quinta-feira, 13 de dezembro de 2018

"Não existem sonhos impossíveis para aqueles que realmente acreditam que o poder realizador reside no interior de cada ser humano. Sempre que alguém descobre esse poder, algo antes considerado impossível, se torna realidade". Albert Einstein

10, 9, 8, 7, 6...


Por Alessandra Leles Rocha


Lá se vão quase quatro décadas e a sensação que tenho é de que ainda aspiramos (ou esperamos) por “uma vida melhor no futuro”, a partir da percepção de quem vê “a vida por cima de um muro de hipocrisia que insiste em nos rodear” 1.  Principalmente, nesse findar anual. O velho e roto hábito de postergar ao amanhã, fazendo “vista grossa” desde os sonhos mais singelos até a própria existência.
Mas, ao transferir as transformações ao destino, ao acaso, ao Ano Novo, ou “a quem possa interessar”, nos abstemos do nosso protagonismo na defesa de nossos próprios sonhos e convicções e nos mantemos assistindo ao festival de hipocrisias que continuam insistindo em nos rodear.
A grande questão é que essa nossa eterna abstenção não garante, de forma alguma, nos afastar dos incômodos sociais a que fomos expostos. Por detrás das aparências há sempre uma (in) consciência pulsante. Por isso, quanto mais ela dói, incomoda, desagrada,... mais aumenta a vontade de sair por aí desejando esperança por dias melhores, como se isso bastasse.
Pena que não basta. Romper o casulo, trocar de pele, rasgar a fantasia, no tocante ao mais profundo d’alma é isso que de fato encurta o caminho para esse futuro melhor. Arregaçar as mangas pra valer. Se posicionar diante da sua verdade e não a dos outros; pois, o futuro melhor começa no nosso próprio quintal. E isso me faz lembrar as palavras da escritora Chimamanda Ngozi Adichie, “a história sozinha cria estereótipos, e o problema com os estereótipos é que não é que eles não são verdadeiros, mas que eles são incompletos. Eles fazem uma história se tornar a única história”.
A sociedade atual parece um cachorro correndo atrás do próprio rabo; tentando se encaixar, se moldar a esse ou aquele padrão, ou interesse, ou ideologia. As pessoas parecem não pensar mais com a própria cabeça, como se entregues a um “efeito manada”; de modo que, gradativamente, um vazio existencial e comportamental começasse a lhes corroer. Há um desgaste físico e moral tão grande nessa “maratona” em busca da aceitação e do pertencimento social que elas estão cada vez mais doentes e desorientadas.
Se por um lado à tecnologia colocou cada um no seu casulo pessoal e intransferível, por outro, isso não impediu que esses bilhões de casulos passassem a coexistir se exibindo e imitando uns aos outros. Tudo em nome da opinião alheia e, então, de repente, o individualismo se massificou! Em uma relação de amor e ódio, os “Eus” se aplaudem e se estranham nesse rito social, fazendo a solidão ecoar sem limite e o singular ser de um pluralismo replicante sem precedentes.
E diante disso, penso que talvez a humanidade esteja, no fim das contas, mais a espera do que cultivando a própria esperança, ou seja, no aguardo vão, na passividade inerte, ao invés da confiança ativa de que algo bom e melhor possa acontecer a partir de si mesmo.  Por isso, permita-se SER; segundo as palavras de Simone de Beauvoir, “mude a sua vida hoje. Não deixe para arriscar no futuro, aja agora, sem atrasos”.
Um mundo melhor, uma vida melhor, começa na perspectiva do seu olhar, do seu entendimento. Só você pode moldar o seu próprio barro, escrever a sua própria história. Não somos papel carbono. Não somos carimbos. 10, 9, 8, 7, 6...:Hoje o tempo voa, amor / Escorre pelas mãos / Mesmo sem se sentir / Não há tempo que volte, amor / Vamos viver tudo que há pra viver / Vamos nos permitir" 2.




