Estamos
carentes de pragmatismo!
Por
Alessandra Leles Rocha
Creio que uma das mensagens mais
importantes que se possa extrair do conflito entre Israel e o Hamas seja o
manifesto explícito da ultradireita quanto às suas intenções expansionistas.
Portanto, não se trata necessariamente de uma questão territorial. A ultradireita
quando age tem por objetivo impor a sua visão de mundo, de sociedade, de modo
que ela busca a sua hegemonia de poder em todas as camadas da identidade
nacional.
O que significa que qualquer
resistência ou desalinho ideológico à ultradireita deflagra automaticamente o
autoritarismo e a beligerância. Algo fácil de entender, tomando por base os
acontecimentos ocorridos, no Brasil, nos últimos anos, quando a ultradireita
encontrou legitimidade governamental para se reapresentar a partir dos espaços
institucionais de poder.
A grande questão é que a
ultradireita não tem, na verdade, nenhuma proposta para o país. Ela trabalha
com base nos interesses individualistas das elites, as quais se beneficiam com
a sua presença no campo político-partidário. O espectro político ultradireitista
funciona como interlocutor das demandas dessas elites junto ao governo,
praticando lobby em diferentes áreas de interesse.
E depois dos recentes episódios
antidemocráticos e anticidadãos, os quais o Brasil foi brutalmente impactado,
deve ter ficado claro (ou, pelo menos, deveria) que uma vez rompido o silêncio
estratégico e dissimulado da ultradireita nacional, não se pode acreditar que uma
pacificação, em relação ao atual governo, tenha alguma possibilidade. Simplesmente,
porque essas pessoas estão nutridas por um conjunto de convicções radicais e
extremistas tão profundas, que elas não cogitam quaisquer possibilidades de
flexibilizá-las em nome do que quer que seja.
Infelizmente, o tempo em que se
podia dar um voto de confiança, uma segunda chance, não existe mais. O cenário
contemporâneo é atroz e criou fronteiras de desagregação demasiadamente
profundas, na medida em que o impulso individualista tende a exacerbar a
síndrome dos pequenos poderes e afunilar as possibilidades de alinhamento
ideológico. De modo que se torna cada vez mais difícil que as pessoas consigam
se manter isentas, neutras, em cima dos muros.
Diante disso, um ponto que merece
atenção veio através da seguinte notícia: “Ministro Fufuca escolhe ex-número
2 de Weintraub para ser secretário-executivo do esporte” 1.
Ora, estamos longe ainda de apurar todo o padrão de aparelhamento do Estado
brasileiro que se deu na última gestão federal. Semana a semana pipocam
investigações e apurações estarrecedoras e que merecem um desfecho digno dentro
dos rigores da lei brasileira. Haja vista o caso envolvendo o uso de um sistema
espião, por parte da Agência Brasileira de Inteligência (ABIN), para monitorar
agentes públicos, jornalistas e outros cidadãos discordantes do governo
anterior.
O assunto é tão grave, que em um
outro viés precisou de medidas para coibir a politização nas Forças Armadas,
fomentada pela ultradireita. Está em tramitação na Câmara dos Deputados uma
Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que veda a presença de militares da
ativa das Forças Armadas na disputa eleitoral ou que ocupem cargos no primeiro
escalão do Executivo. Afinal, depois de todos os fatos envolvendo a
participação direta de militares das Forças Armadas nos recentes episódios
antidemocráticos e anticidadãos, medidas mais contundentes mostraram-se
necessárias.
De modo que a notícia, acima
citada, sugere uma reavaliação de práticas e condutas quanto à politização nos
escalões do poder Executivo. Trivializar a ideia em “Parlamentares afirmam
que a escolha é uma demonstração de como o Centrão atua em Brasília,
transitando entre os variados espectros políticos e indicando para cargos
técnicos que passam por diferentes governos” 2
é, simplesmente, uma desfaçatez.
Afinal de contas, por mais que o
Centrão tente dissimular a sua simpatia ideológica à ultradireita, no fundo,
ela está materializada na figura de diversos membros desse aglomerado
político-partidário. Inclusive, o próprio fisiologismo político, presente nas
atitudes e comportamentos do Centrão, encontra legitimidade nos pensamentos
ultradireitistas.
Algo que cria uma assimetria para
lidar com a questão do desvirtuamento imposto pela politização radicalizada no
país. Na medida em que se permite a existência de exceções para um assunto tão
grave, como é o aparelhamento político-ideológico do Estado, se perde o
controle para separar o joio do trigo nos momentos de crise em que se faz
necessária essa distinção. Sem contar que abre espaços para tensões inoportunas,
a partir da pressão de quaisquer segmentos que se julguem prejudicados por essa
assimetria.
E não preciso dizer que essas
tensões servem como um prato cheio para as intenções expansionistas da
ultradireita. Qualquer pretexto é pretexto para que ela recorte, distorça,
manipule e distribua entre seus seguidores, sejam eles simpatizantes ou não,
como o máximo da verdade absoluta, depreciando gratuitamente seus oponentes.
Afinal, como escreveu Hannah Arendt, “O servo ideal de um governo
totalitário não é o nazista convicto ou o comunista convicto, mas pessoas para
quem a distinção entre fato e ficção e entre verdadeiro e falso não existem
mais”.