqueles que não têm nada” (Sebastião
Salgado 3).
Nesse sentido é que, cada indivíduo
diante de uma foto de Sebastião Salgado, à revelia do recorte temporal, se
sente desafiado a pensar. Afinal, nelas existe a pobreza, a guerra, o
deslocamento forçado, a ambição, a destruição, a beleza, a natureza, a fauna, a
flora, o ser humano, a infância, a velhice, enfim ... O retrato de um mundo que
nos possibilita questionar e relativizar a sua concepção evolutiva.
Segundo ele próprio afirmou, “Minhas
fotografias são um vetor entre o que acontece no mundo e as pessoas que não têm
como presenciar o que acontece. Espero que a pessoa que entrar numa exposição
minha não saia a mesma”. No entanto, ele chegou a destacar que “Só os
fotógrafos têm o direito de duvidar. Quando vamos a todas essas regiões do
mundo, enfrentando todos os problemas e desafios que você pode imaginar, nos
perguntamos: sobre ética, legitimidade, segurança. E cabe a nós encontrar a
resposta, sozinhos” (Sebastião Salgado 4).
E sem saber que se despediria,
dessa existência, aos 81 anos, ele deixou algumas palavras em tom de desabafo: “É
uma pena
vivermos apenas 80 ou 90 anos no máximo. Se
pudéssemos
viver mil anos, seríamos
capazes de entender nosso planeta mil vezes melhor, e viver de outra forma”; pois, “Eu
descobri que as maiores viagens que fiz na vida foram dentro de mim mesmo”
(Idem 4).
2 Syed,
Sabrina. Interview with Sebastião Salgado. The Architectural Review, 14 out.
2021.
3 Sebastião
Salgado: retratista dos povos e de suas lutas. A Verdade, 26 fev. 2016.
4 Y-Jean Mun-Delsalle. Sebastião Salgado: “Já Tive Vergonha de Ser Fotógrafo e Fazer Parte da Espécie Humana”. Forbes, 22 mai. 2025.
quinta-feira, 22 de maio de 2025
Projeto de Lei (PL) 2.159/2021
Projeto
de Lei (PL) 2.159/2021
Por Alessandra
Leles Rocha
BRASIL. O país recebeu esse nome por
conta da espécie vegetal Paubrasilia echinata (Pau-Brasil), uma árvore endêmica
da Mata Atlântica brasileira, a qual despertou imenso interesse dos
colonizadores portugueses, no século XVI, pela madeira vermelha utilizada para
tingir tecidos. É dessa forma que teve início o processo de colonização de
exploração, o qual foi submetido o nosso país.
Não só o Pau-Brasil, mas inúmeras
outras madeiras-de-lei, tais como o ipê, o mogno, o cedro, o jatobá, o
jacarandá, a cabreúva e a peroba, deram o pontapé inicial para o ganho econômico
imediato da Metrópole portuguesa. Diante da ausência de legislação
regulamentadora para a exploração, na época, o que se viu foi o rápido processo
de extinção de inúmeros representantes da flora nacional e, por consequência,
da fauna.
Daí a necessidade de recapitular a
historicidade brasileira para compreender a realidade contemporânea. O Senado aprovou,
ontem, 21 de maio de 2025, o desmonte do licenciamento ambiental no país. Trata-se
não apenas do maior ataque à legislação ambiental das últimas quatro décadas;
mas, da reafirmação das velhas práxis colonialistas do século XVI. Isso significa
que o Brasil não aprendeu absolutamente nada, nesses pouco mais de 500 anos de
história.
Com a diferença de que, durante o
colonialismo, as decisões e escolhas foram tomadas à revelia da população e sem
quaisquer bases técnicas e científicas de proteção ambiental; hoje, em pleno
século XXI, a subserviência, a submissão, a subordinação, a irresistência aos
interesses internacionais, ocorre de maneira voluntária, a fim de garantir a
manutenção das regalias, dos privilégios, dos interesses e dos poderes das
elites dominantes locais. Portanto, a exploração acontece de caso pensado, na
expressão mais realista e abjeta do viralatismo nacional.
É certo que a exata compreensão
dos impactos socioambientais negativos, oriundos das práxis exploratórias da
colonização, só foram compreendidos alguns séculos depois, com o avanço das ciências
naturais e ambientais. Mas, de posse de tamanho conhecimento já consolidado, é
de se espantar a insistência e a persistência em se manter na contramão da
evolução social.
