quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Crônica

De um jeito ou de outro...

Por Alessandra Leles Rocha

            Nem sempre os caminhos são linhas retas. Nem sempre o céu ostenta majestoso o brilho das estrelas. Nem sempre os ventos sopram ternos como os acordes dos anjos celestiais. Nem sempre as águas correm no seu curso predestinado; mas, ainda sim, elas hão de se entregar aos braços do mar. Lições simples e primordiais para desenhar os contornos daquilo que se chama viver. Sim! “Há mais mistérios entre o céu e a Terra do que sonha nossa vã filosofia” 1.
            Viver é uma aventura desesperada por segurar com as próprias mãos um punhado de areia. Por mais que se tente, se exaspere cada diminuto grão se esvai entre os dedos no afã de construir sua própria história, cumprir a sina de seu próprio destino. É a nossa ânsia por uma gota sequer da etérea e sedutora segurança. É preciso deter, controlar, domar os fios do inesperado, manter, mesmo que por sonho, um pouco daquele poder supremo, o qual se encontra guardado a sete chaves em mãos superioras.
            É difícil aceitar que não estamos aqui a passeio, apenas para usufruir do bom e do melhor, ser feliz em plenitude. Não temos o poder, porque nem sempre querer é poder. Nossa ignorância existencial é bastante providencial! É preciso provar do doce e do amargo, da dor e da saúde, da vitória e da derrota, da alegria e da tristeza,... subir e descer para quiçá um dia conseguir refletir além do espelho um ser melhor, mais apto, mais compromissado consigo e com o mundo. Por isso damos voltas, giros, rodopios, muitas vezes para conseguir enxergar o que estava bem diante dos próprios olhos. Facilidade demais causa desconfiança! Bom mesmo são os desafios! Bom mesmo é se por a prova, arriscar, ousar, experimentar o sabor do próprio limite.
            Embora existam muitos viventes padecendo de um lamentável fastio crônico, o retrato que se revela pelas janelas da vida é a mais pura efervescência de dinamismo. A ampulheta não tarda em transpor as suas areias de um lado para outro; tudo é rápido, fugaz. Imagino se o coelho, da história de Alice2, vivesse no turbilhão da contemporaneidade; o pobre, já teria sucumbido aos apelos de sua pressa inveterada! Nesse chacoalhar frenético, aos solavancos da vida, os tortuosos caminhos vão se escrevendo e apresentando as faturas; ora, de baixo custo em razão de termos conseguido resolver as missões em curto prazo e sem grandes rodeios, ora, de elevadíssimo custo em razão dos desvios, dos obstáculos, de muito tempo perdido na busca pela saída perfeita do grande labirinto. Importante nesse contexto é a consciência plena e em paz de termos conseguido ofertar sempre o nosso máximo, o nosso melhor.
            No grande livro da vida, mantido distante do alcance de nossas mãos e olhos por razões óbvias, onde se registram nossos passos e se determinam os mistérios da nossa brevidade humana, lá e somente lá as peças do quebra-cabeça fazem sentido. É no grande livro da vida que todos os por quês são respondidos de forma satisfatória e contundente. Um livro que não se lê; mas, se escreve, se vive cada história. Um livro cuja compreensão ampla e irrestrita apenas acontecerá quando a última palavra for impressa, o ponto final se desenhar através da sombra do fechar de nossos olhos para esse mundo. De um jeito ou de outro, será na imensidão azul da eternidade que romperemos com nossa ignorância e vestiremos o manto sagrado que todas as lições vividas tiveram tempo para tecer; que tudo deixará de ser mistério para ser simplesmente verdade e luz.


1 http://frases.netsaber.com.br/frase_5211/frase_de_william_shakespeare
2 http://pt.wikipedia.org/wiki/Alice_no_Pa%C3%ADs_das_Maravilhas