Dependa mais de você!
Por Alessandra Leles Rocha
Mais e mais a vida contemporânea tem imposto aos seres humanos a necessidade fundamental de saber enfrentar os desafios da vida cotidiana por si só. Sim! O número de pessoas a viver sozinhas em nosso país, por exemplo, tem crescido significativamente1. Inúmeras são as razões: mudança de cidade ou estado da federação, busca de maiores oportunidades de trabalho, independência econômico afetiva da família, término de relacionamento etc. Mas, apesar disso, nem todas as pessoas que vão assumir essa nova condição social estão de fato preparadas para o que virá.
Dentro de um contexto social bastante rígido no que dizia respeito à divisão de tarefas entre homens e mulheres, durante séculos as meninas foram preparadas para saber como cuidar de uma casa; ao contrário dos meninos, orientados desde a infância ao desenvolvimento profissional e a sua estruturação econômica como “mantenedores do lar”. Elas sabiam como zelar da limpeza, fazer compras de supermercado, lavar e passar as roupas,...; enfim, tinham a devida dimensão do seu “futuro” (afinal, algum dia se tornariam responsáveis pelo seu próprio lar); tudo aprendido através das lições repassadas no ambiente familiar - de geração em geração - ou na escola que mantinha em sua grade curricular disciplinas voltadas para esse assunto – economia doméstica, arte culinária, por exemplo.
O movimento feminista e os apelos por uma conquista de novas oportunidades às mulheres no cenário social proporcionaram uma ruptura e um distanciamento delas no que diz respeito às tarefas domésticas. Seus objetivos e seus olhos estavam voltados para além da casa; queriam trabalhar, se tornar autossuficientes financeiramente, comprar todos os bens de consumo capazes de lhes facilitar o trabalho doméstico e, se possível, contratar os serviços de uma empregada. Os homens continuavam no patamar de sempre, avessos ao universo do lar e lutando com mais força para não perder seu espaço profissional para as mulheres.
Digamos que em linhas gerais a vida transcorreu assim; mas, situações corriqueiras sempre estiveram impondo sua presença e colocando em xeque-mate as pessoas, ainda que elas se recusassem a admitir. Sempre existiram aqueles que por uma razão ou outra saiam de casa para estudar em centros maiores e acabavam por morar em “repúblicas”. É! Nem todos tinham a sorte de morar em pensionatos; então, diante de certo despreparo e sem ninguém para colocar a vida em ordem, o aprendizado acontecia no contexto do erro e acerto, na prática dura e difícil. Assim, as mudanças no mundo e nas próprias aspirações pessoais foram gradativamente conduzindo os indivíduos a uma inevitável transformação.
Pena, que nem todos se conscientizaram sobre a importância dessas liçõezinhas básicas de sobrevivência no mundo real! Nem todos que viveram as agruras de experimentar na prática a vida como ela é repassaram para as futuras gerações. A grande maioria das mulheres de fato aboliu definitivamente esse aprendizado de suas vidas e optou por buscar alternativas compensatórias para resolver os problemas. Assim como os homens que tiveram que morar sozinhos, a alimentação ficou a cargo dos congelados, do self service, da marmita, e até mesmo dos fast foods (opção nada saudável e correta para o cotidiano!). Diaristas foram contratadas para cumprirem a tarefa de deixar a residência um local habitável e agradável para se viver. Máquinas de lavar roupa, pratos e secadoras também deram a sua parcela de contribuição na organização doméstica. A passadeira deixou as roupas em ponto de uso, prontas no armário. Mais recentemente e para quem pode pagar ainda mais, há centenas de pessoas trabalhando na organização e supervisão da rotina doméstica; desde a arrumação dos armários até a preparação de coquetéis e jantares de negócios.
Você pode dizer que: o tempo está curto, trabalha fora o dia inteiro e não tem meios para assumir mais essas responsabilidades, e fazer tudo isso representa um “martírio sem fim”! Ter alguém para cumprir as tarefas parece perfeito não é? Em parte sim! Mas, ainda é essencial que você saiba gerir essa estrutura. Quando você sabe fazer, você tem a noção exata das quantidades, do custo, do resultado final; e, em tempos de economia e de uma busca pela sustentabilidade cotidiana, todos esses detalhes fazem uma enorme diferença! Ter o dinheiro para terceirizar os serviços não significa que você realmente encontrará alguém para realizá-lo, mesmo que não seja alguém qualificado. Quem se entrega, por escolha ou não, aos serviços de terceiros está sujeito a ter muitos prejuízos e contrariedades, além de riscos, como por exemplo, comer uma comida estragada ou ter uma roupa desbotada por excesso de sabão em pó.
Cuidar da própria vida, da dinâmica da nossa própria casa, não significa algo que nos desqualifique enquanto pessoa ou diminua nosso valor social. É exatamente o oposto! Amplia nosso leque individual, nos liberta de muitas amarras e nos confere “pontos a mais” na busca incessante pela sonhada independência. Trata-se de um gostinho delicioso de autossuficiência que nos faz enxergar com mais clareza as nossas reais necessidades e como está o “nosso cantinho especial”. Renda-se a mais esse aprendizado! Curta o prazer indescritível de pregar um botão na roupa favorita, de fazer das compras no supermercado um momento para relaxar e pensar nos “pecados da gula”, de extrair da organização dos armários o sentido para reorganizar as “gavetas da alma”... aprenda a depender de você, um pouquinho que seja, e descubra as facetas mais encantadoras que estão escondidas em seu ser.