Cinto de Segurança – afivelando as
desigualdades
Por Alessandra Leles Rocha
Não
são raras às vezes, em que nos parece difícil entender o comportamento humano.
São tantos pesos e medidas para uma mesma questão como se tudo pudesse ser
flexibilizado sem nenhum prejuízo. Mas, o que se esconde por detrás dessa
contradição desmedida é nada mais, nada menos, do que a carência de um processo
educador.
Basta
uma simples observação cotidiana para entendermos a dimensão da fragilidade
educadora a nos rodear. Lamentavelmente, nosso comportamento tem sido guiado
muito mais por DEVERES e OBRIGAÇÕES do que por uma consciência construída a
partir de valores e princípios moldados através da educação.
Sabe
os chamados “bons exemplos”? Eles podem ser considerados pilares importantes
para esse processo. Tudo aquilo que nos é repassado dentro do contexto ao qual
estamos inseridos nos faz construir uma percepção individual e coletiva muito
mais apurada e positiva; pois, trata-se da junção perfeita entre o discurso e
uma prática visível, do que seja melhor, justo, bom.
No
entanto, o passar dos dias nos dão conta do acelerado processo de
distanciamento dessa condição, ao qual estamos submetidos. OBEDECEMOS, muito ou
pouco; mas, no fundo, o fazemos sem a consciência plena, analítica e crítica
sobre nossas ações. Não é à toa que, no final das contas, os resultados parecem
fictícios, inconsistentes, quase caricatos; como se lhes faltasse uma essência
de verdade.
Vejamos,
por exemplo, a questão do uso do cinto de segurança nos veículos. Há vinte
anos, a Lei nº. 9.503 1,
de 23 de setembro de 1997, instituiu o Código de Trânsito brasileiro e em seu
artigo 65, estabeleceu que “É obrigatório o uso do
cinto de segurança para condutor e passageiros em todas as vias do território
nacional, salvo em situações regulamentadas pelo CONTRAN”.
De fato, o transporte de pessoas sem o uso do
cinto de segurança nos veículos representa um risco real, sobretudo, nos
grandes centros urbanos onde a frota é imensa e o fluxo do tráfego nem sempre
transcorre de maneira satisfatória, valendo-se, inclusive, do constante excesso
de velocidade e desrespeito às leis de trânsito vigentes.Inúmeras campanhas, pesquisas e reportagens buscam apresentar fundamentos
consistentes para essa utilização, apesar de não perceberem a existência de uma
falha importante em seus discursos.
Legisladores e gestores de trânsito esqueceram-se
de buscar medidas preventivas e/ou mitigadoras para proteger os cidadãos que
utilizam diariamente os veículos de transporte público de massa (ônibus, trens,
e metrô). Afinal, os perigos são os mesmos para quaisquer passageiros, estejam
eles em veículo particular ou público. Aliás, nos veículos de massa, pode-se
considerar o agravante da superlotação; pois, são raríssimos os momentos em que
os veículos transitam na sua capacidade prevista.
Sem se dar conta, as normas de trânsito
brasileiras trafegaram displicentes e atingiram em cheio o artigo 5º da
Constituição Federal de 1988, ou seja, “todos são iguais perante a lei, sem
distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à
igualdade, à segurança e à propriedade”. Essa displicência, que
permite conduzir milhões de cidadãos brasileiros em condição de risco iminente,
esconde a perversidade de mais uma linha divisória na sociedade nacional, ou
seja, entre os que devem e os que não devem ser protegidos.
Portanto, se a obrigatoriedade do uso do cinto de
segurança é notoriamente reconhecida por evitar que os passageiros sejam
arremessados para fora ou se choquem com outros no interior do veículo, por
diminuir os riscos de fraturas graves (inclusive, coluna vertebral) e perca da
consciência em caso de acidente, por que os usuários do transporte público
podem permanecer desprotegidos? Já parou para pensar na questão do usuário que
é deficiente, ou idoso, ou criança? O quão vulnerável essas pessoas estão no
transporte público, hein?
Não nos esqueçamos de que o transporte de massa
reflete a diversidade etária e de demandas sociais do país. Ele é o transporte
para o trabalho, para a escola, para as compras, para ir ao médico, para
desfrutar do lazer... É, simplesmente, a materialização do direito de ir e vir
que cabe a todos sem distinção de qualquer natureza. Também vale ressaltar que,
embora público, ele não é de graça e, cada vez mais, pesa muito no orçamento de
quem o utiliza.
Em tempos que se fala tanto a respeito da
Mobilidade Urbana 2 em todo o mundo, esse é
um aspecto fundamental que não pode ser jamais esquecido. Não cuidar disso significa não se importar
com o resultado de cada acidente a repercutir sobre os serviços de saúde
pública já tão sobrecarregados, sobre a Previdência Social, sobre os índices de
desemprego nacionais, sobre a perda precoce de mão-de-obra economicamente
ativa, enfim... Como
disse, no século XIX, o poeta e ensaísta norte-americano, Henry David Thoreau, “O preço de qualquer
coisa é a quantidade de vida que você troca por isso”. Portanto,
proteger a vida do passageiro não só faz parte da obrigação qualitativa dos
serviços a serem prestados como deveria ser item prioritário nos editais de concessão para os mesmos.
Pensemos sobre isso!