sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Crônica do Dia

Encontro com a realidade

Por Alessandra Leles Rocha

            Ser humano é ser humano em qualquer lugar, em qualquer situação, em qualquer tempo da vida; mas, a exposição de uns e outros, pelas mais diferentes circunstâncias, além de poder os transformar pode nos despertar uma curiosidade quase infantil sobre até que ponto vai essa normalidade existencial. Serão amáveis, sisudos, temperamentais, fúteis, engajados, politizados,... Enfim, virão de fato ao encontro de nossas expectativas idealizadas na superficialidade da imagem?
        Às vezes sim, às vezes não. Talvez seja essa a grande surpresa que o inusitado encontro com esses “seres encantados pela magia da notoriedade” nos reserva. A rigidez exigida pelos compromissos, agendas, não raramente cobra-lhes constantemente um verniz de polidez e boas maneiras, que nos pobres mortais se perde com facilidade na rudeza cotidiana.
        Sem nenhum pudor em me manifestar sobre o assunto, particularmente tenho uma pequena lista de pessoas as quais gostaria muito de encontrar pessoalmente e estabelecer uma pequena conversa; sem afetação ou pieguice, objetivamente dizer-lhes o porquê da minha admiração, respeito e reverência a sua postura profissional e cidadã. É! Não sou do tipo que se rende ao simples “rostinho bonito” na televisão ou na revista; o que me encanta de verdade vai além dos holofotes, brilha da alma, das palavras proferidas, dos gestos manifestos por detrás das grandes lentes, da vida como ela é, do encontro com a realidade. Alguns, infelizmente, não poderei satisfazer a curiosidade sadia e carinhosa, pois já não se encontram mais entre nós; mas, os outros, eu deixo aos cuidados do acaso celestial o momento certo para acontecer e me arrebatar.
        Foi em um desses dias comuns e sem grandes estardalhaços que o inesperado fez surpresa, como presente embalado em laços cor-de-rosa, em pleno saguão do Aeroporto de Congonhas, em São Paulo. Distraída estava mais uma dessas criaturas que povoam exemplarmente o meu imaginário. Sem titubear aproximei-me com discrição e pronunciei minha satisfação em encontrá-la; bem como, enalteci a importância de seu trabalho silencioso e ininterrupto em prol do país. Por não ser artista e buscar sempre uma vida reservada, o impacto de minha atitude e de minhas palavras causou-lhe emoção e em meio ao sorriso pequeno e singelo, os olhos marejaram algumas lágrimas e impulsionaram o encontro reconfortante de um abraço. O que antes era o estereotipo idealizado sobre uma pessoa transformara-se na realidade fidedigna de uma alma ímpar e sobremaneira encantadora; gente de corpo e essência, capaz de sentir, de expressar toda a delicadeza que habita em si. Foram breves minutos, mas o que é o tempo diante da satisfação de ratificar que nossa admiração não é em vão. Saí daquele encontro com a cabeça em ebulição de pensamentos interessantes e o espírito repousante na mais plena paz celestial, por perceber que meus “ídolos” não são meramente mitos.  
        A vida que teima em proliferar ídolos de papel e areia para preencher o vazio existencial de uma sociedade absorvida pela tecnologia e o consumo, tem impedido de promover entre as pessoas uma análise melhor sobre seus valores e comportamentos; por isso, a escolha dos ídolos tem sido tão desconecta e antagônica. Chega de mitificar! Colocam-se indivíduos totalmente divergentes comportamental e ideologicamente em um mesmo rol, como se água e óleo pudessem se misturar. Promovem suas escolhas sob o prisma da aparência, da beleza, do grau de fama e popularidade, se esquecem de que um ídolo é um exemplo, alguém que nos impulsione, nos motive com suas qualidades, virtudes e ações. É preciso compreender que quantidade não significa qualidade; a lista de nossos “ídolos” deve ser sucinta, ela deve ser capaz de traduzir a nossa concordância de ideias, pensamentos, aspirações, atitudes!  Todos querem uma ideologia para viver, mas se não houver reflexão diante das opções cairemos sempre na tão bem traduzida letra de Cazuza1: “meus heróis morreram de overdose, meus inimigos estão no poder” 2.


1 http://www.cazuza.com.br/sec_biografia.php?language=pt_BR&page=1
2 http://letras.terra.com.br/cazuza/43860/