Bastaria pensar que o planeta
Terra possui aproximadamente 8,09 bilhões de pessoas e que o recrudescimento
das ações antrópicas, incluindo a exploração dizimatória dos recursos naturais,
inviabiliza a sobrevivência em condições minimamente favoráveis. Pois, segundo
a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), “a
interrupção do desmatamento em todo o mundo poderia evitar a emissão de cerca
de 3,6 gigatoneladas (Gt) de dióxido de carbono equivalentes (CO2e) por ano
entre 2020 e 2050, incluindo cerca de 14% do que é necessário até 2030 para
manter o aquecimento global abaixo de 1,5°C. Já a restauração de 1,5 bilhão de
hectares de terras degradadas e o aumento da cobertura arbórea poderia aumentar
a produtividade agrícola em mais de 1 bilhão de hectares, retirando até 1,5
GtCO2e por ano até 2050. Além disso, a construção de cadeias de valor verde que
apoiem a floresta em pé ajudaria a atender à demanda futura por materiais, além
de viabilizar economias sustentáveis com mais oportunidades de emprego e meios
de subsistência mais seguros” 1.
No início desse mês, durante a 20ª
Sessão do Fórum de Florestas, realizada pela Organização das Nações Unidas
(ONU), foi reafirmada a necessidade de reconhecimento das conexões entre
desmatamento e pobreza, desenvolvimento industrial, demanda por alimentos,
energia e mudanças climáticas, para que estratégias de reversão do
desmatamento, do aumento de áreas manejadas de forma sustentável, e de fortalecimento
das estruturas de governança florestal e de aplicação da lei, possam garantir a
sobrevivência humana no planeta.
Há um provérbio do povo Cree (Nehiyaw),
indígenas norte-americanos habitantes principalmente no Canadá, que diz: “Somente
após a última árvore ser cortada, o último rio ser envenenado e o último peixe
ser pescado. Somente então o homem descobrirá que o dinheiro não pode ser
comido”. Essa é a conclusão óbvia diante do avanço das práxis de exploração
dizimatória, na contemporaneidade.
Só se mantém o equilíbrio ecossistêmico
quando os componentes bióticos - plantas, animais, fungos e bactérias - e
abióticos - água, luz, solo, clima e temperatura - interagem e estão
inseparavelmente relacionados. Diante da intensificação das ações antrópicas, a
ruptura desse equilíbrio tende, inevitavelmente, a promover consequências e
desdobramentos severos e irreparáveis às diferentes populações e objetivos econômicos.
Como dizia Sêneca, filósofo estoico da Roma Antiga, “Para a ganância, toda a
natureza é insuficiente”.
Assim, parafraseando as palavras
de Bill Mollison, biólogo, agricultor e ambientalista australiano, o problema das
práxis de desenvolvimento atual, é que não se trata de um sistema voltado para atender
as demandas prioritárias dos seres humanos, e sim para a produção de dinheiro. Nesse
sentido, cada dia a mais é um a menos na corrida pela sobrevivência. Está posto
a prova se o instinto de sobrevivência humana existe ou não.
quarta-feira, 21 de maio de 2025
O mundo e seus lados
O mundo e
seus lados
Por Alessandra
Leles Rocha
Século XXI. A história do mundo
parece redesenhar o velho ideário proposto pela ultradireita. Dessa vez, a
expansão ultradireitista tem como objetivo primordial conter os avanços geopolíticos
e econômicos da China. O que explica o enorme interesse estadunidense em fomentar
sua ingerência sobre os países da América Latina, por exemplo. Algo que não
parece tão complicado, tendo em vista o alinhamento histórico das elites latino-americanas
aos EUA, como aconteceu no Brasil, em 1964.
O preço do colonialismo no mundo
é alto, como pode se ver! As elites não entendem que a reprodução de antigos
padrões pode significar o caminho da sua própria ruína. Elas próprias sabem
muito bem que o exercício de dominação sobre outros, geralmente com o objetivo
de controle político, econômico e cultural, leva ao descarte quando não se
mostra mais necessário. Afinal, os interesses dominadores se sobrepõe aos
interesses dos dominados.
