quarta-feira, 8 de novembro de 2023

Estamos carentes de pragmatismo!


Estamos carentes de pragmatismo!

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Creio que uma das mensagens mais importantes que se possa extrair do conflito entre Israel e o Hamas seja o manifesto explícito da ultradireita quanto às suas intenções expansionistas. Portanto, não se trata necessariamente de uma questão territorial. A ultradireita quando age tem por objetivo impor a sua visão de mundo, de sociedade, de modo que ela busca a sua hegemonia de poder em todas as camadas da identidade nacional.

O que significa que qualquer resistência ou desalinho ideológico à ultradireita deflagra automaticamente o autoritarismo e a beligerância. Algo fácil de entender, tomando por base os acontecimentos ocorridos, no Brasil, nos últimos anos, quando a ultradireita encontrou legitimidade governamental para se reapresentar a partir dos espaços institucionais de poder. 

A grande questão é que a ultradireita não tem, na verdade, nenhuma proposta para o país. Ela trabalha com base nos interesses individualistas das elites, as quais se beneficiam com a sua presença no campo político-partidário. O espectro político ultradireitista funciona como interlocutor das demandas dessas elites junto ao governo, praticando lobby em diferentes áreas de interesse.

E depois dos recentes episódios antidemocráticos e anticidadãos, os quais o Brasil foi brutalmente impactado, deve ter ficado claro (ou, pelo menos, deveria) que uma vez rompido o silêncio estratégico e dissimulado da ultradireita nacional, não se pode acreditar que uma pacificação, em relação ao atual governo, tenha alguma possibilidade. Simplesmente, porque essas pessoas estão nutridas por um conjunto de convicções radicais e extremistas tão profundas, que elas não cogitam quaisquer possibilidades de flexibilizá-las em nome do que quer que seja.

Infelizmente, o tempo em que se podia dar um voto de confiança, uma segunda chance, não existe mais. O cenário contemporâneo é atroz e criou fronteiras de desagregação demasiadamente profundas, na medida em que o impulso individualista tende a exacerbar a síndrome dos pequenos poderes e afunilar as possibilidades de alinhamento ideológico. De modo que se torna cada vez mais difícil que as pessoas consigam se manter isentas, neutras, em cima dos muros.

Diante disso, um ponto que merece atenção veio através da seguinte notícia: “Ministro Fufuca escolhe ex-número 2 de Weintraub para ser secretário-executivo do esporte” 1. Ora, estamos longe ainda de apurar todo o padrão de aparelhamento do Estado brasileiro que se deu na última gestão federal. Semana a semana pipocam investigações e apurações estarrecedoras e que merecem um desfecho digno dentro dos rigores da lei brasileira. Haja vista o caso envolvendo o uso de um sistema espião, por parte da Agência Brasileira de Inteligência (ABIN), para monitorar agentes públicos, jornalistas e outros cidadãos discordantes do governo anterior.

O assunto é tão grave, que em um outro viés precisou de medidas para coibir a politização nas Forças Armadas, fomentada pela ultradireita. Está em tramitação na Câmara dos Deputados uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que veda a presença de militares da ativa das Forças Armadas na disputa eleitoral ou que ocupem cargos no primeiro escalão do Executivo. Afinal, depois de todos os fatos envolvendo a participação direta de militares das Forças Armadas nos recentes episódios antidemocráticos e anticidadãos, medidas mais contundentes mostraram-se necessárias.

De modo que a notícia, acima citada, sugere uma reavaliação de práticas e condutas quanto à politização nos escalões do poder Executivo. Trivializar a ideia em “Parlamentares afirmam que a escolha é uma demonstração de como o Centrão atua em Brasília, transitando entre os variados espectros políticos e indicando para cargos técnicos que passam por diferentes governos” 2  é, simplesmente, uma desfaçatez.

Afinal de contas, por mais que o Centrão tente dissimular a sua simpatia ideológica à ultradireita, no fundo, ela está materializada na figura de diversos membros desse aglomerado político-partidário. Inclusive, o próprio fisiologismo político, presente nas atitudes e comportamentos do Centrão, encontra legitimidade nos pensamentos ultradireitistas.

Algo que cria uma assimetria para lidar com a questão do desvirtuamento imposto pela politização radicalizada no país. Na medida em que se permite a existência de exceções para um assunto tão grave, como é o aparelhamento político-ideológico do Estado, se perde o controle para separar o joio do trigo nos momentos de crise em que se faz necessária essa distinção. Sem contar que abre espaços para tensões inoportunas, a partir da pressão de quaisquer segmentos que se julguem prejudicados por essa assimetria.

E não preciso dizer que essas tensões servem como um prato cheio para as intenções expansionistas da ultradireita. Qualquer pretexto é pretexto para que ela recorte, distorça, manipule e distribua entre seus seguidores, sejam eles simpatizantes ou não, como o máximo da verdade absoluta, depreciando gratuitamente seus oponentes. Afinal, como escreveu Hannah Arendt, “O servo ideal de um governo totalitário não é o nazista convicto ou o comunista convicto, mas pessoas para quem a distinção entre fato e ficção e entre verdadeiro e falso não existem mais”.