A
palavra de ordem deve ser: FOCO!
Por Alessandra Leles Rocha
“Depois
da tempestade vem a bonança”; assim prega o dito popular. Mas,
na ótica da atual conjuntura brasileira, creio que não é bem assim. Estamos no
decurso de um processo, longo e árduo, que acontece em uma sociedade bastante
impactada por ideologias que ao contrário de unir o país em torno de um mesmo
propósito, o de “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça,
sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação” 1, estabeleceu uma grave desagregação.
Por isso é necessária à reflexão, uma
tomada de consciência apartidária, capaz de dirimir as divergências,
priorizando as demandas emergenciais que acometem a todos os cidadãos
brasileiros sem distinção. Depois das grandes catástrofes, ainda em meio aos
escombros, é fundamental criar condições que viabilizem promover a esperança
dos sobreviventes e focar nas metas de reerguimento da sociedade em termos
materiais e logísticos.
A tarefa é de fato desafiadora. Afinal
de contas, a natureza humana guarda em si o germe do egoísmo; relembrando outro
dito popular, “se a farinha é pouca, o
meu pirão primeiro”. Infelizmente, na cultura de vários países, inclusive o
Brasil, as pessoas têm por hábito pensar primeiro nos seus interesses do que no
interesse dos demais; querem tudo a tempo e a hora de suas vontades. Então, as
tensões que vieram se fiando na última década fatidicamente tendem a exacerbar
esses sentimentos e impedir que a união consiga reverter os graves problemas instituídos
antes que estes se tornem, realmente, insolúveis.
Como ponto de partida, a sociedade
está diante de um governo interino, ou seja, “que exerce funções só durante o tempo de impedimento de outrem” 2; o qual foi estabelecido mediante princípios
constitucionais e referendados pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Tudo isso,
porque o país não poderia ficar à deriva pelo prazo de seis meses, enquanto se
processa o julgamento do impeachment
da presidente da República; e segundo a legislação vigente cabe ao vice-presidente
assumir a função.
A questão é que até a decisão do
Senado em afastar temporariamente a presidente, o país já se encontrava paralisado,
sobretudo, do ponto de vista econômico. Desde 2014 o ciclo de contração da
economia brasileira começou a se intensificar, a tal ponto que as expectativas
são de 3,4% este ano. Estamos vivenciando a pior recessão dos últimos 20 anos,
o que se traduz numa desaceleração da produção nacional, na arrecadação de
tributos, no grau de interesse de investimentos estrangeiros no país. Sem contar
que o déficit no orçamento federal pode travar a gestão pública; posto que, a priori o mesmo já está na casa de R$96
bilhões. Longe dessas cifras absurdamente alarmantes, não se pode esquecer
dos 10,4 milhões de desempregados e da taxa de juros (SELIC) de 14,25% ao ano
até o momento.
Sendo assim, parece-me óbvio que a prioridade
seja focar na contenção desse processo de queda-livre econômico. A sobrevivência
da população brasileira, em termos de emprego e renda, deveria estar acima de outras
questões que possam ser discutidas em momentos de menor turbulência. Afinal, a
questão econômica impacta diretamente na qualidade de vida do cidadão, no seu
bem estar psíquico, físico e emocional; de modo que suas relações sociais passam
a acontecer de modo desequilibrado e insatisfatório. Aliás, ninguém consegue
ser um cidadão pleno se não encontra diariamente a satisfação dos seus direitos
sociais, ou seja, “a educação, a saúde, o
trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e
à infância, a assistência aos desamparados” 3.
Infelizmente, à revelia da
população, houve quem permitisse que a situação da economia brasileira se
desvirtuasse do equilíbrio e não buscasse mecanismos de reversão desse
processo, antes que a gravidade atingisse números traduzidos rapidamente na
realidade do cotidiano brasileiro. E na lógica de um país que sempre esteve
marcado pelas discrepâncias sociais, pelas desigualdades de todos os tipos, os
primeiros a serem castigados com todos esses arrochos da economia, foram aqueles
que por um instante começavam a ser reconhecidos como cidadãos, os mais
carentes e assistidos pelos programas assistenciais. Foram eles, os primeiros a
sofrer com a carestia promovida pelo retorno da inflação, impactando os
alimentos e as tarifas públicas.
