As sombras
eurocêntricas ...
Por Alessandra
Leles Rocha
Não é de hoje que se fala a
respeito das investidas da ultradireita no mundo. Semelhante a uma rede de
arrasto, ela vai sim, capturando a maior diversidade possível de indivíduos,
dentro do tecido social, para fortalecer o seu projeto de poder. Exatamente
como se viu acontecer, agora, nas eleições da União Europeia (UE).
E isso acontece por quê? Simples.
Ao contrário da esquerda e seus matizes, mais ou menos radicais e extremistas,
a direita, nas últimas décadas, retomou a consciência elementar de que “a
união faz a força”.
Partindo para uma padronização estratégica
global, que tem como principal aliada as mídias sociais, a direita em todo o
seu espectro, e sobretudo, os mais radicais e extremistas, vem conseguindo
agregar cada vez mais apoiadores e simpatizantes para o seu ideário.
O cerne desse sucesso está na
construção de um diálogo constante e próximo com a população. Vamos e
convenhamos, o ser humano gosta de atenção, gosta de ser lembrado, gosta de ser
ouvido, e durante muito tempo, as forças político-partidárias mantiveram uma
relação assimétrica com o seu eleitorado, se lembrando dele apenas em tempos de
conveniência e de interesse.
Agora, não. A comunicação entre os
direitistas e seus nichos sociais é fluida, é contínua. A todo instante lhes
chegam mensagens, notícias, ainda que tendenciosamente manipuladas ou inverídicas,
pelos grupos organizados em mídias sociais.
O que mantém a chama do controle
social acesa ininterruptamente. Os interlocutores se transformam, à revelia de
sua própria consciência, multiplicadores a serviço daquela ideologia. Simplesmente,
porque eles encontram eco naquelas ideias.
O movimento abrupto do governo francês,
ao propor a dissolução do Parlamento para a antecipação das eleições, então, sinaliza
como um termômetro importante das tensões na Europa. Afinal de contas, é
preciso apurar com mais precisão os humores dos cidadãos.
De que lado eles estão? O que
querem? Talvez, poucos, de fato, se recordem que as investidas da ultradireita
no mundo não trouxeram outra coisa senão a destruição e o caos. Portanto, a
ideia de mudança nem sempre significa uma transformação para melhor.
Daí a necessidade da esquerda e
seus matizes, mais ou menos radicais e extremistas, não só estreitarem o diálogo
com a população; mas, alinharem adequadamente os seus discursos. É preciso
construir consensos para fortalecer os seus trabalhos. As demandas do mundo
passam por questões comuns. Há mais semelhanças do que diferenças entre o que
demanda a realidade contemporânea. Aliás,
as emergências socioambientais são o ponto de partida dessas análises e
discussões.
Entretanto, estranhamente, essas
são pautas que sempre passam à margem dos discursos direitistas. Décadas após décadas,
elas vêm sendo lançadas ao rol dos alarmismos, do negacionismo, da
invisibilização, como aspectos menores ou desimportantes dentro dos caminhos de
desenvolvimento e progresso mundial. O que, em linhas gerais, significa que são
entendidas como entraves às ambições políticas e econômicas dos direitistas.
Não nos esqueçamos de que eles
são exatamente a descendência direta das elites poderosas da história. Por suas
mãos e cabeças passam as decisões do mundo, nas mais diferentes instâncias da
sociedade. Então, eles trabalham exclusivamente em favor dos seus interesses e
da manutenção dos seus espaços de poder e de influência. Do alto da pirâmide social,
eles optam por não enxergar o que está abaixo dos seus pés, o que inclui o
próprio planeta.
Portanto, não é à toa que eles
tenham sempre uma justificativa, na ponta da língua, para persuadir sua massa de
apoiadores e simpatizantes. Sobretudo, em relação aos sinais apocalípticos que
atravessam a realidade contemporânea.
Inclusive, enaltecendo a
capacidade científica e tecnológica para lidar e vencer com tais adversidades,
como se isso fosse realmente possível. Mas, não é. Haja vista a notícia, publicada ontem, “‘Não
cabíamos mais’: moradores de ilha no Caribe são ‘expulsos’ por elevação do
nível do mar” 1.
Aos que ainda se recusam a
entender, o que está por trás das investidas direitistas no mundo; sobretudo,
da ultradireita, é o poder sobre a geografia global, no sentido de resguardar
espaços que possam garantir a sua sobrevivência.
Eles não se importam com os
desafios socioambientais porque acreditam na blindagem que seu poder capital é
capaz de oferecer-lhes. A realidade contemporânea associa a ocupação
territorial ao poder de aquisição material desses lugares. Por consequência, a sobrevivência
humana se condiciona a esse cenário.
Algo que diz muito sobre o
acirramento da xenofobia na Europa. Portanto, o ódio, o receio, a hostilidade e
a rejeição, em relação aos estrangeiros; sobretudo, aos mais frágeis e vulneráveis
socioeconomicamente, que se tem visto em diversos países europeus, tem relação
direta com as emergências socioambientais em curso.
Os direitistas, especialmente da
ultradireita, temem que o aumento do contingente populacional na Europa possa fortalecer
uma insurreição contra o agravamento das desigualdades, promovendo uma ruptura
do controle que empregam sobre o tecido social. Algo que os faria perder a
perspectiva da segurança de manutenção de suas históricas regalias e privilégios.
Afinal, muitos dos deslocamentos
forçados, das migrações contemporâneas, têm suas raízes fincadas nos processos
de colonização e neocolonização empregados por países europeus, em outros
continentes. Há uma herança histórica, perversa e cruel, que não foi e, talvez,
nem será reparada; mas, apesar disso, não deixa de existir e de se visibilizar.
Assim, considerando o provérbio
espanhol, “Quando você vir as barbas do seu vizinho pegarem fogo, coloque as
suas de molho”, entenda, de uma vez por todas, que os recentes
acontecimentos no mundo nos mostram como ele é um todo indivisível. Não dá para
compartimentalizar ou dissociar os acontecimentos. Eles repercutem. Eles reverberam.