Boa viagem!!!
Por Alessandra Leles Rocha
Tanto tempo dragada pela força descomunal do redemoinho cotidiano, que havia me esquecido do valor exato de uma pausa na vida, no físico, na mente. Viajar! Viajar no tradicional da palavra, no mais profundo da reflexão contemplativa, na liberdade de transcender aos espaços geográficos, na alegria de simplesmente alçar voos.
Por mais que pensemos ter nas mãos as rédeas da própria existência, isso não é de fato uma verdade; por isso, fiquei por um período razoável impossibilitada de conceder-me esse momento especial, da mais plena e absoluta ruptura das amarras invisíveis.
Há quem diga que o ser humano é o responsável pelo desenvolvimento de seu próprio caos. Concordo em parte com essa teoria; mas, não culpo a engenhosidade do dia a dia, permeado de deveres e obrigações estabelecidos na “cartilha da convivência humana”, por todas as variáveis limitantes a essa viagem. Afinal de contas, a vida se desenha pela complexidade dos acontecimentos e não em uma linha reta e exata; e, talvez seja justamente por isso, que quando conseguimos desfrutar dessa benesse divina a sensação de bem estar se torna tão indescritível.
Até as máquinas precisam de repouso! O que dizer, então, dessa carcaça interessante chamada ser humano? Viajar, no contexto mais libertário que se possa descrever, é dar a si mesmo um novo passaporte ao renascimento da própria capacidade física, intelectual, sentimental. Hora de curar as feridas do tempo, de sanar as necessidades existenciais, de se olhar no espelho com olhos de enxergar além da imagem, de despojar-se dos arreios da etiqueta comportamental do mundo contemporâneo, de abster-se da parafernália tecnológica que praticamente fundiu-se ao seu corpo,... Enfim, hora de reconhecer-se gente, de carne e osso, de sangue correndo pelas veias, de coração pulsando sôfrego a se fazer ouvir.
Viajar nos recoloca diante da vida. Redescobrimos o valor do sono, da noite bem dormida, do espreguiçar pela manhã ao abraço carinhoso dos primeiros raios de sol. Degustar o café da manhã com calma, com prazer. Vestir a roupa mais confortável para o deleite das promessas do dia. Abolir o salto alto, a maquiagem, os balangandãs e sair por aí trajando a si mesmo como nos primeiros anos de vida. Rir e sorrir diante do inusitado, do belo, das descobertas. Encantar-se com os presentes da Natureza – o sol, a chuva, o vento, as flores – como se fosse a primeira vez. Conhecer e se deixar conhecer pelos passantes do caminho e enriquecer-se com os frutos da diversidade que o mundo contém. Zerar a balança e reenquadrar os valores, os conceitos, os estereótipos e de repente perceber que a nova ordem ficou muito melhor.
Parece muito. Parece que precisa de muito tempo para tudo isso. Mas, na verdade, não! Não é questão de quantidade, mas de qualidade nesse viajar. Tem que partir da vontade mais profunda, ou da necessidade mais urgente, em fazê-la. Os sinais são claros e evidentes, não há como fugir; fingir que não os vemos pode significar o nosso próprio colapso existencial. Por mais arraigados ou comodistas que parecemos ser, a nossa origem ancestral é nômade, errante. Embora essa viagem signifique uma parada no ritmo frenético e alucinante do nosso dia a dia, na verdade estaremos em pleno movimento de mudança e transformação, em busca do novo que seja capaz de recarregar-nos de energia e vitalidade para seguir adiante. Como disse sabiamente Manuel Bandeira1, “Vou-me embora pra Pasárgada...” 2; viajar em busca de recompor os anseios, os projetos, os pedaços da própria vida que o cotidiano sem cerimônia roubou. Então, não se esqueça, nem se demore, em ter uma boa viagem!