Fé.
Crença. Religião. A escolha é sua!
Por
Alessandra Leles Rocha
Confesso que me surpreendo cada
dia mais com a nova face do Brasil, que vem desconstruindo por completo uma
infinidade de crenças em torno da identidade nacional. Começou pela
manifestação explícita do racismo e, agora, a passos largos, caminha rumo à intolerância
religiosa. Sobretudo, em relação as religiões de matriz africana.
Pois é, quem diria que o Brasil
se renderia ao fundamentalismo religioso, não é mesmo? Bons tempos aqueles em
que o sincretismo parecia tão natural e genuíno as raízes nacionais! Mas,
agora, um certo tipo de “patrulha da fé”
decidiu partir para o ataque e combater raivosamente o sagrado de cada um,
usando de todo e qualquer artifício, inclusive, Fake News 1.
Só para iluminar o debate, isso
significa que estão, de saída, passando por cima da própria Constituição
Federal de 1988, a qual expressa claramente em seu artigo 5º, inciso VI, que “é inviolável a liberdade de consciência e
de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e
garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e as suas liturgias”.
Mas, quem disse que isso
representa um freio para os tais arroubos fundamentalistas? Em absoluto. A obstinação
continua de pé! O que levanta dúvidas não apenas a respeito da compreensão que
essas pessoas têm em relação ao sentido da fé, da crença, da religiosidade, em
sentido amplo; mas, quanto ao modo com o qual elas se relacionam individualmente
com esses conceitos.
Sim, porque fé diz respeito a
relação pessoal e intransferível que se estabelece com o sagrado, manifesto por
diferentes formas e conteúdos. A crença, que é o acreditar, o depositar confiança
em algo ou em alguém, nasce da fé; mas, também, da religião, que é o componente
ideológico estabelecido através de um arcabouço de princípios, crenças, práticas
e doutrinas fundamentados pelo sagrado e desfrutados pelo compartilhar
coletivo.
Quando não se consegue definir
com clareza e objetividade tudo isso, as pessoas acabam se embrenhando pelos labirintos
confusos do fundamentalismo religioso. A tal ponto, que elas geralmente costumam
demonstrar, de diferentes modos, um receio de que a fé alheia possa vir a perturbar
ou corromper a sua. Porque o significado e a significância desses elementos se perderam
dentro delas, ou talvez, nunca tenham existido de fato.
Sobre fé, crença e religião não
existe em cima do muro! Tem que haver uma conexão direta com a identidade do indivíduo,
tem que caber no mais profundo do ser. Não é uma questão de falar. É uma
questão de sentir. De professar através dos mínimos gestos, dos mais simples
pensamentos, das mais puras atitudes. Então, o que menos importa é onde você se
sente parte desse processo. Se é na igreja, ou na sinagoga, ou na mesquita, ou
no templo, ou no terreiro, ou em qualquer outro espaço de profissão de fé, a
ninguém mais interessa, a não ser a você.
Jeová,
Adonai, Allah, Olurum ou qualquer outra forma de honrar a Deus, não irá
jamais questionar as suas escolhas no campo da fé. Não irá indagar a sua
identificação por esse ou aquele caminho. Porque Deus é amor, é compreensão, é
liberdade, é respeito. E é sobre esses termos que Ele estabelece a relação com
quem o procura verdadeiramente, pelos princípios do Sagrado. E se Ele não o
faz, por que alguém se considera no direito de fazer, hein?
Vivemos tempos tão conturbados,
tão aflitos, tão complicados, tão sofridos, tão... que a fé, pela percepção de
cada um, se faz um bálsamo imprescindível para sobreviver aos desafios! De modo
que não há razões que justifiquem obstaculizá-la nem no seu papel humanitário, tampouco,
no identitário. Não há fé maior ou menor, melhor ou pior. Há simplesmente fé. Fé
que ampara. Fé que orienta. Fé que acolhe. Fé que restaura a dignidade. Fé que
cuida.
E quando nos reunimos em torno
dela, no senso coletivo da fraternidade, da irmandade, não é na simbologia de
um evento social, do mero cumprimento de um rito protocolar. É de livre e espontânea
vontade. Como escreveu linda e profundamente, Gilberto Gil, para falar com Deus
“[...] Tenho que apagar a luz / Tenho que calar a voz / Tenho que encontrar a
paz [...]” 2.
É dessa forma que se consegue a consciência
do sentido do partilhar as vivências, as experiências, que a fé proporciona a
cada um, dentro da sua singularidade. E dessas trocas crescemos, evoluímos,
aprendemos, nos tornamos seres melhores na nossa humanidade existencial.
Até que, de repente, você se depara com o incontestável, ou seja, “Dê ao mundo o melhor de você. Mas isso pode não ser o bastante. Dê o melhor de você assim mesmo. Veja que, no final das contas, é tudo entre VOCÊ e DEUS. Nunca foi entre você e o outros” (Madre Teresa de Calcutá). Aí você entende, de uma vez por todas, que esse melhor faz luzir a fé que habita em você, o Deus que habita em você. Portanto, o melhor não precisa da permissão de ninguém.