sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Nicette e Paulo - Levando o teatro às Universidades

 http://www.guiadeteatro.com.br/entrevista_detalhe.php?id=68
Levando o teatro às Universidades
 

Eles sempre foram vistos como um casal talentoso. Mas o seu talento ultrapassa os limites do palco e se transforma numa força que resgata os objetivos mais básicos do teatro. Em entrevista ao Guia, Nicette Bruno e Paulo Goulart falam da carreira e do sucesso do projeto Teatro nas Universidades.

Guia - O que levou vocês a fazerem teatro?

Nicette - Desde que me entendo por gente eu convivo com a arte. Eu nasci em uma família que dava uma importância muito grande à arte. Todos tinham suas profissões mas eram artistas também. Amadores, evidentemente. Desde os 4 anos eu participava do teatro infantil do Alberto Manes na Rádio Guanabara. No Instituto Lafaiete, onde eu estudei, havia um curso de extensão cultural e lá se fazia teatro. Depois eu fui pro teatro estudante, pro teatro universitário. A Dulcina de Moraes, com quem estreei e trabalhei, foi a atriz da companhia de teatro brasileiro que começou a modificar o comportamento dos artistas no sentido de ampliar a possibilidade de conhecimento de cada obra que fazia. Com a chegada do Ziembinski, criou-se também um outro comportamento diante do ambiente teatral. Porque naquela época os artistas recebiam um boleto com as deixas e as falas, e só iam tomar conhecimento da peça na primeira leitura. Toda essa mudança foi possibilitando uma trajetória, uma caminhada pelo interesse no estudo da profissão e assim eu fui indo. E continuo! Não foi nada programado. Foi natural, progressivo.
Paulo - Eu estudava Química Industrial. Meu pai foi dono de uma emissora de rádio no interior. Então eu comecei fazendo locução no rádio. Aqui em São Paulo eu fui fazer um teste pra locução e fui reprovado. Mas tinha teste pra rádio-ator. Eu nunca tinha feito. Fui lá e passei. É um lado histriônico que eu tenho até hoje. A partir daí foi todo um sequencial. Fui pra televisão. Um diretor da televisão precisava de um ator pra “Nicette Bruno e Seus Comediantes” no Teatro de Alumínio. “Tem um rapaz novo lá na televisão que talvez sirva. Manda ele vir aqui fazer um teste”. Eu fui, fiz um teste com a Nicete, passei e estou com ela até hoje (risos).

Guia - Então o Teatro de Alunínio, além da grande importância pra nossa história cultural, também tem uma importância muito particular pra vocês?

