terça-feira, 28 de setembro de 2010

Crônica: Lavando a ignorância


Por Alessandra Leles Rocha
           
            Mais de setenta dias de estiagem e o norte e o centro-oeste do país, acrescido de parte de outros estados como Minas Gerais e São Paulo, faz as pazes novamente com as águas do céu. 
            Até certo ponto natural o decréscimo da pluviometria para essas regiões durante o período de inverno; mas, dois mil e dez contou com os piores índices de queimadas no território brasileiro. Como diz a gíria “tocaram o terror” por toda parte em que a cobertura vegetal se faz presente; foram quilômetros e quilômetros de áreas de mata e floresta engolidas pelas chamas. Dessa vez, não foi simplesmente obra da combinação entre o ar seco, a vegetação desidratada e algum objeto metálico a refletir impensadamente a luz intensa do sol escaldante do inverno tropical; algo maior, como a insensatez humana, decidiu agir incendiária sobre a vida. Sim! As línguas de fogo não consumiram apenas o verde, consumiram o oxigênio que mantém viva a vida e tornaram o ar irrespirável, auxiliaram na manutenção de uma umidade relativa do ar praticamente desértica, edificaram verdadeiras estufas que armazenaram gás carbônico e calor insalubre ao nosso bem-estar.
            Na obscuridade do anonimato, as mãos que atearam fogo sentiram-se seguras nos braços da impunidade. Como saber, como encontrar, como determinar o marco zero onde começou a transformação de vida em carvão? Vitória da covardia ignorante que não consegue perceber a dimensão dos seus atos. Perdemos a flora e a fauna naturais, que existem naquele local determinado por razões óbvias de umidade, solo, clima, hidrografia e relevo. Perdemos a qualidade do solo, que após a exposição ao calor perde suas propriedades, empobrece e deixa de ter interesse para o cultivo de outras culturas; ruim para a renovação da cobertura primária ou natural, péssimo para quem dele faz uso agrícola. Perdemos as áreas de pastagem para os rebanhos, o que significou elevação no custo da forragem para alimentá-los, a ponto de garantir- lhes equilíbrio satisfatório tanto para a obtenção do leite quanto da carne. Enfim, prejuízos em cima de prejuízos; mais um golpe duro a ser assimilado e enfrentado pela bravura do homem do campo, aquele que acorda de madrugada, desafia as intempéries do clima, cuida com zelo da terra que lhe dá o pão de cada dia, perde o sono com os compromissos a serem saldados nas instituições financeiras e move a engrenagem capitalista através da produção agropecuária, seja com foco interno ou externo.
            Caindo das nuvens, a esperança em gotas cristalinas de água rega a alma de todos que viveram esse episódio de caos e lava a ignorância vigente. Sempre insatisfeito com o que há dessa vez o ser humano viveu na pele a rudeza do que é viver sem água, sem umidade, sob o impacto profundo dos raios ultravioleta do sol, da fumaça asfixiante da natureza que não queria morrer sozinha e em silêncio. Vivenciamos a experiência dos que vivem no deserto e percebemos que cuidar da Natureza não é discurso de elite, é sim questão de sobrevivência. Mais parques, mais árvores de grande porte – ao invés de paisagismos pobres e meramente estéticos -, mais projetos de arborização, mais verde para a zona rural – mantendo intactas as áreas de nascentes e cumprindo fielmente a exigência das reservas legais - e, sobretudo, para a zona urbana, onde as ilhas de calor ameaçam nossa saúde e a falta de áreas de absorção das chuvas colabora para as enchentes e inundações.  
            Brasil, um país de dimensões continentais; mas, nem por isso, capaz de dispor do solo ao seu bel prazer. Nem todo o território é cultivável - não dá para plantar no Mangue, por exemplo! - sapiência da Natureza para proteger o homem de si mesmo, da sua ganância, do seu desatino. Digamos que sem mesmo desfrutar dos recursos das leis, o Criador fez tudo dessa forma para que tivéssemos uma “reserva legal” adequada à manutenção de nosso equilíbrio e qualidade de vida.  Assim, queimadas no intuito de expandir as fronteiras agrícolas não ajudarão em nada ao agronegócio, base fundamental da balança comercial brasileira de exportação; o que se gasta em correção de solo para devolver-lhe a capacidade produtiva, em sementes melhoradas geneticamente para germinar num contexto de profunda alteração biótica, inviabiliza a muitos produtores continuar no ramo e prejudica diretamente o montante de produção, empurrando-nos a necessidade de importação de diversos produtos para as exigências internas do país. Estamos diante da transformação paulatina do território nacional em deserto, menosprezando aos apelos mundiais para que se faça desenvolvimento sustentável ao redor do globo, pondo em risco as áreas que nos garantem status na produção agrícola internacional, queimando riquezas naturais como se fosse apenas capim. O que adianta sermos grandes se na hora de pensar e agir além de nossos passos serem diminutos ainda são dados para trás? Acabamos de dar nossa grande contribuição ao aquecimento global, à liberação de gás carbônico para o Efeito Estufa, a destruição da biomassa, ao retrocesso apesar de todos os apelos em favor do Meio Ambiente; então, é hora de arcar com as respostas reativas, com o volume de chuvas superior a capacidade suporte, com as grandes enchentes descontroladas, com a fúria das tempestades de granizo, com os desmoronamentos de encostas, com as perdas materiais e humanas.