segunda-feira, 20 de dezembro de 2021

A Bondade em tempos Pós-Modernos


A Bondade em tempos Pós-Modernos

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

A quatro dias para o Natal é sim, oportuno celebrar o Dia Mundial da Bondade. Pois é, essa data comemorativa existe. Foi estabelecida em 1998, pelo Movimento Mundial da Bondade, o qual, na verdade, é uma coalizão de Organizações Não-Governamentais (ONGs) voltadas para o desenvolvimento da bondade nas nações. Isso significa uma compreensão global de que as boas ações realizadas nas comunidades, destacam o poder construtivo e transformador da bondade para o bem comum. De modo que a gentileza, um dos elementos fundamentais da condição humana, é o elo de ligação entre raças, religiões, políticas, gêneros e lugares.

E em tempos tão adversos, tão caóticos, tão instáveis, enaltecer a bondade se torna tão importante quanto desafiador. Afinal de contas, valores e princípios humanos andam meio distorcidos, alterados e desconstruídos, por parte de muita gente. Como se o fato de ser bom transmitisse a impressão de fraqueza ou vulnerabilidade e, de certo modo, uma incapacidade de sobrevivência nesse mundo, onde o poder, a ganância a cobiça, a deslealdade tentam exaustivamente se firmar. Mas, apesar de todos os pesares, mexe daqui, vira dali, e as conjunturas acabam resgatando a bondade de uma maneira ou de outra, dando-lhe vieses de visibilidade que permitem a compreensão de novas perspectivas e expectativas para a existência humana.

É o caso da Pandemia, por exemplo. Lançando um olhar microscópico sobre o cotidiano, para as pequenas ações, descobre-se um mundo onde a bondade flui ininterruptamente. Do imaterial ao material é possível perceber o ser humano indo ao encontro do seu semelhante para colaborar, para auxiliar, para acalentar, para minimizar as perdas e os sofrimentos. Quase que um movimento de formiguinhas. Tendo em vista de que a fome não espera, a necessidade não espera, a dor não espera, a dificuldade não espera, ... é preciso agir, fazer, criar, inventar, colocar a mão na massa em prol de quem precisa. E cada um, na sua possibilidade, representa um tijolinho nessa construção, nesse imenso mosaico de fraternidade, de compaixão, de empatia.

Por isso, vez por outra, a indignação me consome. Porque o exercício da bondade não se mede por balança ou fita métrica. Cada pouquinho, cada mínimo gesto, cada manifestação, tem um valor inestimável. O que não vale é o descaso, a negligência, o não fazer absolutamente nada, seja por vontade ou por influência dos outros. Então, quando dizem que “o Brasil está quebrado”, por exemplo, que “o país não tem dinheiro”, isso me incomoda muito, porque não é verdade. Recursos existem sim, em profusão, mas são muito mal-empregados. Gastos com supérfluos desnecessários, com corrupção a qualquer hora e em todo lugar, com obras que nunca ficam prontas e consomem valores cada vez mais escandalosos, com propagandas enganosas e inúteis, ...

Aliás, qual o sentido da propaganda? O governo é pago, e muito bem pago, para cumprir seu dever. Ele não faz porque é bom ou porque pensou que devia fazer. Ele faz porque assumiu não só um compromisso constitucional; mas, também, um vasto compromisso de campanha. Propaganda, então, é pura vaidade, é publicidade de si mesmo, é autopromoção, e isso é tão pequeno, tão deselegante, tão constrangedor, tão inapropriado. Precisar se visibilizar para os outros é como se seus próprios esforços e ações fossem insuficientes para lhe apresentar e demonstrar a que veio a esse mundo.

Não é à toa que o evangelho cristão, no livro de São Mateus, prega que “quando deres esmola, que a tua mão esquerda não saiba o que faz a tua mão direita, de modo que, a tua esmola fique oculta”. Porque a prática da bondade não deixa de ser uma forma de oração. Quanto mais silenciosa e reservada, mais forte são os laços que se estabelecem com o sagrado. A bondade reside na convicção. A bondade é voluntária, é uma expressão genuína que brota da consciência e da sensibilidade humana. Você é bom porque crê incondicionalmente na bondade, entende que através dela é possível consolidar um mundo mais justo, mais humano, mais solidário, mais igualitário e equitativo. Pois como dizia o Profeta Gentileza1, “Gentileza gera gentileza”.

Quando criança ouvia meu avô paterno dizer que “Ninguém é tão pobre que não possa dar e nem tão rico que não possa receber”, porque a bondade, na expressão da gentileza, cabe em todo lugar. Se engana quem pensa que a bondade possa ser definida e regulamentada por essa ou aquela situação. Não. Se o ser humano é plural, diverso, a bondade também é. Pois, como diz o poema, “Não sei... se a vida é curta / ou longa demais para nós. / Mas sei que nada do que vivemos / tem sentido, / se não tocarmos o coração das pessoas. / Muitas vezes basta ser: / colo que acolhe, / braço que envolve, / palavra que conforta, / silêncio que respeita, / alegria que contagia, / lágrima que corre, / olhar que sacia, / amor que promove. [...]” (autor desconhecido, poema apócrifo 2).

O ser humano se equivoca ao querer demais, a depositar suas expectativas muito além das suas reais demandas, e isso o afasta da bondade. Faz com que ele fique olhando fixamente para si mesmo e esqueça dos outros, do mundo, lançando-se a uma bolha de individualismo que acaba por distorcer a sua própria individualidade. Então, ele se perde nos seus devaneios, nas suas loucuras, nas suas ambições, na sua avareza. Ele passa a correr atrás de algo que não sabe o que é, ou por que razão deseja, ou se vale a pena, e acaba não chegando a lugar algum. Rubem Alves dizia que “Quem é movido pela avareza não tem olhos nem coração para sentir o sofrimento dos outros, porque estes lhe são apenas um valor econômico. A avareza tira a capacidade de compaixão. E, com isso, nossa condição de seres humanos”. 

Na verdade, colocar em prática a bondade não é difícil, não é coisa de outro mundo. “O primeiro passo para o bem é não fazer o mal” (Jean-Jacques Rousseau). Talvez, o que se chama dificuldade, nesse caso, seja exercitar a capacidade de olhar para dentro da própria alma, no sentido de descobrir onde estão guardadas as virtudes, os sentimentos e as emoções plenas de dignidade e afeto. Parar em meio ao frenesi caótico do mundo, para silenciar e ouvir, permitindo que a bondade se desfie em gentilezas e nos envolva na delicadeza de um encantamento, quase infantil.

Então, nesse Natal aproveite para se reconectar com a bondade. Afinal, “Muitas vezes, as pessoas são egocêntricas, ilógicas e insensatas. Perdoe-as, assim mesmo. Se você é gentil, as pessoas podem acusá-lo de egoísta, interesseiro. Seja gentil assim mesmo. Se você é um vencedor, terá alguns falsos amigos e inimigos verdadeiros. Vença, assim mesmo. Se você é honesto e franco, as pessoas podem enganá-lo. Seja honesto e franco, assim mesmo. Se você tem paz e é feliz, as pessoas podem sentir inveja. Seja feliz, assim mesmo. O bem que você faz hoje pode ser esquecido amanhã. Faça o bem, mesmo assim. Dê ao mundo o melhor de você, mas isso pode nunca ser o bastante. Dê o melhor de você, assim mesmo. Veja você, que no final das contas é entre você e Deus. Nunca foi entre você e os outros” (Madre Teresa de Calcutá).