E olhando para o contexto atual, há
muito a perder. Enquanto os estadunidenses se voltaram para um modelo de
enriquecimento estruturado sobre a especulação financeira, os mercados de
ações, em detrimento do perfil histórico do desenvolvimento industrial e científico,
consequências como a redução do comércio internacional, as crises econômicas e
o desemprego, tornaram-se uma realidade amarga para conviver.
Na contramão desse panorama, a
China tem se dedicado, há décadas, a um processo de hipervalorização do
conhecimento técnico-científico para o aprimoramento, ampliação e
diversificação da sua produção industrial, de modo a constituir um mercado
competitivo dentro da geopolítica. Haja vista a nova rota da seda que pretende
aproximar a China do mundo exterior com investimentos e projetos de
infraestrutura. Portanto, a China atingiu um dos seus principais objetivos, ou
seja, ampliar a sua influência.
Mesmo não tendo revertido a
orientação ideológica para o Ocidente de muitos países, as suas conquistas,
mundo afora, incomodam e desconfortam os representantes da ultradireita;
sobretudo, os EUA. Seja objetiva ou subjetivamente, os governos estrangeiros tendem,
de algum modo, a se sentirem pressionados a seguir a agenda de Pequim, a fim de
evitar a retirada de investimentos chineses dos seus países.
Daí, valendo-se da política do
caos, da instabilidade, das ameaças e do medo, verifica-se o recrudescimento ultradireitista,
no cenário global. Ora, “Sabemos que os poderosos têm medo do pensamento,
pois o poder é mais forte se ninguém pensar, se todo mundo aceitar as coisas
como elas são, ou melhor, como nos dizem e nos fazem acreditar que elas são” (Marilena
Chauí – filósofa e professora de Filosofia Moderna na Universidade de São Paulo
- USP). Por isso, o discurso franco da ultradireita tem deixado evidente a
sua disposição em jogar pesado, inclusive, interferindo nas escolhas eleitorais
de muitos países.
Não é preciso ser nenhum expert,
para entender, por exemplo, como a visita do governo brasileiro à China causou
uma resposta estridente e raivosa, por parte dos ultradireitistas brasileiros,
incluindo apoiadores e simpatizantes desse espectro político-partidário. Afinal
de contas, esses indivíduos, historicamente, sempre estiveram alinhados e
subservientes aos domínios do imperialismo ocidental. Sobretudo, o
estadunidense.
O que significa que, apesar de
toda a dinâmica de progresso e evolução social do mundo, eles insistem em permanecer
trabalhando arduamente na manutenção da preservação desse status quo,
mesmo diante de todos os rompantes histriônicos cometidos pelo governo dos EUA
contra a economia global. Porque, “O discurso não é simplesmente aquilo que
traduz as lutas ou os sistemas de dominação, mas aquilo por que, pelo que se
luta, o poder do qual nos queremos apoderar” (Michel Foucault - filósofo,
teórico social, filólogo e crítico literário francês).
Feitas essas breves
considerações, “Devemos não somente nos defender, mas também nos afirmar, e
nos afirmar não somente enquanto identidades, mas enquanto força criativa” (Michel
Foucault). Afinal, “Somos indivíduos livres e nossa liberdade nos
condena a tomarmos decisões durante toda a nossa vida. Não existem valores ou
regras eternas, a partir das quais podemos no guiar. E isto torna mais
importantes nossas decisões, nossas escolhas” (Jean-Paul Sartre – filósofo e ativista
político francês).
Esse é o ponto, “O que
realmente importa na vida e no trabalho é se transformar em alguém diferente do
que se era no começo” (Michel Foucault). Simplesmente, porque essa decisão nos
impulsiona a ponderar sobre os prós e os contra, a tecer um retrospecto
analítico profundo sobre a própria historicidade, com todas as suas perdas e
ganhos. Uma compreensão que serve para pessoas, para coisas e para
países, também.
terça-feira, 20 de maio de 2025
Respeitável público!!!
Respeitável
público!!!
Por
Alessandra Leles Rocha
Precisamos refletir sobre os
dantescos espetáculos 1 que
atravessam a recente historicidade brasileira, promovidos pela Direita e seus
matizes, na tentativa de controlar e manipular a opinião pública a fim de
desviar o foco do que realmente importa ao país.
