Ah, esse comportamento tipicamente brasileiro em manter-se sob neutralidade para evitar maiores conflitos e divergências! A falta de posicionamento é sempre um risco maior, pois dá margem para especulações, distorções, equívocos, desdobramentos sérios em curto, médio e longo prazo. Vejamos o contexto em que se encontra o pleito eleitoral de 2010.
Primeiro, o Supremo Tribunal Federal deixa em suspenso a votação sobre a Lei da Ficha Limpa, depois de um impasse em 5 a 5 que se estabeleceu com a análise de um recurso de Joaquim Roriz (PSC) contra decisão do Tribunal Superior Eleitoral que vetou sua candidatura ao governo do Distrito Federal. Sem decisão, Roriz optou pela renúncia a candidatura e o STF pelo arquivamento do seu processo; levando o Tribunal Superior Eleitoral a manifestar-se que os candidatos cujos recursos contra a aplicação da Ficha Limpa ainda não foram votados, terão sua votação atribuída ao rol dos votos nulos e após a eleição, caso a análise dos recursos resulte em decisão favorável a eles, os votos serão computados e uma nova lista de eleitos será estabelecida. Certamente, desdobramentos e desgastes ocorrerão mediante esse processo.
Porém, tormenta ainda maior parece acenar a questão dos documentos a serem apresentados no ato da votação. Documento criado para comprovar a inscrição do cidadão junto à Justiça Eleitoral e conferir-lhe a condição de escolher seus candidatos na esfera Executiva e Legislativa, nos níveis municipal, estadual e federal, o título de leitor a partir de 1996 tornou-se ainda mais importante no processo eleitoral pelo fato da votação ser realizada através do sistema de urnas eletrônicas1. Ao chegar à seção de votação designada no seu título, o eleitor entra na fila para que seja chamado a adentrar a sala e proceder à entrega do título de eleitor ao chefe da seção que em conjunto com os dois mesários presentes faz a conferência no livro de votação. Conferência realizada, os dados do título são digitados em um microcomputador e a urna é liberada para que o eleitor proceda ao seu voto. Votação concluída, o eleitor se dirige a mesa para assinar o livro de votação e receber das mãos dos mesários ou do próprio chefe da seção o seu título de eleitor e o comprovante de votação. Assim, o sistema veio sendo aplicado até as eleições municipais de 2008. Entretanto, decidiu o Supremo Tribunal Federal há três dias que antecede a eleição de 2010, por 8 votos a 2, suspender a exigência imposta pela Lei 12.034/09, que determinava a apresentação de dois documentos – título de eleitor e um documento com foto (RG, Passaporte ou Carteira Nacional de Habilitação) – no momento da votação; após questionamento do PT, que alegou Ação Direta de Inconstitucionalidade no STF.
Agora, apresentar-se somente com o título na seção de votação tornou-se impedimento, pois é o documento com foto o que será levado em consideração. Segundo o STF, o eleitor precisa ter em mente a seção e zona eleitorais especificadas no seu título de eleitor; mas, sobretudo no caso dos analfabetos (que representam cerca de 16 milhões no país2) a ausência do documento em mãos para que possa receber orientação correta do local onde deve votar pode se tornar um grande problema! E se por ventura ocorram problemas com as urnas eletrônicas e se faça necessário proceder à votação em cédulas, hein? Ora, ora! Como em um passe de mágica, a premissa exigida para o bom andamento eleitoral, garantida através da conferência da numeração do título junto ao livro de votação, desapareceu. Então, como se dará o controle da votação? Não poderia agora, acontecer acidentalmente de uma mesma pessoa votar em seções diferentes, sob a alegação de possível erro na confecção do livro, ocasionando a inexistência dos dados dele? É as dúvidas pairam pesadas no ar!
Diante de tantas idas e vindas à conjuntura que cerca essa eleição, deve ser por isso que pela primeira vez na história brasileira um grupo tão grande de observadores internacionais, 1513, manifestou interesse em acompanhá-la; afinal, novidades de última hora podem sempre gerar surpresas e o Brasil tem ao longo das décadas se firmado como uma nação de economia ascendente e com um papel geopolítico cada vez mais forte.
Enfim, o que se espera é que tudo transcorra corretamente, sem sobressaltos, dentro da ordem necessária para composição do resultado democrático final. Independente de papeis, de decisões da nossa Corte Suprema – que claro, deve ser sempre acatada-, é dever de cada indivíduo zelar e cumprir sua cidadania, refletir sobre suas escolhas; mais do que pensar em si, a realidade só se transforma e ganha novos contornos com a força do coletivo.