sexta-feira, 19 de agosto de 2022

O ponto de interseção


O ponto de interseção

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

“China tenta ‘semear chuva’ para aliviar seca extrema” 1. “Empresários bolsonaristas defendem golpe de Estado caso Lula seja eleito” 2. Duas notícias aparentemente distintas que, no entanto, convergem para uma reflexão comum.

Estou falando da instabilidade que afeta diretamente a sociedade global e promove um verdadeiro efeito dominó, que derruba as peças a partir da inadvertida irreflexão e intransigência frente à realidade. Reflexos de um negacionismo político voluntário.  

Embora, não seja a China o único país, nesse momento, a enfrentar os rigores dos efeitos climáticos extremos, ela se destaca pelo fato de ocupar a primeira posição no ranking dos maiores PIB (Produto Interno Bruto) do mundo. O que significa uma economia em franca expansão, com alta atividade industrial e produtiva.

Acontece que para ser tudo isso, o custo socioambiental é elevadíssimo e apesar de todos os esforços mundiais para a consolidação de agendas sustentáveis, economicamente verdes, o país Asiático sempre se mostrou refratário a posição internacional. Então, como era de se esperar, paga agora o preço das adversidades ou, como se diz, prova do próprio veneno.

Em relação ao movimento de certos empresários em favor de um golpe de Estado, o fato aponta para a mesma imprevidência e arrogância narradas em relação à questão chinesa. Considerando que ambas as situações colocam como centro protagonista de seus interesses, o capital, constitui-se um jogo de risco extremo desconsiderar as instabilidades conjunturais.

No caso de um golpe de Estado, o primeiro pilar a ser abalado é justamente a Economia. Não só, em razão do cenário de vigilância e controle social que limita o trânsito cotidiano das pessoas e o interesse pelo consumo, além das fronteiras das demandas básicas. Mas, particularmente, pelas eventuais sanções e boicotes que obstaculizam o comércio exterior e fragilizam o interesse quanto aos possíveis investimentos no país.

Estamos, então, diante de duas situações de extremo equívoco. Ora, se aquilo que conta é a manutenção das regalias e dos privilégios advindos da produção e do capital, todas as iniciativas e planejamentos deveriam se preocupar em criar condições favoráveis e de maior estabilidade. Não o contrário. Especialmente, porque imprevistos podem sempre acontecer e quanto mais ajustados estiverem os cenários, melhor para transpor os desafios.

Porém, o comportamento que se vê não leva nada a lugar algum. A intransigência diante da obviedade dos fatos é o caminho mais curto para o fracasso, ou seja, para o distanciamento dos próprios objetivos. Desconsiderar os eventos extremos do clima, por exemplo, é lançar mão de vultosos investimentos e recursos sem quaisquer garantias de uma ínfima margem de sucesso.

Por mais ciência e tecnologia que exista disponível para auxiliar o ser humano na sua produção, as intempéries climáticas têm se mostrado superiormente mais incontroláveis e imprevisíveis. De modo que os prejuízos econômicos nesse contexto já começam a se fazer visíveis e preocupantes; sobretudo, no campo da produção de alimentos 3.

Em relação às instabilidades políticas, os panoramas também não são os melhores. Que digam as Bolsas de Valores! Incertezas sempre afugentaram os mercados! A busca ao redor do planeta é por lugares com o mínimo de estabilidade, de confiabilidade, de segurança possível. Países e investidores não querem se lançar em aventuras, em riscos desnecessários e improdutivos.

Inclusive, vale destacar que essas duas situações apontadas nesse texto revelam, também, o caminho que o mundo tem feito, a passos largos, rumo ao empobrecimento, o qual ajuda a contribuir, ainda mais, para a instabilidade, a incerteza. A ruptura com a realidade imposta pela Pandemia da COVID-19 representou um marco definitivo para esse processo.

Afinal de contas, a vida em todas as suas instâncias foi interrompida no seu fluxo. Demandas, desejos, prioridades, ... tudo foi desconstruído e ressignificado para dar início a um processo de reconstrução do zero e que levará um tempo inestimável para se consolidar. Então, até lá, muita água vai passar de baixo da ponte e muitos padrões terão que ser revistos. Começando pela noção de riqueza.

Pois é, não há riqueza se não existirem seres humanos, se não houver vida. Cada vez mais o planeta vai precisar de um largo e quantitativo espectro de pessoas para garantir a sua sobrevivência. De modo que a ótica do individualismo narcísico e consumista tende a ser substituída pela empatia do coletivo plural, para que seja possível alcançar o desejado denominador comum da sobrevivência.

O sentido da pirâmide, das divisões, dos estratos, da desigualdade, a continuar como está não irá resistir muito tempo.  Não, porque eu ou qualquer outra pessoa, por aí, pensamos assim; mas, porque a vida está se desenhando dessa maneira. Só não vê quem não quer! A efervescência das mudanças é real, é diária. Basta um mínimo de atenção as notícias que surgem nas janelas da vida. Como dizia José Saramago, “Se pode olhar, vê. Se podes ver, repara” (Ensaio sobre a Cegueira).

E para isso é preciso escolha, decisão. Aí, me lembro de Cora Coralina, quando escreveu “[...]Mesmo quando tudo parece desabar, cabe a mim decidir entre rir ou chorar, ir ou ficar, desistir ou lutar; porque descobri, no caminho incerto da vida, que o mais importante é o decidir”.  

Então, é hora de decidir de que lado da história queremos ficar. Por quais causas queremos lutar. ... Só assim é possível alcançar o entendimento de que “A primeira condição para modificar a realidade consiste em conhecê-la”; pois, “Não importa de onde eu vim, mas sim aonde quero chegar” (Eduardo Galeano).