Em plena quarta-feira
de cinzas!
Por Alessandra Leles
Rocha
Nas entrelinhas da realidade já estamos mesmo na quarta-feira
de cinzas! Sob o som de “Chegou a
turma do funil / Todo mundo bebe / Mas ninguém dorme no ponto / Ai, ai, ninguém
dorme no ponto / Nós é que bebemos e eles ficam tontos [...]”, nos deparamos
com o rescaldo da folia, das
irresponsabilidades às escondidas, da farra sem limites; degustando o sabor
amargo da certeza de que não há como evitar que se inflamem de novo os restos
desse incêndio tão recente.
Confetes. Serpentinas.
Máscaras. Fantasias... A única diferença dessa para a ‘outra folia’ é que nessa,
o cidadão faz parte e se junta ao cordão. Nesses três dias é ele quem faz a
festa, ou tenta fazer. Por mais que haja que queira, e querem, fazer transparecer
que a hora é ‘para sambar’, a alegria, no entanto, não consegue ser como
deveria. Está tudo meio caricato, desajeitado, desconfortável diante da
realidade; o que impede a naturalidade do perfil brasileiro de extravasar as suas
emoções, já popularmente estereotipadas.
Sim, eu sei que a televisão tem mostrado um mar de gente, nos
blocos de rua, pelo país. Mas, e daí? Tem quem ainda não foi demitido e, por
isso, pensa que deve comemorar. Tem quem não se preocupe em ser previdente e
poupar em tempos de crise. Tem quem está gastando por conta, nos cartões de
crédito, para pagar depois (apesar dos 400% de juros ao ano). Tem quem queira
sair pela tangente e postergar a realidade para depois, e depois, e depois... Enfim, o brasileiro é muito eclético no seu
jeito de ser e pensar; ele só se esquece de que é brasileiro e as coisas por
aqui não se apresentam como ‘marolinhas’, mas verdadeiras tsunamis.
É por isso que já estamos em plena quarta-feira de cinzas! Enquanto
muita notícia arde sob ‘brasas silenciosas’, a opinião pública é levada, sem
muito sacrifício, a pensar no Carnaval em tempo integral. Uma notícia aqui e
outra ali, de maior relevância; mas, no geral o que impera são os preparativos
para o rito pagão. De uma forma sutil, essa doutrinação midiática interrompe o
fluxo do cotidiano social por um breve período, é certo; mas, o suficiente para
distender as reinvindicações e insatisfações populares, como um eficaz ‘balde
de água fria’ no cidadão.