Esperança:
a primeira ou a última que morre, no Brasil?
Por
Alessandra Leles Rocha
É certo que não se pode perder a
esperança nos tempos difíceis; mas, também, não se pode perder a racionalidade.
Lendo a matéria “Datafolha: otimismo econômico
é maior entre quem ganha Auxílio Brasil” 1
percebi o quanto é importante esmiuçar essa ideia.
Não preciso dizer que a
perspectiva humana varia segundo uma infinidade de questões – idade,
escolaridade, gênero etc. – e por isso, a forma como a vida é percebida e
entendida é tão plural. No caso de um país, como o Brasil, com uma herança de
desigualdade socioeconômica histórica, isso tem um peso significativo.
Ora, a desigualdade cria
naturalmente um movimento de imediatismo, no qual as pessoas aprendem a duras
penas a viver um dia de cada vez. Então, aliando-se esse aspecto a um flagrante
desconhecimento técnico em relação aos processos econômicos, não é de se
espantar que muitos cidadãos venham, de fato, a depositar sua esperança a uma
transformação em curto prazo.
No entanto, isso é de extrema
temeridade. A decepção, a frustração, são elementos de fomento muito poderosos
para a indignação social. Elas mexem com o humor das pessoas em um nível muito
complexo e profundo, chegando ao ponto da destruição completa da credibilidade
e da confiança em relação ao outro.
Não é à toa que exista tantos
países ao redor do mundo que comunguem com o Brasil a ideia de viver em busca
de um salvador da pátria, um herói contemporâneo, um verdadeiro defensor dos fracos e oprimidos, que
lhes acene com a solução definitiva para as suas mazelas cronificadas.
A verdade é que para esse grupo
de pessoas pouco importam os caminhos para se reequilibrar a economia e superar
os desafios que configuram a atual crise. Elas não se preocupam com o passo a
passo do economês. Elas querem alguém que lhes aponte uma luz no fim do túnel,
capaz de reacender a sua esperança. Elas querem o resultado final, a solução. Rápida.
Eficiente. A contento das suas expectativas.
Se as coisas não acontecem como o
esperado e “tudo fica como dantes, no
quartel de Abrantes”, a sua esperança, então, cai em desgraça mais uma vez.
E justamente por essa insistente persistência ao fracasso é que elas passam a
se nutrir de rancores, de ódios, de sentimentos que escolhem caminhos nada
ortodoxos para alcançar seus objetivos.
Experts em
sobreviver às desventuras da desigualdade, elas sabem que o tempo urge e não pode
esperar o fluxo natural da recuperação econômica, ou de decisões corretas pelo
governo, para conseguirem algum tipo de melhora. A realidade econômica não é a
realidade dessa parcela da população, são contextos muito distintos.
Elas têm pressa. A sua sobrevivência
tem pressa. A sua fome. A sua necessidade de trabalho. O seu tratamento médico.
... Enquanto a economia transita pelos movimentos orquestrados daqueles que
detêm o poder, a influência e o capital nas mãos. Então, a pressa deles não é a
pressa dessas pessoas.
Além disso, quem teria uma bola
de cristal bem calibrada para cravar o momento certo em que a economia estaria
de volta nos trilhos? Ninguém. Porque esse não é um desafio restrito aos
meandros nacionais. No mundo globalizado e globalizante as peças do dominó
estão posicionadas cuidadosamente até que, de repente, uma delas caia e o
efeito se espalhe pelas demais. Então...
Impactos previsíveis e imprevisíveis
assombram a realidade global e retiram as possibilidades de certeza, de plena
convicção, sobre o curso dos acontecimentos. Nunca a economia balançou tanto na
corda-bamba como agora. A velocidade com a qual os cenários se modificam chega
a ser assustadora, como foi no auge da Pandemia da COVID-19.
Mas, apesar dos pesares, todo
esse contexto tem um componente importantíssimo para ser adicionado a essa
reflexão. Fica claríssimo, como a sociedade vem se distanciando, até mesmo sem
perceber, da possibilidade de tecer suas campanhas eleitoreiras somente na base
das promessas.
O comportamento da população, haja
vista a pesquisa citada acima, por si só, já sinaliza uma impossibilidade de
estimular a idealização sob pena da situação se reverter furiosamente sobre os próprios
candidatos. Os acontecimentos recentes no mundo trouxeram um choque de
realidade muito significativo para as pessoas.
O imponderável gerou cicatrizes
profundas e que, ainda, não foram cicatrizadas. De modo que elas parecem muitos
mais ávidas por um sinal de estabilidade, de segurança. Razão pela qual parece
sim, ser mais sensato apresentar propostas fincadas na realidade, do que meras
chuvas de empenhos vazios.
E talvez, esse seja o caminho
para começar a desconstruir as inúmeras camadas de problemas que foram se
acumulando ao longo de séculos de história. Tempo de passar a vida a limpo! Ainda
que as questões econômicas sejam atravessadas por aspectos internos e externos,
a decisão de enfrentá-las a partir do método, do planejamento, da organização
é, de fato, o ponto de partida da transformação.
Então, esse movimento passa a
repercutir em diversas direções e sentidos, contabilizando os resgates da
esperança, do otimismo e da confiança. Sobretudo, em relação às parcelas mais
humildes e vulneráveis da população brasileira. Porque elas são sim, capazes de
perceber a ação substituindo a inação, o descaso, a negligência, a desassistência.
O que significa que elas estão,
de algum modo, se tornando visíveis de novo, reavendo seus espaços dentro da sociedade.
E é disso, desse tipo de situação, que o país precisa para se desenvolver, para
progredir, para exercer o seu protagonismo. Afinal, como escreveu Darcy Ribeiro,
“A coisa mais importante para os
brasileiros é inventar o Brasil que nós queremos”.
Mas, enquanto a realidade
persiste em agigantar e reafirmar um otimismo acanhado e enviesado, com a ajuda
dos meios de informação e comunicação, permanecemos vendo a banda passar 2. No fundo, e sem se dar conta, se perguntando, “O que são as pessoas de carne e osso? Para
os mais notórios economistas, números. Para os mais poderosos banqueiros,
devedores. Para os mais influentes tecnocratas, incômodos. E para os mais
exitosos políticos, votos” (Eduardo Galeano).