Desde que foi lançado em 2020, o
Pix - sistema de pagamentos instantâneos criado pelo Banco Central do Brasil –
tem sido usado de forma apelativa, por inúmeros figurões da política nacional,
para arrecadar recursos, com o objetivo de saldar dívidas processuais junto ao
judiciário nacional.
Vamos e convenhamos que essa
prática é repugnante. Elementos político-partidários se fazendo de vítima,
junto aos seus simpatizantes e seguidores, é sim, de revirar o estômago.
Distantes, anos luz, da realidade orçamentária, conhecida por aproximadamente 90%
da população brasileira, essa gente vive sob o guarda-chuva de regalias e privilégios
históricos nababescos. Imóveis e carros de alto luxo. Investimentos no
exterior. Criação de gado e outras atividades do agronegócio. Enfim... Tudo o
que não podem alegar é falta de recursos.
Afinal, eles existem a partir do
contexto de uma realidade paralela, a qual têm como objetivo fundamental a sua
preservação nesse microssistema. Tal qual fizeram outros tantos, quando o
Brasil ainda era Colônia de Exploração da Metrópole portuguesa. São verdadeiros
acumuladores de bens e capitais. Fazem de um tudo para garantir mais e mais
recursos e assim, poderem dar as cartas nas mesas do poder. Como escreveu
Michel Foucault, em sua obra A microfísica do poder, de 1978, “Vivemos em
uma sociedade que em grande parte marcha 'ao compasso da verdade' – ou seja,
que produz e faz circular discursos que funcionam como verdade, que passam por
tal e que detêm, por esse motivo, poderes específicos".
Por isso, é tão desolador
perceber que parte da população brasileira ainda se sensibilize diante das
chamadas “lágrimas de crocodilo” e contribua para o malfadado Pix.
Especialmente, quando tramita no Congresso Nacional a Proposta de Emenda à
Constituição (PEC) 8/25, que acaba com a escala de trabalho 6x1 e prevê a duração
do trabalho não superior a 8 horas diárias e 36 horas semanais.
O assunto enfrenta enorme e
maciça resistência do corpo político-partidário de Direita; bem como, de seus
apoiadores e simpatizantes. Nada mais nada menos do que a velha e rançosa
assimetria do alinhamento político-ideológico, nos espaços de poder, a fim de
favorecer a manutenção de certos interesses, regalias e privilégios, como
prioridade absoluta.
Respeitável público, bem-vindo ao
circo dos horrores! Em apresentações diárias, pelos mais diversos veículos de
informação e de comunicação, os dantescos espetáculos dão conta do grau de
permissividade, o qual a ética e a moral sobrevivem no Brasil. O que significa,
pelo menos em tese, a obviedade de que as elites continuam no topo da pirâmide
social, tendo em suas mãos o poder de decidir, escolher, determinar,
estabelecer, legislar, sobre o país e seus cidadãos. De modo que essa estrutura
de poder, que vem sendo repassada de geração em geração, agora, na contemporaneidade,
tem se reafirmado, especialmente,
através dos movimentos do legislativo federal,
por meio de ações e/ou omissões.
Por essas e por outras é que vale não se esquecer da seguinte reflexão de Marilena Chauí, filósofa brasileira e professora de Filosofia Moderna na Universidade de São Paulo, “(…) o mentiroso tem a grande vantagem de saber de antemão o que a plateia espera ouvir. Ele prepara sua história com muito cuidado para consumo público, de modo a torná-la crível, já que a realidade tem o desconcertante hábito de nos defrontar com o inesperado para o qual não estamos preparados”. Desse modo, como em todo espetáculo, “As pessoas sabem aquilo que elas fazem; frequentemente sabem por que fazem o que fazem; mas o que ignoram é o efeito produzido por aquilo que fazem” (Michel Foucault - filósofo, teórico social, filólogo e crítico literário francês).
terça-feira, 13 de maio de 2025
"Pepe" Mujica (1935 – 2025)
"Pepe"
Mujica (1935 – 2025)
Por Alessandra
Leles Rocha
Certas pessoas têm o privilégio de
que a morte ressalte, ainda mais, a sua existência, a sua importância. Esse é o
caso de José Alberto "Pepe" Mujica Cordano. Ao contrário do que
muitos possam pensar, o que marca os seus 89 anos de vida, não é o fato de ter
sido o 40º presidente do Uruguai, entre 2010 e 2015, nem tampouco, ter sido ex-guerrilheiro
dos Tupamaros, torturado e preso por 14 anos durante a ditadura militar nas
décadas de 1970 e 1980. Mas, uma sabedoria e um modo particular de ver o mundo.
