domingo, 3 de agosto de 2025

O mundo sob ameaça da raridade


O mundo sob ameaça da raridade

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Sei que boa parte da humanidade não percebe que estar sobre a terra significa caminhar pisando em ovos. Recapitulando os ensinamentos da geografia, as camadas internas da Terra são a crosta, o manto e o núcleo. No que diz respeito à crosta, ela é composta pelas chamadas placas tectônicas, grandes blocos rochosos rígidos que compõem a litosfera, a camada mais externa. Portanto, elas podem ser continentais (sob os continentes) ou oceânicas (sob os oceanos), ou mistas (contendo tanto crosta continental quanto oceânica).

Acontece que essas placas estão em constante movimento sobre a astenosfera, uma camada mais fluida do manto terrestre, e suas interações são responsáveis por fenômenos como terremotos, vulcões e a formação de montanhas e oceanos. E tais movimentos podem ser de três tipos: convergentes (colisão), divergentes (afastamento) e transformantes (deslizamento lateral).

Aliás, recentemente, um forte terremoto de magnitude 8,8 atingiu o extremo leste da Península de Kamchatka, na Rússia, provocando ondas gigantes em diversas partes do Oceano Pacífico e alertas de tsunamis. Esse tremor ocorreu no Círculo de Fogo do Pacífico, uma área conhecida por sua alta atividade sísmica e vulcânica. Embora não haja relatos diretos de erupções vulcânicas causadas pelo terremoto, algumas regiões próximas a vulcões ativos, observaram aumento da atividade sísmica e, em alguns casos, erupções.

Então, pensando a respeito das ameaças naturais, as quais a crosta terrestre precisa lidar; mas, que também nos afeta enquanto habitantes do planeta, não pude deixar de me deparar com as ameaças antrópicas. É, o próprio ser humano vem constituindo uma série de ameaças à sua própria sobrevivência! As práxis mineradoras são um exemplo. E não se engane, não se trata de algo recente!

Tudo começa na pré-história, a partir das evidências de extração de minerais, tais como a hematita, para pinturas e rituais, datando de 40.000 a.C. Diante do desenvolvimento humano, a metalurgia do cobre e a produção de ligas se desenvolveram entre 7000 a.C. e 4000 a.C.. Já a produção de bronze começou por volta de 2600 a.C. De modo que a atividade de mineração é milenar, passando por diferentes etapas e se adaptando às necessidades das sociedades.

Feita essa breve consideração, comecei a refletir, então, a respeito dos impactos que a mineração no planeta vem gerando ao longo do tempo, por conta da grande discussão que se estabeleceu a respeito de o Brasil dispor da segunda maior reserva das chamadas terras raras. Um grupo de 17 elementos químicos de alto interesse econômico para o desenvolvimento científico e tecnológico da humanidade. Além do fato de o país se destacar por outras vantagens “como matriz energética limpa, território estável, tradição mineradora e conhecimento técnico” 1.

Afinal, é preciso lançar um olhar isento e realista sobre a mineração. Embora seja essencial para o fornecimento de recursos, ela acarreta sim, diversos efeitos colaterais negativos para o equilíbrio geológico e socioambiental da Terra.

Isso inclui a degradação da paisagem, a contaminação do solo e da água, as alterações e desestabilizações no relevo, e mudanças significativas na dinâmica hídrica. Essas consequências podem levar a problemas ambientais graves e impactos socioeconômicos significativos nas comunidades locais.

E analisando pela perspectiva dos minerais de terras raras, eles são encontrados em diversas profundidades da crosta terrestre, ou seja, da superfície até maiores profundidades. Assim, os principais processos de mineração para extração desses minerais envolvem a lavra (extração do minério), o beneficiamento (separação do minério da ganga) e o processamento metalúrgico (refino e separação dos elementos individuais). O que significa que diferentes métodos são utilizados dependendo da localização e tipo do depósito.

Bem, considerando que a quantidade extraída durante a mineração em si, varia bastante, dependendo da mina e do tipo de minério, a recuperação deles pode ser um processo complexo e caro, inclusive, demandando desenvolver tecnologias mais eficientes e sustentáveis para a extração e o processamento.

Afinal de contas, a exploração de terras raras pode ter impactos ambientais significativos, tais como contaminação química e radioativa. Sem contar, que esse processo minerador gera uma quantidade significativa de resíduos, com estimativas de até 2.000 toneladas de resíduos tóxicos para cada tonelada de terras raras produzida. E o processamento dessas matérias-primas pode contribuir com até 30% das emissões globais de gases de efeito estufa.

Esse é, portanto, o ponto nevrálgico! Embora, métodos como o empilhamento a seco, após a retirada da umidade, e o desenvolvimento de produtos químicos específicos para a separação das terras raras, sejam algumas das abordagens utilizadas, é preciso lembrar que certos rejeitos incluem elementos radioativos, tais como o urânio e o tório, os quais demandam um tratamento mais específico e cuidadoso a fim de evitar a contaminação do solo e da água.

Diante do frisson a respeito das terras raras, o qual vem apontando para o mesmo encantamento desmedido e irresponsável, que se viu durante o Metalismo, entre os séculos XV e XVIII, esses aspectos não podem ser negligenciados, invisibilizados e/ou flexibilizados, em nome dos interesses econômicos.

A falta de regulamentação adequada para o tratamento desses rejeitos, por exemplo, pode levar a problemas ambientais gravíssimos e, em alguns casos, irreversíveis. A relação custo/benefício dessa mineração, a partir da observância do tratamento de rejeitos, pode traduzir em inviabilidade, dado o alto custo operacional, especialmente para minérios com baixo teor de terras raras.

De modo que os esforços empregados para a satisfação econômica, podem significar, na verdade, a ocorrência do deslocamento de populações, por conta da perda de áreas de cultivo, florestas e outros recursos naturais, importantes para as comunidades locais, afetando sua subsistência e modo de vida. A exposição a substâncias tóxicas liberadas pela mineração pode causar, também, problemas de saúde em trabalhadores e comunidades próximas, incluindo doenças respiratórias e intoxicações.

Por essas e por outras, é que existe uma necessidade real de se buscar métodos de mineração e tratamento de rejeitos que sejam sustentáveis e minimizem os diversos impactos ambientais já estimados. Afinal de contas, as reservas de terras raras são finitas, dada à dificuldade em encontrá-las. Esses minerais estão frequentemente dispersos e misturados com outros, dificultando a sua separação e extração.

Assim, não nos esqueçamos: “Muitas vezes erra não apenas quem faz, mas também quem deixa de fazer alguma coisa” (Marcos Aurélio – Imperador Romano). E isso ocorre, porque “Todos os erros humanos são fruto da impaciência. Interrupção prematura de um processo ordenado, obstáculo artificial levantado em redor de uma realidade artificial” (Franz Kafka – escritor tcheco).