Sobre meninas
e mulheres
Por Alessandra
Leles Rocha
Apesar de todas as conquistas, a
construção ideológica histórica em torno do feminino ainda é um obstáculo para
a pacificação social. Os números das violências cometidas contra mulheres fala
por si. Violência física. Violência psicológica. Violência sexual. Violência moral.
Violência patrimonial.
E diante de todo um movimento,
dentro da própria sociedade, para que se mantenha esse status quo que
alija as mulheres da sua importância e da sua participação social, lendo a
matéria intitulada “Como poluição faz meninas menstruarem precocemente” 1 vi a necessidade de ampliar a reflexão.
Os resultados da pesquisa científica
citada na reportagem, ainda que não sejam totalmente conclusivos, possibilitam
acender um sinal de alerta importante sob vários aspectos sociais. Meninas
atingindo a puberdade, cada vez mais cedo, estão sim, sendo expostas a uma
realidade social bastante complexa, começando pela dignidade menstrual 2.
Segundo informações da
Organização das Nações Unidas (ONU), “o cenário da pobreza menstrual ainda é
desolador no mundo, dessa forma, cerca de 12,8% das pessoas que menstruam vivem
nessa situação. Além disso, mais de 1 bilhão de pessoas em todo o mundo não
possuem acesso a um banheiro seguro” 3.
Isso significa que essas meninas
e adolescentes são diretamente afetadas no seu processo educacional e
psicossocial, pela inacessibilidade aos produtos de higiene e de banheiros
adequados, o que promove ansiedade e preocupação no contexto da socialização,
das brincadeiras e das atividades físicas no ambiente escolar. Além disso, a estigmatização
sociocultural em torno da menstruação gera bullying e afeta a inserção delas nos
mais diferentes espaços sociais.
Depois, a questão da puberdade em
si. Ora, corpo e mente passam por uma profunda transformação que exige, por
parte da família e da sociedade, uma atenção e cuidados especiais com essas
meninas e adolescentes. Entretanto, isso nem sempre acontece. Seja por negligência,
descaso ou ignorância.
Fato é que, do ponto de vista científico,
já se sabe muito bem que “A puberdade precoce pode ter impactos prejudiciais,
especialmente para as meninas, que passam a ter maior risco de depressão,
ansiedade, abuso de substâncias e outros problemas psicológicos. Além disso elas
também podem ter maior predisposição de desenvolver câncer de mama ou uterino
na idade adulta” 4.
Contudo, o viés mais importante desse
impacto na saúde pública e suas políticas, diz respeito aos abusos e violências
sexuais contra essas meninas e adolescentes. A puberdade precoce lhes expõem de
maneira irreversível aos olhares perversos e cruéis, do ambiente social. Portanto,
elas estão sim, mais vulneráveis ao risco de uma gravidez precoce. Uma situação
que se somatiza, do ponto de vista psicoemocional, ao turbilhão natural de
emoções e sentimentos que elas vivem a partir dessa transformação biológica.
Isso significa que o mundo está
diante de uma realidade feminina bastante preocupante. Embora, ainda não se
possa cravar quais são os elementos deflagradores dessa aceleração do
desenvolvimento humano, o fato de ele estar acontecendo merece análise e
reflexão, tendo em vista os desdobramentos e reverberações que ele trará para o
coletivo social.
Afinal de contas, estamos falando
de uma significativa mudança na dinâmica das populações, sob a ótica de um
mundo que já vive conflitos graves, deslocamentos humanos forçados,
empobrecimento, fome, insalubridade, eventos extremos do clima, ... É fundamental que se reconheça que essa não é
uma questão restrita aos núcleos de poder; mas, de caráter amplamente social,
porque afeta diretamente o coletivo.
O bem-estar e a dignidade não
deveriam jamais estar condicionados às questões de gênero; mas, simplesmente,
de humanidade. Se nos silenciarmos diante dessa descoberta da ciência, nos
abstivermos de discutir e pensar a respeito, estaremos sim, admitindo que “A
linguagem é o repositório de nossos preconceitos, de nossas crenças, de nossos
pressupostos” (Chimamanda Ngozi Adichie) e que estamos confortáveis com a nossa
carência de alteridade, de empatia e de solidariedade.