sábado, 8 de janeiro de 2022

Para pensar...


Para pensar...

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Infelizmente, a tendência acaba sendo sempre não contar com o imponderável da vida. Como se absolutamente nada pudesse dar errado, ou fugir dos planos, ou apresentar mudanças de última hora. É por isso que as tragédias costumam ter esse componente de anunciação prévia, algum sinal de alerta, por mínimo que seja, mas suficientemente capaz de fazer pensar, de causar algum desconforto, alguma tensão no ar. Dessa vez, era a estação chuvosa do verão brasileiro manifesta com muito mais rigor, muito mais extremismo em diversas regiões do país, incluindo Minas Gerais.

Então, considerando a maneira como as intempéries têm arrasado o cotidiano brasileiro, era preciso mais cautela, mais previdência, em transitar por lugares naturalmente expostos as ações do clima. Os ventos, as chuvas e os movimentos das águas, sejam elas fluviais ou marítimas, são instrumentos da natureza poderosíssimos para o processo erosivo dos relevos. Lapidando dia a dia, vão fraturando os terrenos e reduzindo os agregados a fragmentos de diferentes formas e tamanhos que podem se despregar do todo a qualquer momento.

Há pouco mais de um ano, uma família morreu no litoral do Rio Grande do Norte depois que uma falésia, um tipo de paredão íngreme encontrado em regiões litorâneas, desabou sobre eles. O que aponta para a necessidade de criação de um protocolo de orientação turística, o qual não só prepare adequadamente os guias; mas, sobretudo, os turistas que buscam visitar locais susceptíveis a esse tipo de ocorrência. Especialmente, porque o Brasil é um país pródigo de belezas naturais que tendem a ser exploradas para o turismo, tanto em regiões de grande porte quanto de médio e pequeno porte.

Mas, se engana quem pensa que as tragédias rondam apenas os espaços geográficos naturais. Não. A experiência do ocorrido na boate Kiss, em Santa Maria/RS, em 2013, trouxe à tona uma discussão sobre os protocolos de segurança, também, nos espaços de lazer e entretenimento urbanos, no Brasil. Nesse episódio foram 242 vidas perdidas e um total de 636 feridos, por conta de uma sucessão de erros cometidos, os quais desencadearam um incêndio em um local desprovido de saída de emergência adequada. A desatenção, a despreocupação em relação aos mínimos detalhes mostrou como a fatalidade pode ser avassaladora em um piscar de olhos, em qualquer lugar.

Vê-se, então, que a necessidade da precaução, da prevenção, não é mimimi. A vida humana é muito frágil. Pena que nem sempre ela é colocada no topo da lista das prioridades. Quantos naufrágios de barcos, em rios e no mar, por exemplo, já comoveram o Brasil? Embarcações lotadas e com excesso de peso já deram origem a tragédias horríveis, como a do Bateau Mouche IV, no Réveillon de 1988/1989, na Baía de Guanabara, no Rio de Janeiro. É como se houvesse se transformado em praxe a crença de que tudo vai dar certo, por se acreditar de olhos fechados no profissionalismo dos prestadores de serviço e na existência de leis e regulamentações, que sustentam os contratos do setor de turismo, entretenimento e lazer.

Até que, de repente... se descobre que tudo isso só vale até a página dois da história. Quando as tragédias acontecem é que se percebe o tamanho dos desdobramentos e das consequências que estavam invisíveis nas entrelinhas, invisibilizadas de certa forma pelas expectativas e ansiedades fomentadas pelo espírito lúdico da diversão. Toda a alegria, então, se transfigura pelo peso da responsabilidade, das medidas a serem tomadas, do sofrimento, da dor, do desalento, ... de um misto de emoções e sentimentos difíceis de serem contabilizados, processados e digeridos. Quanta vontade de voltar no tempo, de mudar os planos, de postergar as ações, de permanecer quieto no lugar. Mas, não é possível.

Talvez seja por isso que o provérbio nos avisa: “Prevenir é melhor que remediar! ”. Eu responsável por você, que é responsável pelo fulano, que é responsável pelo beltrano, que é responsável pelo sicrano, ... faz cair a ficha e admitir o nível de corresponsabilidade que nos cerca. Por isso não dá para ser displicente, irresponsável, ingênuo ou crédulo, quando lidamos com vidas. Divertir, desanuviar a mente, espairecer, nunca foi tão fundamental, como agora, em tempos Pandêmicos; pois, não é só o corpo que precisa de cuidados, a mente e a alma também precisam.

Justamente por essa razão é que não podemos fazer desses momentos um estopim de mais tormentas, de mais aflições. Esse é um momento de ponderar os prós e os contras, de avaliar, de refletir passo a passo as escolhas, as decisões. Porque, apesar dos pesares, a contemporaneidade ainda não nos fez perder por completo os sentidos, as percepções, na hora de ler e entender os sinais que a vida dá. Afinal, de um jeito ou de outro, reluz das experiências ruins do cotidiano o aviso de que “para aproveitarmos a liberdade temos que nos controlar” (Virginia Woolf – escritora inglesa).