A
ponta do iceberg...
Por
Alessandra Leles Rocha
Foi a
primeira eleição pós “Ficha Limpa” 1, o
grande marco da política brasileira desde a redemocratização 2 nos anos 80; mas, nada suficiente para
nos demover de um ceticismo crônico. Afinal, esse “separar o joio do trigo”
promovido recentemente não significa mais do que a ponta de um imenso iceberg a
fragilizar a nossa cidadania.
Sim! Ainda
que não devemos viver debruçados no passado, nossos quinhentos e poucos anos de
história arrastam as correntes perturbadoras do pensamento político nacional. Ora!
Na medida em que a educação no país não consegue ao menos traduzir o
significado e a importância da cidadania para a população, como esperar dela
uma escolha sabiamente consciente? Sim! Cruzando o país de ponta a ponta,
rincão a rincão, há em pleno século XXI centenas de milhares de brasileiros que
desconhecem, parcial ou totalmente, os seus direitos e deveres individuais e
coletivos, seus direitos sociais e políticos, a organização do Estado,... Enfim,
vivem à distância das bases que orientam suas vidas: a Constituição Federal 3.
Quando chega
a eleição é sempre uma confusão terrível para os eleitores responderem a perguntas
simples, tais como: qual a tarefa do Poder Executivo? Ou do Legislativo? O
Prefeito cria Leis? O vereador (ou deputado) tem poder de fazer obras? De onde
vem o dinheiro público? Então, o que pensar sobre questões mais complexas como
o cálculo do quociente eleitoral 4, ou o
voto de legenda 5, ou a importância da
parceria entre o Executivo e o Legislativo para o bom desempenho governamental?
É! A
educação é apenas uma das carências gritantes do nosso país! No comboio delas
persiste, apesar de alguns avanços, as altas taxas de informalidade e
desemprego, a insegurança, a carestia dos alimentos e do vestuário, a insuficiência
dos programas de habitação, a precariedade do sistema de saúde etc.etc.etc.
Inevitavelmente esses aspectos fragilizam o cidadão e, para muitos deles, se
torna de fato uma moeda de escambo no sistema eleitoral; uma tentativa
desesperada de minimizar os problemas e resolver em curto prazo questões
pendentes ao longo dos anos, como se não houvesse outra solução possível. A
conjuntura social conturbada abre brechas para a manifestação desse modelo
arcaico e totalmente antidemocrático, no qual há quem queira “negociar” o voto porque
há alguém a propor “oferta”!
Quando não
se rendem diretamente ao tal “cabresto” 6,
se rendem a ilusão das promessas contidas em discursos inflamados e repletos de
belas palavras. A fragilidade se enche de fé, de esperança, como quem vislumbra
o oásis em pleno deserto. Enfim, são “lembrados” através dos apertos de mãos,
dos sorrisos, dos abraços, de uma simpatia repentina e ordenada! A sina de
viver com os olhos cabisbaixos parece não tê-los educado a olhar na linha do
horizonte, os sinais que flamejam o futuro, o desenvolvimento e o progresso; a
perceberem que vem de si mesmos a parcela doada diariamente para que o país
figure entre os maiores.
Paralelo
a essa configuração social se agrega o fato da obrigatoriedade do voto. Sim!
Foram muitas as lutas e pelejas para que o direito ao sufrágio se estendesse por
todos os segmentos sociais, que vencesse os anos da armadura ditatorial 7; mas, isso não justifica a imposição do
seu exercício. Por isso, os últimos
pleitos foram marcados pela consagração de pessoas visivelmente despreparadas
para os respectivos cargos, sob a justificativa de “ato de protesto”. Aliás, a
questão do despreparo para a função é um desafio a ser vencido! Curiosamente,
os cargos públicos tem seu ingresso marcado pelo critério de provas e/ou
títulos; o que significa que o pretenso candidato precisa satisfazer a quesitos
previamente estabelecidos para ser aceito. Entretanto, para a política que se
constitui de vários cargos públicos – prefeito, vereador, deputado estadual,
deputado federal, senador – essa exigência inexiste. Talvez, uma nódoa
remanescente dos momentos históricos do país em que as escolhas para as funções
políticas se davam por caráter de afinidade ideológica, ou apadrinhamento, ou
troca de favores,... sem que o mérito, a competência e a devida qualificação
fossem de fato considerados. Esse é um prejuízo incomensurável para a
democracia e para o país, um retrato de incapacidade da sociedade em eleger
seus representantes; indivíduos que tem por obrigação zelar pelos seus
interesses, direitos e impostos pagos.
Como se
vê, se a sociedade brasileira não suprir essas lacunas da sua cidadania a Lei
da Ficha Limpa pouco poderá efetivar transformações ao cenário político e
consolidar novos rumos ao país. O primeiro passo já foi dado, mas a presença de
candidatos pouco, ou em nada, comprometidos com a função pública necessita da consciência
da população para ser banida; uma escolha que parta de uma reflexão verdadeiramente
fundamentada. Caso contrário, continuaremos a repetir o velho dito: “voto não
tem preço, tem consequência”!