O preço da escolha
Por Alessandra Leles Rocha
Sinceramente, espero que o vazamento nuclear ocorrido em virtude dos terremotos e do tsunami que atingiu o Japão, no último dia onze de março, esteja de fato controlado e não represente uma ameaça real à população1. Mas, apesar de todos os pesares, essa iminência de desastre nuclear ergue os olhos da sociedade e os conclama a por em debate a relação custo/ benefício dos investimentos para construção de usinas nucleares para produção de energia2.
Mesmo com o grave acidente de Chernobyl, na Ucrânia, em 1986; quando o quarto reator da usina sofreu uma catastrófica explosão de vapor, ocasionando um incêndio seguido por uma série de explosões e derretimento nuclear3; ainda há correntes científicas e políticas que defendem a instalação de novas usinas pelo mundo, sob a égide da produção energética limpa. As justificativas favoráveis incluem, por exemplo, que não há contribuição para o efeito estufa, que necessita de espaços menores para sua instalação, que não dependem de variáveis climáticas como as chuvas e os ventos, que é a fonte mais concentrada de energia e com maior disponibilidade de combustível.
Sim! A Natureza tem bradado em alto e bom tom para que seja respeitada e medidas ambientalmente corretas sejam tomadas de forma urgente, para minimizar ou interromper a escalada de impactos e prejuízos já constituídos. Mas, fazer da bandeira ambiental uma justificativa perfeita para uma questão extremamente complexa como é a produção energética nuclear é bastante temeroso.
Em primeiro lugar, porque estamos todos sobre uma esfera limitada, onde as consequências e desdobramentos positivos ou negativos das ações antrópicas realizadas se propagam independentes de nossa vontade. Considerando que dois terços do planeta são constituídos por água, o que resta para uso e ocupação da humanidade é bastante restrito e conta ainda com o inconveniente de apresentar regiões inóspitas; ou seja, a disputa por um “lugar ao sol” é bem acirrada e nos coloca em posição pouco favorável de deslocamento nas mais diversas situações de emergência. Não bastasse a limitação geográfica, a organização geopolítica também acrescenta suas restrições ao livre trânsito dos habitantes da Terra; por meio de leis, estatutos, regulamentos, normas e diretrizes, cada estado (ou nação) tem autonomia e soberania para decidir quais serão seus posicionamentos sobre esse assunto.
Quando se fala em energia nuclear se fala diretamente em risco à população; afinal, a radioatividade perdura por anos no meio ambiente. Tanto o material do qual se extrai a energia quanto o seu entorno e subprodutos constituem material altamente tóxico e nocivo aos seres vivos; portanto, não há como descartar ou remover definitivamente esses produtos do meio ambiente. Uma vez produzidos haverá sim, grandes dificuldades no armazenamento dos resíduos, especialmente no que diz respeito às questões de localização, segurança e risco de acidente na central nuclear. Basta por um segundo imaginar que o simples vazamento desse material pode se propagar em nuvem radioativa por centenas de milhares de quilômetros e alterar as condições naturais (solo, água, vegetação, fauna, produção agropecuária) e de vida dos seres que vivem ali, como aconteceu em Chernobyl.
A mesma energia nuclear que elevou o casal Curie4 ao ápice da ciência e impulsionaram os estudos da física nuclear, principalmente na área médica, fez com que Marie Curie5 morresse vítima de leucemia em razão da exposição maciça as radiações durante seu trabalho. O paradoxo entre o bem e o mal; que neste caso, nem mesmo com o passar dos anos, do desenvolvimento tecnológico e científico conseguiu definitivamente eximir os seres vivos de quaisquer riscos provenientes da energia nuclear. Na verdade, a humanidade não está pronta para enfrentar nem mesmo os riscos da Natureza – as tsunamis, os tufões, os furacões, os terremotos, as inundações – que fazem vítimas aqui e ali, mas jamais passam despercebidos. Parece que as grandes ameaças à vida na Terra vêm mesmo das menores porções da matéria: quando não são os vírus, são os átomos em suas expressões mais ínfimas!
Creio que antes de buscarmos por essas tais fontes de energia limpa e renovável, o ser humano precisa rever essa energia capenga e fora de moda que ele utiliza em si mesmo – chamada de poder da ganância – para movê-lo em busca das outras energias. Em nome do poder, da ganância, do vil metal, do status, o uso desmedido e inapropriado da energia tem promovido grandes distorções e levantado à dúvida se de fato se faz tão necessário produzir mais energia e buscar cada vez mais por novas matrizes energéticas, ou não chegou o momento de frearmos os impulsos consumistas e dependentes das inúmeras parafernálias tecnológicas para sobreviver. Não será esse o grande recado deixado pela catástrofe no Japão? Vale a pena pensar e refletir sobre o assunto!