Como é possível perceber, uma economia
forte, estável, equilibrada, é que permite (como já vimos a partir de 1994) a
promoção de um país “livre, justo e
solidário” 4; mas, é obvio que os
esforços não param por aí. A sociedade é viva, está sempre em franco desenvolvimento
e aspiração; por isso, jamais estará perfeita e acabada. É dessa consciência que
parte a busca pelas constantes melhorias, pela reafirmação dos direitos. Mas tudo
tem um tempo para acontecer; reconstruções, recomeços, nunca são simples e fáceis.
As perdas e os ganhos são inerentes à vida; se quisermos construir algo de bom
para todos temos que estar dispostos agora a aceitarmos essa verdade
inconteste.
Desse modo, discursos ranzinzas a
essa altura do campeonato não edificam nada. Veja por exemplo que durante anos
na história brasileira, e até por uma lógica natural, educação e cultura
estiveram dentro de uma mesma pasta ministerial, o MEC; só mais recentemente,
elas foram dissociadas e tenho lá minhas dúvidas se essa separação efetivamente
culminou num avanço significativo para esses dois pilares de cidadania. Ora,
porque se pusermos o reparo devido na história, veremos que em termos de consciência
sobre a relevância da cultura na promoção da educação, e vice-versa, estamos
anos luz de alcança-la. Quantos não são os brasileiros e
brasileiras sem acesso qualitativa e quantitativamente à educação e a cultura
no país? A própria tecnologia que poderia ser um elo de conexão entre elas
inexiste ainda em milhares de escolas brasileiras ou não estão devidamente disponíveis
aos professores e alunos no contexto educacional. Quantos projetos de cinema
nas praças e ruas precisam continuar existindo, porque persiste a não existência
de salas de cinema em todos os municípios, ou porque o custo do ingresso é
inviável a muitos cidadãos. Pois é...
Outra situação emergida nesses últimos
dias foi em relação a um ministério composto exclusivamente por homens. Ora,
mas desde quando o Brasil exerce efetivamente a sua consciência da igualdade de
gênero? Sejamos honestos quanto à desigualdade que impera em nosso país, a
ponto de que a violência contra a mulher só faz crescer, apesar da sanção da Lei
Maria da Penha (Lei 11.340, 07/08/2006). Não se trata só da violência física;
mas, da violência psíquica, emocional, afetiva a que milhares de cidadãs são
submetidas no contexto familiar, educacional, profissional brasileiros, ao
longo de séculos.
Para aqueles que não se recordam,
conforme matéria publicada pelo site do Estadão, em 08 de março de 2012, “Governo
recua da ideia de sanção do projeto que iguala salários de homens e mulheres” 5. É, mas não me lembro de nenhuma manifestação
contundente da sociedade em geral, especialmente da classe política, sobre o
assunto; ficando “o dito pelo não dito” sem nenhuma menção de retomar a ideia
em algum outro momento da história, apesar do fato ter ocorrido em plena comemoração
pelo Dia Internacional da Mulher. A
própria participação feminina na política brasileira, inclusive após a
redemocratização na década de 1980, também caminha a passos vagarosos. O
próprio Tribunal Superior Eleitoral (TSE) decidiu engajar-se em campanha de
estímulo à participação das mulheres na política 6.
Enfim, a complexidade e profundidade das questões étnicas e de gênero no país
ultrapassa a escolha de um ministério interino.
Portanto, leitores, a gravíssima situação
pede menos “mi-mi-mi” e mais razão e sensibilidade traduzidas por ações que convirjam
aos interesses do bem estar do país, ou seja, dos cidadãos de todas as classes,
etnias, gêneros, credos, profissões; sendo o foco dessa mobilização, a retomada
dos caminhos da economia.