Nicette - Eu comecei muito cedo a minha caminhada profissional. Quando eu fui pra Dulcina eu tinha 14 anos e me profissionalizei. Eu vim pra São Paulo com 18 anos. A minha estreia fez um estardalhaço muito grande. Foi um grande sucesso. Eu ganhei medalha de ouro de atriz revelação e fui fazer Nelson Rodrigues, “O Anjo Negro”. Houve uma polêmica muito grande. Era dirigida pelo Ziembinski. Depois veio “Fausto” do Goethe, onde eu fazia a Margarida. Então, sempre com personagens importantes, eu tive um início muito ruidoso e fui convidada pra ser a primeira figura da companhia que ia estrear o “Teatro de Alumínio”, que foi idealizado por um fotógrafo famoso no Rio de Janeiro, o Halfeld, que queria montar um teatro com uma estrutura em alumínio pra poder ser itinerante. Mas não conseguimos montá-lo no Rio de Janeiro porque o patrimônio histórico não permitiu. Aí ficou aquele grupo parado, sem ter onde colocar aquele teatro. Mas como houve um estardalhaço da imprensa, o secretário de cultura de São Paulo mandou um telegrama oferecendo a Praça das Bandeiras. Ali foi montado o Teatro de Alumínio. Eu tinha 18 anos. Mas com o teatro aqui, o idealizador, no Rio, abandonou o projeto. Como eu era a titular da companhia, que se chamava “Nicette Bruno e Seus Comediantes”, eu disse: “Meu Deus! Eu não posso deixar isso de jeito nenhum”. A minha família me ajudou nesse momento pra eu poder manter o grupo. Nós chamamos o diretor Ruggero Jacobi , um italiano que fazia parte do grupo de diretores do TBC e era diretor artístico da TV Paulista onde foi exibida a primeira novela e que hoje é a Globo. A direção da novela era do Zé Renato. Foi onde o Paulo começou. O Ruggero então nos sugeriu a montagem de uma peça do Louis Verneuil que se chamava “Senhorita Minha Mãe” mas eu precisaria de um ator, porque os atores da primeira peça voltaram pro Rio e eu precisaria arrumar outro elenco. Ele disse que tinha um rapaz muito talentoso que estava fazendo a novela. Era o Paulo Goulart. Ele veio pra fazer o teste. Passou e foi contratado. Nós estreamos. Mas só depois da estreia é que nós começamos a namorar. Antes não. Antes eu estava muito alucinada com a responsabilidade que tinha caído nos meus ombros. Tanto que eu não consegui suportar. Porque não era só manter uma companhia. Era manter um teatro. Mas nós acabamos por perdê-lo e partimos pra uma outra etapa. Conseguimos alugar a loja do prédio que era do Oswald de Andrade e montamos um teatro ali. E aí fomos adiante. Juntos!

Guia - E projeto do Teatro Universitário?

