terça-feira, 11 de junho de 2024

Sobre meninas e mulheres


Sobre meninas e mulheres

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Apesar de todas as conquistas, a construção ideológica histórica em torno do feminino ainda é um obstáculo para a pacificação social. Os números das violências cometidas contra mulheres fala por si. Violência física. Violência psicológica. Violência sexual. Violência moral. Violência patrimonial.

E diante de todo um movimento, dentro da própria sociedade, para que se mantenha esse status quo que alija as mulheres da sua importância e da sua participação social, lendo a matéria intitulada “Como poluição faz meninas menstruarem precocemente” 1 vi a necessidade de ampliar a reflexão.

Os resultados da pesquisa científica citada na reportagem, ainda que não sejam totalmente conclusivos, possibilitam acender um sinal de alerta importante sob vários aspectos sociais. Meninas atingindo a puberdade, cada vez mais cedo, estão sim, sendo expostas a uma realidade social bastante complexa, começando pela dignidade menstrual 2.

Segundo informações da Organização das Nações Unidas (ONU), “o cenário da pobreza menstrual ainda é desolador no mundo, dessa forma, cerca de 12,8% das pessoas que menstruam vivem nessa situação. Além disso, mais de 1 bilhão de pessoas em todo o mundo não possuem acesso a um banheiro seguro” 3.

Isso significa que essas meninas e adolescentes são diretamente afetadas no seu processo educacional e psicossocial, pela inacessibilidade aos produtos de higiene e de banheiros adequados, o que promove ansiedade e preocupação no contexto da socialização, das brincadeiras e das atividades físicas no ambiente escolar. Além disso, a estigmatização sociocultural em torno da menstruação gera bullying e afeta a inserção delas nos mais diferentes espaços sociais.

Depois, a questão da puberdade em si. Ora, corpo e mente passam por uma profunda transformação que exige, por parte da família e da sociedade, uma atenção e cuidados especiais com essas meninas e adolescentes. Entretanto, isso nem sempre acontece. Seja por negligência, descaso ou ignorância.

Fato é que, do ponto de vista científico, já se sabe muito bem que “A puberdade precoce pode ter impactos prejudiciais, especialmente para as meninas, que passam a ter maior risco de depressão, ansiedade, abuso de substâncias e outros problemas psicológicos. Além disso elas também podem ter maior predisposição de desenvolver câncer de mama ou uterino na idade adulta” 4.

Contudo, o viés mais importante desse impacto na saúde pública e suas políticas, diz respeito aos abusos e violências sexuais contra essas meninas e adolescentes. A puberdade precoce lhes expõem de maneira irreversível aos olhares perversos e cruéis, do ambiente social. Portanto, elas estão sim, mais vulneráveis ao risco de uma gravidez precoce. Uma situação que se somatiza, do ponto de vista psicoemocional, ao turbilhão natural de emoções e sentimentos que elas vivem a partir dessa transformação biológica.

Isso significa que o mundo está diante de uma realidade feminina bastante preocupante. Embora, ainda não se possa cravar quais são os elementos deflagradores dessa aceleração do desenvolvimento humano, o fato de ele estar acontecendo merece análise e reflexão, tendo em vista os desdobramentos e reverberações que ele trará para o coletivo social.

Afinal de contas, estamos falando de uma significativa mudança na dinâmica das populações, sob a ótica de um mundo que já vive conflitos graves, deslocamentos humanos forçados, empobrecimento, fome, insalubridade, eventos extremos do clima, ...  É fundamental que se reconheça que essa não é uma questão restrita aos núcleos de poder; mas, de caráter amplamente social, porque afeta diretamente o coletivo.

O bem-estar e a dignidade não deveriam jamais estar condicionados às questões de gênero; mas, simplesmente, de humanidade. Se nos silenciarmos diante dessa descoberta da ciência, nos abstivermos de discutir e pensar a respeito, estaremos sim, admitindo que “A linguagem é o repositório de nossos preconceitos, de nossas crenças, de nossos pressupostos” (Chimamanda Ngozi Adichie) e que estamos confortáveis com a nossa carência de alteridade, de empatia e de solidariedade.  

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