sexta-feira, 16 de fevereiro de 2018

Leia e reflita!!!

Violência...


Por Alessandra Leles Rocha


Não adiantou fechar os olhos, tampar os ouvidos, ou desconversar.  A realidade é sempre implacável e desbanca quaisquer divergências sobre a verdade; ela é um espelho sem distorções.  E há tempos, bastante consideráveis, ela é o retrato sobreposto de todas as mazelas sociais, ressaltado na figura da violência.
Aonde carece o diálogo prevalece à violência. Aonde os abismos sociais se agigantam floresce a violência. Aonde persiste a desassistência se inflama a violência. Aonde os direitos e os deveres são legendas em papel oportunam-se novas ordens pela violência. ... Onde o Estado se omite as relações sociais se manifestam pela violência.
E quantas não são as omissões?  Os milhões de pesos e medidas no trato da população são combustíveis fáceis para inflamar a violência; na medida em que, abrem precedentes para o acirramento da desigualdade, enquanto ensina o desrespeito, o descompromisso, a irresponsabilidade diante da própria cidadania.
Sim, as omissões nutrem um eterno sentimento de orfandade social, cuja violência se torna o ápice, o ato desesperado de confronto com a indiferença. Por isso, os cárceres nacionais estão cheios. De fora ou entre as grades, o abandono social é o mesmo. Para milhões de brasileiros tanto faz ser cidadão ou não, porque de uma maneira ou de outra a realidade lhes pune com descaso, como já dizia Rui Barbosa 1.
A violência que se vive é fruto da própria sociedade construída. Quanto mais indiferentes nos portamos diante do cotidiano da vida, mais à beira do colapso nos colocamos. A incapacidade de se transportar para situações extremas e opostas à sua própria realidade desenvolve nas pessoas uma blindagem social ilusória, que as impede de enxergar os perigos e os desafios dessas “muralhas” erguidas ao seu redor. Sem contar que o viver de migalhas, ou de “pão e circo”, um dia emite a fatura, também, na forma da violência.  
Isso porque sempre chega a hora em que as migalhas se tornam insuficientes. Que a barriga e os bolsos vazios se tornam os piores conselheiros.  Quando não há remédio parar curar a dor do corpo, um lampejo de dignidade começa a pulsar. De repente, a vida plebeia de indigência não parece mais satisfazer as míseras aspirações e o jeito parece ser a violência.
Essa violência, a do desvalido, do esquecido, do maltratado pela sociedade é, de algum modo, compreensível. Mas, a violência silenciosa cometida nas esferas do poder, essa não há compreensão. Corrupção, tráfico de influências, usurpação do dinheiro público, má administração,... são violências que abrem precedentes para outras tantas em efeito cascata por toda a sociedade. Enquanto permite a proliferação desse tipo de violência, o Estado se omite nas suas responsabilidades constitucionais, éticas e morais.  
Ter um efetivo de segurança bem equipado, bem treinado, com salários justos e em dia, por exemplo, não é medida para apagar “incêndios”; mas, obrigação estatal prevista em lei. Do mesmo modo que “construir uma sociedade livre, justa e solidária; garantir o desenvolvimento nacional, erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; e, promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação” 2.  Não há, portanto, como dissociar os caminhos da violência.
É preciso admitir que se arrastaram correntes por décadas, sem que nada fosse efetivamente resolvido, enquanto o excessivo contingente de precedentes nocivos era aberto na sociedade. Estancar a sangria da violência instituída é uma medida de extrema urgência; mas, só estancar não basta. Se não houver uma transformação profunda na práxis das relações sociais, a tendência é comprometer o frágil equilíbrio ainda existente.
Exemplos próximos e distantes geograficamente apontam para os riscos do Estado se abster de suas responsabilidades, promovendo o espetáculo do caos de suas mazelas. Seres humanos. Seres humanos que precisam fugir se esconder. Seres humanos que perdem a sua identidade. Seres humanos que se tornam a linha de frente da violência. Seres humanos...
Como dizia o dramaturgo e poeta alemão do século XX, Bertolt Brecht, “Do rio que tudo arrasta se diz que é violento. Mas ninguém diz violentas as margens que o comprimem”. Então, não nos esqueçamos de que a violência não é obra do acaso.  Ela é tecida lenta e incessantemente. A impotência, a desigualdade, a luz da realidade são a sua força motriz e todos, no frigir dos ovos, são sim responsáveis direta ou indiretamente por ela.


1De tanto ver triunfar as nulidades; de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça. De tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar-se da virtude, a rir-se da honra e a ter vergonha de ser honesto”.
2 Constituição Federal (1988), art. 3°.