Lápis, papel e...
Por Alessandra Leles Rocha
O que seria da alma se não fossem as palavras para tão bem dissecá-la? Como dar asas aos sentimentos, as emoções, muito além do próprio corpo? A resposta é simples: ESCREVER. Instrumentalizado pelo lápis e o papel, assim o ser humano inicia a fantástica viagem pelo universo desconhecido de si mesmo.
Assim que somos alfabetizados o mundo de fato se abre diante de nossos olhos internos e externos. Não se trata de subir um degrau, mas se lançar em queda livre, de braços abertos e alma desnuda, na imensidão que costumam chamar de cultura e conhecimento. A partir desse momento inesquecível seremos capazes de galgar por conta própria os caminhos da vida e alcançar o gigantismo que nos arrebata a análise, a reflexão, as considerações sobre o que se passa dentro e fora de nossa existência, com o grande presente que é podermos fazer nossos próprios registros.
A escrita é sempre o grande trunfo do vivente! Um trunfo contra as perdas graduais da memória, a contestação impertinente de terceiros, os desvarios e abusos dos que pensam se vestir de poder, as tristezas e abatimentos, a solidão, as investidas da paralisia mental – seja ela voluntária ou não -,... Na beleza da caligrafia desenhada sobre o papel, ou mesmo o rabisco no instante de raiva, cada palavra oculta em si um poder inestimável.
Ainda que se faça mais comum nos instantes de silêncio e na companhia de si mesmo, o ato de escrever em nada se reveste de isolamento ou melancolia. Entre o escritor e o papel há uma forte parceria, um convívio emocionado e envolvente, uma cumplicidade indubitável, como se ambos fossem complemento um do outro. Da mesma forma que nas relações sociais, escritor e escrita se veem subjugados a estreitar cada vez mais os laços, a despender cada vez mais horas em suas “conversas” cotidianas, deixando transparecer até mesmo um ar de dependência boa, aquela que traz paz e restaura o equilíbrio.
Embora minhas palavras pareçam traduzir um fenômeno quase natural e comum a grande maioria da população, escrever ainda é um obstáculo praticamente intransponível para o ser humano. Seja uma lista de supermercado, ou um cartão de aniversário, ou os compromissos na agenda, para milhares de pessoas isso representa uma verdadeira “tortura”. O receio de registrar os próprios pensamentos, ideias, cotidiano, ao invés de lhes trazer o benefício de uma liberdade pacificadora exerce uma função totalmente oposta. Dizem que não são bons com as palavras, que não sabem se expressar, que não gostam da própria letra, que não dominam adequadamente a gramática,... Tudo para se esquivarem de um confronto direto com o papel em branco.
É! Talvez por isso tantos estejam tão doentes! Escrever antes de ser necessidade, arte, expressão da sensibilidade e da razão, é terapia! A grande oportunidade de desfrutar de si mesmo, de conhecer os recantos mais escondidos da sua existência, e traduzir em poucas, ou muitas, palavras às diversas impressões. Gozando do direito absoluto da individualidade, dar conhecimento público ou não dessa prática é uma decisão que só compete ao escritor. Anônimos ou famosos apreciadores dessa miraculosa expressão humana, nem tudo que sai de suas penas corre ao sabor do vento. Algumas folhas são guardadas a sete chaves como pequenos segredos de estado (estado da alma, é claro!). Outras permanecem no aguardo do momento que surgirá oportuno para se revelarem. Haverá aquelas produzidas em momentos difíceis que passado a fúria intempestiva são submetidas às lixeiras para o silêncio eterno.
No fim, muito além do trunfo, escrever é o refúgio do ser humano; quando ele se abriga em si mesmo para vencer as adversidades inerentes à vida. Quer melhor afago do que este! Não há maior segurança do que na fortaleza do próprio espírito! No momento em que a “frágil” criatura humana extravasa sem pudores as suas entranhas num mero pedaço de papel surge pelas palavras o individuo forte e capaz de lidar com as flores e os espinhos do mundo.