O corredor
da morte
Faltam roupas,
remédios, leitos. Faltam médicos, anestesistas, enfermeiros. Falta vergonha
A colunista Ruth de
Aquino abordou, nesta semana, a situação dos hospitais no Brasil.
"Aqui, olha, deixam a gente na
musiquinha”, disse a recepcionista do Hospital Barra d’Or, no Rio de Janeiro,
apontando para o telefone em viva voz. Ela tentava, sem sucesso, autorização do
Bradesco Saúde para Hélio Araújo ser atendido na emergência. Hélio tem 91 anos
e é meu pai. Sofreu uma queda em casa, e um armário caiu por cima dele.
Esperava na cadeira de rodas, a mão enfaixada, pingando sangue no lobby do
hospital. Não sabíamos se havia fratura da mão ou um dano no crânio. Meus pais
pagam R$ 2.440 por mês ao plano de saúde. A mesma seguradora desde 1978.
“Não autorizaram emergência, só internação.
Também não autorizaram tomografia cerebral. Estou tentando o raio-X”, disse a
recepcionista. “Então pago tudo particular, depois abro um processo”, disse eu.
Só assim ele foi atendido, “no particular”, após horas de incerteza. Ficamos no
hospital das 20 horas às 4 horas da manhã. Na saída, surpresa: não foi preciso
pagar nada. Mas a recepcionista teve de insistir horas, houve discussão e
estresse. É o caso de um paciente de elite, que enfrenta os maus-tratos comuns
dos planos.
O buraco é bem mais embaixo na saúde pública
do Brasil. Sinto náuseas ao ver multidões de pacientes, de crianças a idosos,
dormindo em filas diante dos hospitais, com senhas só para “agendar a
consulta”, e não para atendimento. As senhas acabam. As pessoas choram. Estão
vulneráveis, doentes, frágeis, sentem-se humilhadas, escorraçadas. Gosto de
cachorros, mas acho que a sociedade tem se escandalizado mais com o tratamento
dispensado a cães do que a seres humanos.
O estado deprimente e indigno de nossa Saúde
é o maior atestado de que a ideologia política de um governo não garante o
respeito aos direitos básicos escritos na Constituição brasileira. Temos uma
década de governo “de esquerda” – já que o PT se considera um partido do povo.
O que existe diante dos hospitais é a fila da vergonha. Nossas emergências e
nossos postos de saúde estão em colapso.
No Rio, há 12.500
pacientes à espera de cirurgia em hospitais federais. Alguns esperam há sete anos.
Os dados são da semana passada, levantados pela Defensoria Pública da União. Os defensores
decidiram processar o Ministério da Saúde. Querem um cronograma oficial de
cirurgias no prazo máximo de dois meses. Exigem que o ministério pague uma
indenização coletiva aos pacientes, de R$ 1,2 bilhão. [...]