Nicette - Desde o início eu sempre tive contato com grupos de interesse pelo estudo da profissão. O Teatro Estudante, o Teatro Universitário... Eu trabalhei com a Dulcina de Moraes e ela sempre teve um interesse muito grande em transmitir conhecimento para o público, para os jovens. Tanto que depois ela foi pra Brasília construir a Universidade de Teatro. Eu e o Paulo sempre seguimos essa mesma busca pelo conhecimento. Nós sempre fizemos questão de mostrar nossos espetáculos para os estudantes. Quando nós estávamos no Teatro Paiol, a minha filha Bárbara, junto com um professor, comandou um movimento grande com universitários. Nós montamos Edgar Allan Poe, Camões... Foram obras importantes. Os estudantes iam assistir no horário de aula e depois faziam trabalhos sobre as peças. Era muito bom. Mas depois esse professor da Bárbara faleceu e nós também não tínhamos suporte financeiro para manter toda essa estrutura. O projeto ficou um tempo paralisado. Quando aconteceu a vinda das cartas do Anchieta pra cá, a Associação Comercial de São Paulo chamou o Paulo propondo que nós montássemos um espetáculo falando sobre Anchieta, que foi na verdade o primeiro empreendedor do teatro brasileiro. Na ocasião, o Paulo comentou com o Afif que aquele espetáculo poderia ser apresentado para universitários, pela riquesa de informações. Ele abraçou a ideia e assim surgiu o Teatro nas Universidades. A Associação Comercial abriu a possibilidade de contato com alguns empresários para que pudéssemos ter patrocínio para as montagens. A ideia era levar o espetáculo às universidades, gratuitamente. Nessa época uma pesquisa revelou que 62% dos jovens, incluindo os universitários, nunca tinham ido ao teatro. Então nós começamos a trabalhar para despertar o interesse dos estudantes, para a formação de público. E já estamos entrando no quinto ano do projeto. O resultado foi tão fantástico que hoje em dia não dá pra atender a todas as solicitações. Desde o ano passado, o mesmo espetáculo que é feito na universidade é apresentado também para a comunidade. Depois, nós começamos a levar o universitário até o teatro, ao invés de só o teatro ir até ele. A pessoa volta pra casa com algo diferente somado à sua vida. É por isso que o teatro não morre nunca. Ele é arte viva. Você só vai ver aquele espetáculo, daquela maneira, naquele dia e naquela hora. No dia seguinte ele já vai ser diferente. É vivo! Porque nós somos diferentes a cada dia e essa é a importância do teatro. Depois de cada espetáculo nós também promovemos debates. Convidamos sempre uma personalidade da área artística, cultural, jornalística, um professor da universidade. E alguém do nosso grupo serve de intermediário pra fazer a ligação palco/platéia.
Paulo - Nós estamos agora no século XXI, na era da Comunicação. Tudo hoje é extremamente rápido. Existem novos processos, novos hábitos. A informatização tem um potencial imenso e extraordinário. Hoje você tem o mundo dentro da sua casa e isso cria uma irrealidade; novos processos comportamentais. O teatro é uma arte viva e artesanal. O mais difícil hoje é você motivar as pessoas a saírem de suas casas e comprarem um ingresso pra te assistir, porque uma série de coisas paralelas foram fazendo com que essas pessoas fossem mais domésticas. Elas têm as novelas, o futebol e todo um lado de divertimento e informação dentro de casa. E o que eu estou dizendo não é uma crítica. Eu falo no sentido analítico mesmo. São novos hábitos. E até que ponto, nos núcleos familiares, o diálogo deve continuar existindo? Talvez esse seja o ponto básico do nosso teatro. Não só nas universidades. O teatro de um modo geral. Ele provoca o diálogo. Se você assistiu um determinado espetáculo e gostou, você tem uma necessidade implícita de passar isso pras pessoas que você se relaciona. “Vai ver tal coisa”. Tudo aquilo que acontece ao vivo, sempre é muito forte. Essa coisa virtual está criando novos hábitos. Você às vezes está lá com o seu computador trancado num quarto e quer falar com uma pessoa num outro quarto. Aí vocês se reúnem muito rapidamente porque a velocidade das coisas está muito maior. Então a gente pensa na importância de você dialogar realmente, de trocar informações, não apenas no virtual. Não como uma coisa antiga, mas como uma coisa realmente boa, necessária. No caso específico do Teatro nas Universidades, ele foi criado para chegar aos núcleos de alunos, de professores, de pessoas que são responsáveis pela educação. Porque só a educação e o conhecimento vão fazer com que nós sejamos realmente um país que tenha a ver com o “hoje”. Temos que agir hoje, pensando no amanhã. E só através do conhecimento e da educação você vai viver a sua vida no seu aspecto social, vocacional. Por que você quer exercer um determinado ofício? Onde nasce o diálogo pra você chegar a isso? Então são essas provocações que o nosso amigo Antonio Abujamra faz quando participa do nosso Teatro nas Universidades. E tudo no teatro vem pra provocar mesmo. Mas de uma forma muito agradável, extremamente lúdica. O teatro, de uma certa forma, é um pouco o retrato da vida. Inclusive, falando nisso, eu tenho uma novidade. Acabei de vir de uma reunião. Nós vamos montar, pro segundo semestre, “Aurora da Minha Vida”. O Naum Alves de Souza, autor da peça, foi professor na Escola Vocacional, onde estudaram nossos três filhos e nossas netas. A Escola Vocacional foi precursora dessa nova forma de ensino mais integrado com a vida, e o “Aurora da Minha Vida” tem a ver com essa temática. Não devemos fazer só pra universidade, mas também pra outros setores, entrar em temporada e possivelmente até fazer algo com a Secretaria da Educação e a prefeitura. São ideias. Nas crises, estamos sempre criando. Nós que vivemos de processos de criação temos que estar, mais do que nunca, ligados em o que fazer, como fazer e quando fazer. Hoje não se faz nada sem leis de incentivo. Então, você tem que trabalhar com muito mais antecedência. Nosso emprego é na Globo, mas nós sempre temos nossos empreendimentos teatrais. Nós somos empregados e empregadores. E somos muito positivos. Acreditamos no trabalho, na dignidade, no prazer, na alegria. E o povo brasileiro é extremamente participativo nesse sentido. É por isso que nós estamos aqui.