O “descontrole” das águas
Por Alessandra Leles Rocha
Em meio as graves e persistentes distorções ideológicas e comportamentais que afligem a sociedade contemporânea, nada mais prudente do que o posicionamento objetivo e esclarecedor dos fatos que teimam em nos impactar, ao invés de considerações superficiais e sem a menor pretensão de alcançar resultados. São diversas as áreas em que esse fenômeno acontece, mas no que tange as questões socioambientais isso se torna ainda mais sério.
Não só no Brasil, mas em todo o mundo, temos acompanhado o crescimento vertiginoso e assustador das chuvas torrenciais. Ainda que existam pessoas imbuídas em manifestar um ceticismo arraigado quanto ao estabelecimento real de uma correlação entre esse fato e a complexa cadeia estrutural que envolve o Efeito Estufa1, a elevação da temperatura no planeta2, o degelo das calotas polares3 e o aumento do volume das águas oceânicas4; ainda sim, não podemos fechar os olhos para o princípio básico do ciclo hidrológico. Movido pelo calor emitido do Sol, o ciclo da água (ou hidrológico) 5 acontece a partir da evaporação dos volumes disponíveis em lagos, nascentes, riachos, rios, represas e no mar, que se condensa na formação de nuvens as quais através da diferença de temperatura e pressão da atmosfera promovem a liquefação do vapor d’água. Sendo assim, se estamos diante de uma transformação nas variáveis que compõem esse ciclo, consequentemente estamos expostos a um volume pluviométrico cada vez maior.
Entretanto, especialistas na área teimam em manifestar publicamente, após episódios de grandes prejuízos e destruição que os índices para o determinado período encontram-se dentro do esperado ou, em algumas vezes, superior no contexto da excepcionalidade e de forma pontual. Além de não explicar nem resolver a situação, tais declarações impedem a discussão e a reflexão da sociedade quanto ao seu papel e seus interesses no assunto. Afinal de contas, se não querem admitir a intensificação em níveis visivelmente superiores das chuvas, eles hão de concordar que as demandas urbanas sociais em constante desenvolvimento (crescimento da população, refletindo em ampliação dos serviços básicos de habitação, saúde, emprego, educação, segurança, lazer, alimentação etc.) implicam diretamente na redução das áreas de escoamento e infiltração das águas das chuvas e se apresentam em déficit permanente para impedir a ocorrência de inundações e todos os seus desdobramentos. As políticas de planejamento urbano que deveriam contemplar a sustentabilidade urbanística encontram barreiras de todas as ordens possíveis, tais como: a lentidão no processo de planejamento e gestão dos resíduos sólidos na maioria dos municípios brasileiros, o constante uso e ocupação do solo de forma desordenada alterando sem cerimônias o traçado e as metas socioambientais das cidades, o assoreamento dos fluxos de água que permeiam a geografia das localidades e impossibilitam sua vazão natural.
Já passou da hora de se falar “coisa com coisa”, de chamar à responsabilidade quem é vítima e algoz de si mesmo - ou seja, o ser humano - para um diálogo franco e responsável. De tanto varrer a sujeira sob o tapete e postergar ao futuro uma solução para os problemas reais, é que a vida se aproxima de um limite. O pior já está batendo à nossa porta, queiramos ou não admitir! Choramingar as perdas e creditar culpas às chuvas, não equaciona o desafio; é preciso abrir os olhos e a consciência também para que a enxurrada de impostos pagos seja realmente investida primeiramente na busca de soluções concretas para as demandas urbanas sociais, para que cada indivíduo saiba exatamente a parte que lhe cabe nessa responsabilidade. Se assim não for, continuarão a tapar buracos, distribuir donativos e cobertores, abrir as portas de ginásios e escolas para os desabrigados, procurar desaparecidos em soterramentos, enfim... assistindo as águas caírem e lavarem os sonhos, as esperanças, a dignidade de milhares de cidadãos. Como eu disse anteriormente, não somos os únicos a enfrentar a fúria da Natureza; por isso, não podemos também esperar pela ajuda de outras nações para resolver problemas, os quais poderiam ao menos ser mitigado com o esforço do nosso próprio bom senso e do espírito humanitário.