1 Tempos Modernos – Lulu Santos (1982). Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=MDkU8dYHCwk.
2 Idem. 

sábado, 1 de dezembro de 2018

"Quero fim de ano, pés descalços na areia, a brisa do mar, fim de tarde tranquilo, música boa, sem relógio, despertador ou qualquer coisa que me mostre o tempo passando. Quero sair de noite olhar pro céu e ver estrelas, ter tempo pra ver como a lua é bela, observar pessoas, rir, chorar, pensar, viver, cantar, sentir. Preciso de um tempo, preciso me reencontrar em novos caminhos e preciso disso agora..." Caio Fernando Abreu

Dezembros...


Por Alessandra Leles Rocha


Dezembro se inicia hoje; mas, há alguns dias tenho observado as pessoas e percebido o nítido frisson que toma conta dos seres humanos nessa aproximação do fim do ano. É engraçado, porque diante de todas as tentativas humanas de se controlar o tempo e fazê-lo subserviente às suas vontades, as pessoas se rendem aos apelos da mais pura repetição. Ora, o que é o fim do ano senão mais um ciclo que se finda?
E todos nós sabemos que isso vai acontecer, porque essa contagem do tempo é uma criação humana. No entanto, cada vez que se renova esse movimento de resgate e transformação, os Dezembros se moldam diferentes. Como disse Heráclito de Éfeso 1, “não cruzarás o mesmo rio duas vezes, porque outras são as águas que correm nele”. O que chama atenção é como esse mesmo processo, ano a ano, é realmente capaz de desencadear ou intensificar uma série de diferentes e inovadoras sensações e sentimentos.
De repente, começo a pensar que Dezembro é a nossa primavera! Impactada pelos solavancos do inusitado, soterrada lentamente debaixo de uma ferrugem proveniente das agruras do cotidiano, a alma aguarda o tempo para renascer e revelar o esplendor das suas mudanças.
Então, esse é o tempo de se fazer um balanço da vida. Vitórias. Derrotas. Conquistas. Fracassos. Ilusões. Desilusões. ...um olhar mais intenso e sincero para tudo o que está além do espelho. Depois de uma longa jornada a casca está em farrapos e a verdade do que fomos e fizemos está desnuda.
Não, não há como fugir. Não há como mentir. Não há como se esconder. Por isso, Dezembros nos tornam frágeis; crianças em busca de colo e de afago. Os encantos do mundo, as luzinhas multicoloridas, os presentes, o corre-corre pelas cidades... de uma forma ou de outra nos revolvem os terrenos do espírito em busca do preenchimento de tantos vazios que estavam ocultos pela inabilidade de priorizar o essencial.
Mas, nem só de materialismo vive o ser humano. Nessa catarse de Dezembro há espaço para a fé; nosso lado mais íntimo e pessoal, o qual reside na força magnânima do divino. É o afago que não se vê não se explica; apenas, se sente. Mas, que dispõe de uma intensidade tão surpreendente que, não raras às vezes, traduz o intraduzível aos pobres mortais.
Por isso, geralmente, Dezembros nos tornam mais doces, mais dóceis, mais gente. Capazes de externar nossa capacidade humana de ser generoso, fraterno, altruísta..., visibilizando seres e coisas que nossa cegueira ocultou por tantas passagens dos ponteiros.  Afinal, enquanto chama viva, a fé precisa desse calor que compartilha o pão e a alma em todas as suas dimensões.
Ora, mas é preciso entender que Dezembros não são contrições que nos absolvem para retornar ao ponto dessa breve pausa. Dezembros precisam e devem ser o ponto alto de mudanças que sinalizem nossa evolução. E evoluir não é tarefa fácil e possível para um único Dezembro. Precisamos de muitos; mas, sobretudo, da vontade efetiva de fazer diferente, de ser diferente. E isso envolve diretamente o modo como você se relaciona com o material e o imaterial da vida, ou seja, o peso que você atribui ao TER e ao SER.