"Pepe" Mujica foi um
bravo defensor dos direitos humanos. Dentre suas lutas, um destaque importante
para a fome, as desigualdades socioeconômicas e o consumismo. A vida modesta e
sem apegos materiais, possibilitou ser o próprio exemplo da coerência entre a
prática e o discurso. Parceiros de uma vida, ele e Lúcia, que também foi membro
dos Tupamaros, residiam em um sítio nos arredores de Montevidéu, onde
cultivavam crisântemos para venda. Dos anos de política, guardaram memórias,
experiências e reflexões.
Não se erra ao pensar que "Pepe"
Mujica desenvolveu uma ampla capacidade filosófica. Suas análises sobre a vida
e o mundo, sob muitos aspectos, pareciam além do seu próprio tempo. De certo
modo, aos olhos de uma imensa maioria, eram sim, revolucionárias diante da realidade
contemporânea, tão contaminada pelo individualismo, pelo narcisismo, pelo egoísmo.
Afinal, ele era um homem de grande espírito humanitário, coletivo, conhecedor
profundo da tecitura social e sua dinâmica inter e intraconectada.
Não é à toa, o que ele disse, em
entrevista, ao documentário Human, de 2015: “Inventamos uma montanha de
consumos supérfluos. Compra-se e descarta-se. Mas o que se gasta é o tempo de
vida. Quando compro algo, ou você compra, não pagamos com dinheiro, pagamos com
o tempo de vida que tivemos que gastar para ter aquele dinheiro. Mas tem um
detalhe: tudo se compra, menos a vida. A vida se gasta. E é lamentável
desperdiçar a vida para perder a liberdade”.
Daí a sua despedida causar tanto
impacto. Indivíduos como ele podem ser compreendidos como arautos de um mundo mais
justo, mais livre e mais solidário. Algo raro de se encontrar, por aí! Ter uma
vida transitada com tamanha coerência e consciência é notável, porque significa
que ele foi a representação em si do seu próprio senso ideológico. Razão pela
qual disse, certa vez: “A utopia serve para nos guiar através da incerteza
em que navegamos. Então não é mais uma utopia, tem o calor de ser um guia para
a vida real. Não partimos para alcançar uma estrela, mas ela pode nos permitir
caminhar com uma direção concreta aqui na Terra. É por isso que a utopia nunca
está acabada, nunca é completa, nunca é perfeita” (“Com os pés no chão.” Mario
Mazzeo, Edições Trilce, 2002).
É por essas e por outras, que ele parte sem correr o risco de ser esquecido. Seu legado é atemporal e, pelo andar da carruagem, será cada vez mais vital refletir sobre ele. Só alguém, como "Pepe" Mujica, para nos confrontar e nos fazer pensar sobre as grandes questões do mundo, colocando o dedo nas feridas sociais, ao dizer, por exemplo, “A liberdade, que supõe ter tempo para viver, (…) é uma civilização contra o tempo livre, que não se paga, que não se compra e que é o que nos permite viver as relações humanas”, porque “só o amor, a amizade, a solidariedade, e a família transcendem”. “Arrasamos as selvas e implantamos selvas de cimento. Enfrentamos o sedentarismo com esteiras, a insônia com remédios. E pensamos que somos felizes ao deixar o humano”.
Não adianta se abster. Somos todos responsáveis.
Não
adianta se abster. Somos todos responsáveis.
Por Alessandra
Leles Rocha
Já dizia José Saramago, “Se
podes olhar, vê. Se podes ver, repara”. A degradação ambiental de grandes
proporções, como vemos acontecer na contemporaneidade, tece seu pontapé inicial
na 1ª Revolução Industrial, na segunda metade do século XVIII. O modo de ser,
agir e pensar do ser humano foi, a partir daquele momento, impactado permanentemente.
Mas a industrialização só ocorreu
porque havia uma ínfima elite dominante, com recursos suficientes para
sustentar tal empreitada. E esse é o ponto que merece atenção e profunda
reflexão. Por trás de todos os impactos socioambientais negativos estão
representantes das classes dominantes, os quais, através de suas escolhas,
decisões e ambições, moldam os caminhos da sobrevivência global.
