Sob ameaças
reais e imediatas
Por
Alessandra Leles Rocha
Concordo, que diante de duas
guerras em curso, as atenções acabem se voltando, inevitavelmente, para elas. Acontece
que o mundo não parou de girar, por conta delas.
A humanidade trava dezenas de
milhares de pequenas guerras todos os dias, sem que ao menos, se dê conta
disso, na maioria do tempo.
É importante lembrar de que a
vida humana está sob ameaça o tempo todo e por razões diversas. Não faz muito
tempo, que a vida foi parada por conta de um diminuto vírus desconhecido.
Aliás, embora não se possa cravar
com a devida exatidão o número de óbitos que ele causou ao redor do planeta,
estima-se em torno de 15 milhões de vidas perdidas.
Bem, um vírus, uma bactéria, um
fungo, são agentes, até certo ponto, oriundos do imponderável. A nossa maior
ameaça somos nós mesmos, os seres dotados de inteligência, o topo da cadeia
alimentar.
Seres humanos matam sem motivo,
sem razão, ou criam elementos e situações capazes de levar à morte os seus
pares. E o pior é que, na maioria das vezes, ele sequer se constrange ou se
arrepende disso.
Acompanhando pelos veículos de
informação e comunicação as notícias sobre a seca na Amazônia 1, por exemplo, entende-se claramente os
efeitos antrópicos, os quais historicamente incidem sobre o clima no planeta.
A Amazônia é só um caso, dentre
milhares de outros, a exemplificar os riscos iminentes que corre a espécie humana,
mediante os eventos climáticos extremos.
Vira daqui mexe dali o papel
humano na destruição da sua própria espécie faz emergir palavras comuns aos
eventos. Desigualdade. Ódio. Ganância. Corrupção. Necropolítica. ... são apenas
alguns exemplos que compõem a construção discursiva, na qual orbitam as relações
entre seres humanos e o meio ambiente. E isso não é uma coincidência ou uma
obra do acaso.
Tanto que, na década de 40, do
século passado, quando Charles Chaplin lançou o filme O Grande Ditador,
no discurso final a personagem interpretada por ele já afirmava que “[...] O
caminho da vida pode ser o da liberdade e da beleza, porém nos extraviamos. A cobiça
envenenou a alma dos homens ... levantou no mundo as muralhas do ódio ... e
tem-nos feito marchar a passo de ganso para a miséria e os morticínios. Criamos
a época da velocidade, mas nos sentimos enclausurados dentro dela. A máquina,
que produz abundância, tem-nos deixado em penúria. Nossos conhecimentos
fizeram-nos céticos; nossa inteligência, empedernidos e cruéis. Pensamos em
demasia e sentimos bem pouco. Mais do que máquinas precisamos de humanidade. Mais
do que de inteligência, precisamos de afeição e doçura. Sem essas virtudes, a
vida será de violência e tudo será perdido[...]” 2.
Pois é, um parágrafo que diz
tudo. Que diz o óbvio. Mas, ainda que emoldurada dentro de uma ficção tecida
com base na comédia dramática e na sátira crítica, essas palavras não perdem o
sentido, a significância, no mundo real do século passado, deste ou de qualquer
outro século.
Porque falam diretamente sobre a
humanidade que nos habita e que vai muito além das aparências, das superficialidades,
que os indivíduos se permitem vestir e carregar diariamente.
No entanto, o mundo contemporâneo
tem me convencido, a cada dia, que não devemos mais analisar o ser humano pela
sua linguagem oralizada, com seus discursos e narrativas, dada a extrema volatilidade
e inconstância que marca a essência dos indivíduos.
Ao contrário de palavras
pensadas, refletidas, ponderadas, o que se têm é uma verborragia incontida que
as faz fluir sob o calor das paixões e das más intenções mundanas.
Por isso, penso que seria melhor analisá-lo
pela sua linguagem não verbal. Gestos, expressões, movimentos, ... Já dizia Friedrich
Nietzsche, “É verdade que se mente com a boca; mas a careta que se faz ao
mesmo tempo, diz, apesar de tudo, a verdade” (Para além do Bem e do Mal).
Porque a voz do corpo é a voz do
inconsciente. Sobre ela não reside o peso dos crivos da consciência, nem das arbitrariedades
sociais. De modo que no seu silêncio, a linguagem não verbal é sempre, muito
mais, eloquente e impactante.
Pena, que o frenesi do mundo contemporâneo
tenda a fazer desvirtuar a nossa atenção sobre ela. Se puséssemos o devido
reparo, certamente, ficaríamos estarrecidos com o resultado. As omissões, as
negligências, os pecados, os crimes, tudo aquilo que de mais inconfessável
carrega o ser humano na alma está na superfície da sua imagem, no espelho da
sua figura.
Por isso, volto a dizer que,
melhor do que ler ou ouvir os discursos, é observar quem os proclama. Ali estão
todas as respostas, todas as intenções. É das palavras não ditas que extraímos o
fel das atitudes maléficas, as quais resultam na paleta infindável das ameaças
que nos sondam e nos rondam, nessa realidade contemporânea.
Sendo assim, lembremo-nos do que disse
Albert Einstein: “O mundo não está ameaçado pelas pessoas más, e sim por
aquelas que permitem a maldade”. Acontece que, desse pequeno detalhe, nos
deparamos indubitavelmente com o fato de que “A inumanidade que se causa um
ao outro destrói a humanidade em mim” (Immanuel Kant).
1
A combinação climática que está secando os rios da Amazônia - https://www.bbc.com/portuguese/articles/c0405z32d13o
Veja rio Solimões antes e depois da seca grave na Amazônia - https://www1.folha.uol.com.br/ambiente/2023/10/veja-rios-solimoes-e-negro-antes-e-depois-de-seca-grave-na-amazonia.shtml