Reflexões
sobre o trabalho
Por Alessandra
Leles Rocha
Segundo a Oxford Languages, dentre
os verbetes que definem o trabalho, aquele que se apresenta de maneira mais verdadeira
é “conjunto de atividades, produtivas ou criativas, que o homem exerce para
atingir determinado fim”. Digo isso, considerando o fato de se tratar de algo
atemporal na historicidade humana. O trabalho, nesse contexto, sempre esteve
presente na realidade dos indivíduos, independentemente, de qualquer situação.
No entanto, foi a partir do
cenário pré-capitalista, que ele transitou do sistema de trocas para o sistema
remunerado por moeda, efetivamente. Daí para a Revolução Industrial, a qual
também revolucionou as relações de trabalho, muita coisa mudou! O ser humano viu-se
obrigado a compatibilizar o seu dia entre diferentes atividades, ou seja, vida
pessoal, vida em família, trabalho, descanso, alimentação, lazer, ... Então, de
repente, a conta das horas deixou de fechar!
O modo como a humanidade
estabeleceu a distribuição do tempo diário, em 24 horas, passou a ser
insuficiente para atender a todos os papeis sociais da humanidade. Afinal de
contas, o tempo do trabalho não se restringe ao tempo no ambiente de trabalho. Há
todo um conjunto de atividades a serem cumpridas. Higiene pessoal. Organização dos
materiais de trabalho. Refeição. Deslocamento ida e volta. Enfim... Enquanto isso, os segundos do relógio
estão em ritmo frenético!
E essa jornada repetida diariamente
ao longo de semanas, meses e anos, por mais que ela represente algo importante
e significativo para o indivíduo, isso não o exime da exaustão. O trabalho nos
moldes da realidade contemporânea é extremamente pesado, para uma imensa
maioria da população. A flagrante desigualdade salarial impõe, aos milhares de
cidadãos, da grande base da pirâmide social, o cumprimento de jornadas múltiplas
para conseguir uma renda minimamente satisfatória.
Acontece que, para atender ao
ritual que precede a ida para cada trabalho, o tempo necessário para as
demandas existenciais se torna cada vez mais exíguo. Sobretudo, quando se
considera a geografia das cidades. As distâncias para deslocamento são um dos
maiores inimigos dos trabalhadores. Dentro dos diversos meios de transporte,
eles perdem um tempo precioso, em razão de acidentes, congestionamentos, interrupção
de vias, violência, alagamentos, ... até conseguirem, finalmente, chegar ao
local de trabalho. Isso antes de pensar como pode ser o trajeto de volta para
casa.
Não é à toa que a classe
trabalhadora venha se mostrando cada vez mais doente. A rotina extenuante da sobrevivência
expôs o corpo, a mente e a alma, a um nível de tensionamento e sobrecarga inimaginável.
A expectativa de vida para os habitantes de grandes cidades e regiões metropolitanas
tem sido cada vez menor, se comparada a lugares onde os impactos da urbanização
e do desenvolvimento são menos expressivos. E essa é uma das consequência da
constante busca por mais e melhores oportunidades de trabalho, nos grandes
centros.
O que significa que o cidadão
sacrifica diretamente a sua qualidade de vida, ou seja, o conjunto de fatores
relacionados com a sua condição física, social e psicológica, comprometendo,
então, a sua expectativa de vida. Algo facilmente percebido através da aferição
do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), concebido pela Organização das Nações
Unidas (ONU), visto que ele ao buscar avaliar a qualidade de vida e o
desenvolvimento econômico, através dos parâmetros longevidade, educação e renda,
espera encontrar um contexto de equilíbrio.
Por isso, o mundo vem realizando
uma verdadeira cruzada no sentido de desconstruir certas práxis e paradigmas do
mundo trabalho. Um dos temas mais discutidos tem sido a redução da carga
horária semanal. A própria Organização Internacional do Trabalho (OIT) em
conjunto com a Organização Mundial da Saúde (OMS) já dispõem de estudos que
mostram o crescimento de mortes por doenças cardíacas e por acidente vascular
cerebral, devido a longas jornadas de trabalho. Cada vez mais, o mercado de
trabalho tem lidado com situações de acidentes e afastamentos causados por
doenças profissionais, aquelas que ocorrem por exposição contínua do
trabalhador aos agentes de risco, ou por doenças do trabalho, aquelas que
resultam das condições do ambiente ocupacional.
Isso possibilita entender que
trabalhadores extenuados são uma realidade contraproducente. Daqui e dali
proliferam casos de Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho (DORT),
Lesão por Esforço Repetitivo (LER), Síndrome de burnout, Transtornos Mentais
(depressão, síndrome do pânico, ansiedade, estresse pós-traumático). Desse
modo, adoecidos, desmotivados, cansados, eles não conseguem, por mais que se
dediquem e se esforcem, cumprir as metas e os objetivos que lhes são impostos. Nem
tampouco, se dedicarem a um processo de formação continuada para melhorar a sua
qualificação.
O poeta gaúcho Mario Quintana escreveu, “Existe um momento na vida de cada pessoa que é possível sonhar e realizar nossos sonhos ... e esse momento tão fugaz chama-se presente e tem a duração do tempo que passa”. Pois é, um lembrete poético a todos os seres humanos de que o trabalho faz parte da vida e precisa, necessariamente, se equilibrar à dinâmica que estabelece com ela. Segundo o escritor inglês Aldous Huxley, “Todo excesso traz, em si, o germe da autodestruição”. Portanto, não nos esqueçamos de que o trabalho seja para viver e não, um viver somente para trabalhar.