Sim, porque a partir dessa
modelagem socioeconômica, a população, em geral, passa a sustentar não só o
enriquecimento dessas elites; mas, a legitimar as suas práxis degradadoras. Infelizmente,
a disseminada inconsciência ambiental que afeta milhões de seres humanos, há
pelos menos 3 séculos, vem passando à margem do escrutínio público. Como se as
questões ligadas á produção e ao consumo estivessem totalmente dissociadas da
degradação socioambiental.
Vale ressaltar, também, que apesar
de o termo negacionismo ter se consolidado durante o período pandêmico da
COVID-19, a grande verdade é que os negacionistas sempre estiveram entre nós.
Seja na expressão das elites ou do campo político-partidário da Direita;
sobretudo, os mais radicais e extremistas. Quaisquer aspectos que contrariam
seus interesses e ambições são sumariamente rechaçados e desqualificados. Eles não
dispõem de nenhum apreço aos fundamentos científicos.
Desse modo, o mundo vive a farsa
de um pseudomarketing verde, o qual não se sustenta por práxis efetivamente
consistentes no que diz respeito à reparação e à preservação socioambiental. Campanhas
feitas para inebriar e alienar o pensamento social, elas são propositadamente
disruptivas, ou seja, elas chegam para interromper o fluxo normal do processo
reflexivo.
Ninguém questiona a origem do
ouro exibido na publicidade das grandes joalherias. Ou a contaminação do solo e
da água, por mercúrio e outros metais pesados, em razão da garimpagem. Ou o uso
indiscriminado de agrotóxicos e outros agentes químicos na produção de
alimentos. Ou a reverberação da violência, decorrente dos processos de
desmatamento, no país. Ou o recrudescimento das patologias respiratórias, por
conta dos efeitos das queimadas criminosas, promovidas em diversas regiões. Ou
o desequilíbrio dos regimes pluviométricos resultante das profundas alterações nos
domínios morfoclimáticos nacionais. ...
Por trás desse cenário estão
grandes empresas e corporações capitaneadas por indivíduos das classes
dominantes. Embora o Brasil conte com uma boa legislação ambiental, ela se
mostra sempre insuficiente e ineficiente para conter os arroubos e desvarios
dessa gente. Munidos de equipes jurídicas de prestígio, de grande poder capital
e, especialmente, de influência junto aos espaços de poder, eles não se
intimidam ou se constrangem diante das leis. Suas decisões e escolhas são
pautadas, exclusivamente, pelos seus interesses e demandas.
Não é à toa que muitas dessas empresas
e corporações fazem questão de patrocinar eventos e fóruns de discussão
socioambiental. Trata-se de uma estratégia de manutenção da sua influência, ou
porque não dizer, do seu lobby. Dessa forma, elas enviesam a dinâmica dos assuntos,
segundo os seus interesses, e fazem uso do marketing verde para ofuscar suas verdadeiras
intenções. Já se sabe, por exemplo, que grandes gigantes da mineração e do
agronegócio financiarão a cobertura da COP 30, em Belém / PA. Acontece que muitas
têm, em seu histórico, casos de crimes graves contra o meio ambiente 1.
Há muito tempo a humanidade ultrapassou
a fronteira dos alertas ambientais de natureza científica. O que se tem, agora,
é uma realidade concreta de eventos extremos e imprevisíveis, capazes de afetar
grandes espaços geográficos e inúmeras populações. É a vida de seres humanos que está em jogo. É a
sobrevivência ecossistêmica que está ameaçada. Portanto, para romper com o
domínio exercido pelas elites dominantes torna-se fundamental a construção de
uma autoconsciência, a respeito dos hábitos de consumo.
Repensar, Recusar, Reduzir,
Reutilizar, Reparar, Reciclar e Reintegrar, não diz respeito apenas à parte prática
do processo; mas, de todo o ciclo crítico-reflexivo que o sustenta. Afinal, é
ele que nos permite um posicionamento capaz de olhar além do pseudomarketing
verde e, assim, não se render às propagandas enganosas. Não podemos incorrer no
risco de outros desastres como os de Mariana (2015) e de Brumadinho (2019). Não
podemos naturalizar ou trivializar nossa própria destruição.