sexta-feira, 15 de novembro de 2024

Reflexões sobre o trabalho

Reflexões sobre o trabalho

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Segundo a Oxford Languages, dentre os verbetes que definem o trabalho, aquele que se apresenta de maneira mais verdadeira é “conjunto de atividades, produtivas ou criativas, que o homem exerce para atingir determinado fim”. Digo isso, considerando o fato de se tratar de algo atemporal na historicidade humana. O trabalho, nesse contexto, sempre esteve presente na realidade dos indivíduos, independentemente, de qualquer situação.

No entanto, foi a partir do cenário pré-capitalista, que ele transitou do sistema de trocas para o sistema remunerado por moeda, efetivamente. Daí para a Revolução Industrial, a qual também revolucionou as relações de trabalho, muita coisa mudou! O ser humano viu-se obrigado a compatibilizar o seu dia entre diferentes atividades, ou seja, vida pessoal, vida em família, trabalho, descanso, alimentação, lazer, ... Então, de repente, a conta das horas deixou de fechar!

O modo como a humanidade estabeleceu a distribuição do tempo diário, em 24 horas, passou a ser insuficiente para atender a todos os papeis sociais da humanidade. Afinal de contas, o tempo do trabalho não se restringe ao tempo no ambiente de trabalho. Há todo um conjunto de atividades a serem cumpridas. Higiene pessoal. Organização dos materiais de trabalho. Refeição. Deslocamento ida e volta.  Enfim... Enquanto isso, os segundos do relógio estão em ritmo frenético!

E essa jornada repetida diariamente ao longo de semanas, meses e anos, por mais que ela represente algo importante e significativo para o indivíduo, isso não o exime da exaustão. O trabalho nos moldes da realidade contemporânea é extremamente pesado, para uma imensa maioria da população. A flagrante desigualdade salarial impõe, aos milhares de cidadãos, da grande base da pirâmide social, o cumprimento de jornadas múltiplas para conseguir uma renda minimamente satisfatória.

Acontece que, para atender ao ritual que precede a ida para cada trabalho, o tempo necessário para as demandas existenciais se torna cada vez mais exíguo. Sobretudo, quando se considera a geografia das cidades. As distâncias para deslocamento são um dos maiores inimigos dos trabalhadores. Dentro dos diversos meios de transporte, eles perdem um tempo precioso, em razão de acidentes, congestionamentos, interrupção de vias, violência, alagamentos, ... até conseguirem, finalmente, chegar ao local de trabalho. Isso antes de pensar como pode ser o trajeto de volta para casa.

Não é à toa que a classe trabalhadora venha se mostrando cada vez mais doente. A rotina extenuante da sobrevivência expôs o corpo, a mente e a alma, a um nível de tensionamento e sobrecarga inimaginável. A expectativa de vida para os habitantes de grandes cidades e regiões metropolitanas tem sido cada vez menor, se comparada a lugares onde os impactos da urbanização e do desenvolvimento são menos expressivos. E essa é uma das consequência da constante busca por mais e melhores oportunidades de trabalho, nos grandes centros.

O que significa que o cidadão sacrifica diretamente a sua qualidade de vida, ou seja, o conjunto de fatores relacionados com a sua condição física, social e psicológica, comprometendo, então, a sua expectativa de vida. Algo facilmente percebido através da aferição do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), concebido pela Organização das Nações Unidas (ONU), visto que ele ao buscar avaliar a qualidade de vida e o desenvolvimento econômico, através dos parâmetros longevidade, educação e renda, espera encontrar um contexto de equilíbrio.

Por isso, o mundo vem realizando uma verdadeira cruzada no sentido de desconstruir certas práxis e paradigmas do mundo trabalho. Um dos temas mais discutidos tem sido a redução da carga horária semanal. A própria Organização Internacional do Trabalho (OIT) em conjunto com a Organização Mundial da Saúde (OMS) já dispõem de estudos que mostram o crescimento de mortes por doenças cardíacas e por acidente vascular cerebral, devido a longas jornadas de trabalho. Cada vez mais, o mercado de trabalho tem lidado com situações de acidentes e afastamentos causados por doenças profissionais, aquelas que ocorrem por exposição contínua do trabalhador aos agentes de risco, ou por doenças do trabalho, aquelas que resultam das condições do ambiente ocupacional.

Isso possibilita entender que trabalhadores extenuados são uma realidade contraproducente. Daqui e dali proliferam casos de Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho (DORT), Lesão por Esforço Repetitivo (LER), Síndrome de burnout, Transtornos Mentais (depressão, síndrome do pânico, ansiedade, estresse pós-traumático). Desse modo, adoecidos, desmotivados, cansados, eles não conseguem, por mais que se dediquem e se esforcem, cumprir as metas e os objetivos que lhes são impostos. Nem tampouco, se dedicarem a um processo de formação continuada para melhorar a sua qualificação.

O poeta gaúcho Mario Quintana escreveu, “Existe um momento na vida de cada pessoa que é possível sonhar e realizar nossos sonhos ... e esse momento tão fugaz chama-se presente e tem a duração do tempo que passa”. Pois é, um lembrete poético a todos os seres humanos de que o trabalho faz parte da vida e precisa, necessariamente, se equilibrar à dinâmica que estabelece com ela. Segundo o escritor inglês Aldous Huxley, “Todo excesso traz, em si, o germe da autodestruição”. Portanto, não nos esqueçamos de que o trabalho seja para viver e não, um viver somente para trabalhar.