quarta-feira, 10 de janeiro de 2024

Um desafio dos Yanomamis, dos brasileiros, do mundo


Um desafio dos Yanomamis, dos brasileiros, do mundo

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Não resta qualquer dúvida de que o uso e ocupação criminosos de terras indígenas precisa ser duramente combatido. Sem precedentes históricos, o drama das aldeias Yanomami, no Brasil, tem mobilizado esforços da governança pública 1.

Entretanto, penso que vale ressaltar um detalhe imperioso e que não pode passar despercebido. O garimpo que é, na verdade, o processo de extração mineral ilegal, deixa um rastro invisível de destruição e morte, ao longo de décadas, em razão da contaminação por seus resíduos. No caso da exploração de ouro, pelo mercúrio.

A presença de mercúrio na água e no solo daquela região, ainda que a atividade dos garimpos seja interrompida, permanece afetando diretamente a saúde dos habitantes locais, sejam eles ribeirinhos ou povos originários, os quais dependem dos recursos naturais para a sua sobrevivência. De modo que já está estabelecido um ciclo de adoecimento populacional derivado do processo de garimpagem.

O próprio Ministério da Saúde reconhece que “a contaminação por mercúrio acarreta uma série de efeitos prejudiciais à saúde humana. Ele pode afetar o sistema nervoso central, resultando em danos cerebrais, problemas de aprendizagem e desenvolvimento cognitivo em crianças expostas durante a gestação. Além disso, pode causar distúrbios renais, cardiovasculares e imunológicos, comprometimento da visão e do sistema respiratório” 2.

O que significa que as políticas públicas de assistência a essas populações diretamente afetadas pelo garimpo precisam, urgentemente, passar pela construção de medidas que impeçam a continuidade da inalação ou ingestão de grandes quantidades de mercúrio, como vem acontecendo, em paralelo a um protocolo de atendimento médico-hospitalar especializado, para tratar aqueles já acometidos, em diferentes níveis.

Aliás, é bom ressaltar que, embora a utilização do mercúrio pelos garimpos seja o processo mais visibilizado pelos veículos de comunicação e de informação, a presença desse contaminante inorgânico no mundo contemporâneo, ultrapassa as fronteiras da Amazônia para se estabelecer sob outras formas, em áreas bastante populosas e povoadas dos centros urbanizados. Como?

Segundo o artigo publicado no site da National Geographic Brasil, em fevereiro de 2023, “entre as outras formas pelas quais o mercúrio acaba indo parar no meio ambiente, destacam-se: Emissões industriais: algumas indústrias, como as de cloro e cianeto, são responsáveis por grandes quantidades de emissões de mercúrio no ar. Os processos industriais utilizam o elemento para a produção das substancias em que parte desses insumos são perdidos no meio ambiente. Queima de combustíveis fósseis: a queima de combustíveis fósseis, como carvão, petróleo e gás natural, também liberam mercúrio na atmosfera. Despejo de resíduos: o descarte inadequado de lâmpadas fluorescentes, baterias e outros equipamentos que contêm mercúrio pode resultar na liberação desta substância no solo e na água. Queima de vegetação: plantas podem absorver mercúrio na forma de gás na atmosfera, assim como absorvem o gás carbônico. Quando queimadas, elas voltam a liberar o metal no ar” 3.

Daí a necessidade de se conter essa dinâmica destrutiva da cadeia do mercúrio, o mais rápido possível, a fim de evitar o acirramento dos seus efeitos bioacumulativos já existentes. É preciso pensar que o fenômeno do adoecimento global, que impacta severamente milhões de pessoas, passa por questões como essa.

Acontece que na maioria do tempo fala-se dos sintomas e patologias manifestos; mas, não se investigam as verdadeiras causas que levaram a esse adoecimento. Aliás, nesse sentido, é preciso, também, considerar o fato da disponibilidade e do acesso a serviços médico-hospitalares capazes, efetivamente, de oferecer um atendimento mais criterioso.

Sim, porque essa ausência, essa carência, implica na construção de uma cortina de fumaça que desvia a atenção da população sobre os riscos a que ela é submetida, diariamente, à revelia de sua própria consciência a respeito. Bem como, explica porque, tantas vezes, os tratamentos não alcançam o sucesso esperado.

Ora, na medida em que não se conhecem as causas reais do adoecimento, também, não se interrompe o fluxo de exposição e de contaminação, fazendo com que o tratamento do paciente se torne prejudicado e ineficaz.

Infelizmente, temos sim, então, que pensar que não só a Floresta Amazônica está doente; mas, o planeta em si. Seus mananciais hídricos, seu solo, seu ar, sua gente, estão severamente adoecidos.

O combate ao uso e ocupação criminosos naquela região, por exemplo, vai além do que se entende em uma primeira interpretação. A sua maior importância está no fato de que, através de ações punitivas aos degradadores, seja possível, promover, com mais agilidade, trabalhos de descontaminação das áreas, objetivando, no mínimo, mitigar os efeitos deletérios presentes.

Portanto, o exemplo da Floresta mostra que ela não sucumbe só aos golpes das motosserras, da ação do vandalismo garimpeiro, do derramamento de mercúrio, da dizimação dos povos originários, da violência generalizada, ...

Talvez, o pior de todos os males venha da indiferença dolosa presente na cobiça e na ganância humana. Daqueles que compram e comercializam ouro ilegal, por exemplo. A destruição do planeta tem a marca da digital de cada um deles, quando participam direta ou indiretamente dessa barbárie.